Entrevista | JANAINA DONAS | Presidente-executiva da Abal

"O Brasil é benchmark para o alumínio", destaca presidente da Abal

Executiva lembra que o país é referência na reciclagem de latinhas e ressalta que, na agenda de descarbonização global, é preciso saber a procedência e com qual fonte de energia foi utilizada na produção do alumínio

 Entrevista com Janaina Donas, presidente-executiva da Abal. -  (crédito: Rosana Hessel/CB/D.A Press)
Entrevista com Janaina Donas, presidente-executiva da Abal. - (crédito: Rosana Hessel/CB/D.A Press)
postado em 11/12/2023 03:55

Após retrocessos, o Brasil tenta retomar a produção de alumínio e tem chance de se destacar na liderança da agenda de descarbonização global, pois o metal é estratégico para os Estados Unidos e a União Europeia, de acordo com Janaina Donas, presidente-executiva da Associação Brasileira de Alumínio (Abal), primeira mulher no comando da entidade que tem 53 anos de fundação. Como a matriz energética brasileira é renovável e a certificação da cadeia é um grande diferencial para o país frente ao maior produtor global, a China, que utiliza carvão na produção do metal, a indústria do setor tem grande potencial, informa a executiva, em entrevista ao Correio. Ela ressalta que o segmento está num processo de retomada da capacidade produtiva, devendo investir R$ 30 bilhões até 2025 em toda a cadeia para melhorar a posição do país no ranking global.

Formada em relações internacionais e com MBA em gestão de negócios, Donas assumiu a presidência da Abal, em 2021, quando retornou ao setor após passagem internacional em uma gigante de mineração de ouro. A executiva lembra que o país recicla muito mais alumínio do que a média global e as empresas operam com as melhores práticas globais no país. "O Brasil é o benchmark para o alumínio", frisa.

A Abal apresentou três cases de sucesso na área de reciclagem e gestão de resíduos da indústria de alumínio durante a 28ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes, e, os preparativos para a COP30, que ocorrerá no Pará, já estão em curso, informa a executiva.

O alumínio pode ser um aliado estratégico para o cumprimento dos objetivos de descarbonização de seus principais mercados consumidores, pois o metal está cada vez mais presente em tudo, inclusive, nos carros elétricos, de acordo com a presidente da entidade. Logo, com a descarbonização em curso, será preciso saber a origem do alumínio que será utilizado nesses veículos, se o objetivo é reduzir a emissão de carbono.

A seguir, os principais trechos da entrevista da executiva concedida ao Correio.

Como está o processo de reciclagem na cadeia produtiva de alumínio?

Hoje, no Brasil, 59,3% do consumo de produtos de alumínio vem da reciclagem, o equivalente a 905 mil toneladas. Até meados de 2009, o país tinha uma produção primária que era mais do que suficiente para atender todo o consumo de produtos de alumínio, ainda para exportar e a reciclagem vem, obviamente, ganhando cada vez mais mercado em termos de produção. O Brasil é referência em reciclagem. Se considerarmos a média global, que gira em torno de 28,8%, o Brasil, em 2022, o país teve mais do que o dobro da média mundial de consumo de produtos de alumínio. O consumo doméstico de produtos de alumínio foi da ordem de 1,526 milhão de toneladas. A produção de alumínio primário, no ano passado, somou 810 mil toneladas, e outras 905 mil toneladas vieram da reciclagem. E, desse montante reciclado, 390 mil toneladas foram só de latas, que é um case de sucesso.

O que acontece com a latinha que é reciclada? Ela volta para o ciclo ou vai para outro tipo de produto?

Volta como latinha. No mundo ideal seria um ciclo fechado. E, em 2022, atingimos a reciclagem de 100% das latas produzidas, ou seja, todas as latas colocadas em consumo no Brasil foram recicladas. Temos o compromisso de reciclar acima de 95% da produção. Esse produto que você consome agora volta em 60 dias. Um dos fatores determinantes para o sucesso é o pioneirismo da indústria, porque ela vem investindo em capacidade de reciclagem e sistema próprio de coleta desde a década de 1990, antes mesmo da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê o sistema de coleta seletiva, de 2010.

O alumínio está entre os materiais estratégicos dos Estados Unidos e da União Europeia. O que isso significa para o Brasil?

Nós levantamos essa bandeira há bastante tempo. A semântica, a classificação sobre material, se é mineral crítico ou estratégico, depende da jurisdição. Pesquisas mostram que existe uma demanda cada vez crescente para produtos de alumínio, mas o Brasil sentiu a competição mais forte da China, que saiu de uma participação no mercado global de 11% para 56%, em 20 anos. Até meados de 2000, o país tinha uma produção que atendia não só a necessidade interna como tinha um potencial exportador significativo. A China causou um desequilíbrio no mercado internacional e fez os preços caírem no momento em que os custos de energia estavam subindo. Mas o Brasil ainda tem uma vantagem competitiva que é a fonte de energia renovável para a produção na etapa primária do alumínio.

E o que tem de novidade?

O que tem de novo é que, em abril de 2022, houve um impacto relevante no início da retomada de capacidade, depois de vários fornos desligados entre 2014 e 2015. A notícia positiva é que estamos recuperando a autossuficiência no meio de um processo de reindustrialização do país. Com o religamento de alguns fornos, considerando a retomada em 2021, os investimentos no setor deverão somar R$ 30 bilhões até 2025. Esses recursos vão desde a expansão de minas, melhoria de processos de refinarias, religamento de produção de alumínio primário, expansão de plantas, novas tecnologias e reciclagem. E, obviamente, para o futuro, além da retomada da produção de alumínio primário, a reciclagem passa a ser importante não só pelas questões ambientais e sociais, mas também do ponto de vista estratégico.

Em relação a essa questão de reindustrialização proposta pelo governo, os fabricantes estão mais confiantes?

Existe uma oportunidade. Há vários instrumentos e ferramentas para ações que podem ser utilizados na política industrial , como desoneração, investimento, criação de linhas de fomento para pesquisa ou aumento de capacidade e redução de taxa de juros. E os resultados, são percebidos a longo prazo. Já existia um exemplo no Brasil desde 2017-2018, o programa Rota 2030, voltado para a indústria automobilística, estabelecido ainda na época do governo Michel Temer (MDB). E isso não é uma política de governo, mas de Estado e é preciso se trabalhar mais em políticas de Estado. Agora, com a reindustrialização, estão sendo atreladas novas metas relacionadas à descarbonização. E é possível ter uma renovação de instrumentos ou aplicação de novos, mas adequados a essa nova realidade. Nós vemos com muitos bons olhos toda a discussão para você retomar a capacidade produtiva para alocar instrumentos para que o país possa potencializar as nossas vantagens competitivas. E temos uma série de vantagens competitivas no Brasil, especialmente na cadeia de alumínio.

Quais vantagens?

Temos ativos estratégicos na cadeia, desde a mineração, refinaria, para fortalecimento de uma indústria de base forte e com outros instrumentos. No caso do alumínio, ele tem uma densidade carbônica, que é 3,3 vezes menor do que a média global, em termos de emissões, conforme dados de um estudo que fizemos no ano passado, considerando mecanismos de ajustes na fronteira da União Europeia. Esse estudo mostrou que alguns países estão adotando alguns mecanismos de algumas novas barreiras ao comércio não só agrícolas. São mecanismos sofisticados, com barreiras comerciais sofisticadas, atreladas a questões diversas. Cerca de 60% das emissões do setor de alumínio estão na etapa de produção de alumínio primário. E essa é uma das onde a nossa emissão, enquanto a média global é de 16 toneladas de CO2 por tonelada de alumínio primário, e, no Brasil essa média varia de 4,5 a 6,5 toneladas de CO2 por tonelada de alumínio, dependendo do portfólio de cada empresa. E, na refinaria, essa vantagem da indústria brasileira ainda é maior: a relação passa para 2,7-2,6 toneladas de emissão de CO2. Na cadeia de produção, a nossa intensidade de carbono é significativamente menor do que a média global. Se compararmos com a China, por exemplo, a principal energia utilizada na produção é o carvão, muito mais poluente. Enquanto isso, no Brasil, a nossa energia é renovável, na maioria, hídrica, mas temos aumentando o uso de eólica e fotovoltaica também.

Para onde vai o alumínio produzido no país?

O consumo de alumínio por segmento, tanto no Brasil quanto no mundo, vai para embalagens, transportes, energia, construção civil, bens de consumo e máquinas e equipamentos. Hoje, 40,3% são para embalagens. No mundo, o maior consumo está no setor dos transportes, depois, construção civil, e embalagens é o terceiro. Logo, os maiores drivers de crescimento estão justamente no setor de transportes, como trens e metrô. Um dado importante também é que o consumo per capita de alumínio no Brasil é de 7,5 quilos por habitante. Enquanto isso, a média global é de 22,4 quilos por habitante. Ou seja, existe um potencial de crescimento, considerando só o Brasil, enorme, mas também para o país recuperar seu espaço.

Em que posição o Brasil se encontra entre os produtores globais?

A China é o maior produtor global de alumínio primário. O Brasil já foi o sexto. Caímos para 15º, e, no ano passado, ficamos na 12ª posição. Mas o país tem um potencial de retomada, e, provavelmente, devemos terminar este ano subindo algumas posições, talvez para o nono ou o oitavo lugar. Vamos ultrapassar os Estados Unidos, que está em 11º lugar, com certeza. E, em termos de ativos estratégicos, o Brasil tem a quarta maior reserva de bauxita e somos o terceiro maior produtor de alumina.

Onde estão localizadas essas reservas de bauxita, que é a matéria-prima do alumínio?

O país tem dois clusters: um no Norte, no Pará, onde está a maior parte, e outro no Sul, em Minas Gerais e em Goiás. E, na cidade goiana de Barro Alto, está localizada uma das bauxitas de melhor qualidade do mundo.

Qual é a expectativa de crescimento do setor neste ano?

O segmento costuma crescer acima do PIB, com uma relação de elasticidade da série histórica de 1,7. Em faturamento, o setor cresceu 14%, em 2022, somando R$ 140,1 bilhões. Os investimentos em 2023 aumentaram 58%, em relação ao ano anterior, girando na casa de R$ 1,9 bilhão. E, nos próximos anos, vão somar R$ 30 bilhões até 2025.

Para o setor, essa reforma tributária que passou no Senado e voltou à Câmara, é positiva? Como é que vocês avaliam as mudanças?

Não temos condições de avaliar ainda, porque os números e o impacto ainda são incertos. Na metalurgia, considerando um universo de produtos dos setores de alumínio, de metalurgia e de transformação, a carga média do produto nacional é de 34% a 35%. O mesmo produto importado entra no país como uma vantagem competitiva, ou seja, com uma diferença de quase 20% a menos. Sem considerar práticas comerciais não competitivas, o produto importado já entra com uma vantagem no país. Se você considera que essa reforma tributária, tem uma estimativa de reduzir a carga tributária para 27,5%, isso ajuda a resolver em parte, mas ainda tem uma diferença. E, por isso, temos trabalhado no esforço de sensibilizar sobre a não renovação da redução do imposto de importação, que vence em dezembro.

Como é que a senhora chegou à presidência da Abal?

Embora eu esteja há dois anos na presidência-executiva, não sou nova no setor. Trabalhei uns sete anos antes no segmento (na Alcoa). Mas mudei de setor, porque recebi uma proposta para trabalhar com a maior empresa de mineração de ouro, que não tinha operação no Brasil. A gente brinca que, no setor do alumínio, todo mundo fica. Você pode até mudar de emprego, de empresa, mas não vai conseguir sair do setor. Sou apaixonada pelo setor de alumínio, e voltei por carinho, mesmo, ao setor, e carinho ao Brasil.

Mas essa retomada não está relacionada com a troca de governo, né?

A retomada começou em 2022 e tem a ver com uma aposta das empresas no país, no mercado consumidor. São investimentos de longo prazo, e, obviamente, nós vimos de maneira muito positiva as sinalizações do governo que estão sendo feitas em relação ao fortalecimento do parque industrial, que é uma bandeira que a gente levanta há muitos anos. Essa discussão de material crítico, estratégico, indústrias estratégicas, é uma bandeira antiga, de quando estávamos discutindo a crise do setor lá em 2012. Nós entendemos que existem momentos do país, momentos de amadurecimento institucional, algumas discussões.

Falando em alumínio de baixo carbono, a entidade participa da COP28, em Dubai?

Levamos três cases de sucesso. Um deles sobre reciclagem e outros que estão vinculados à parte de gestão de circularidade e de gestão de resíduos.

E como estão os preparativos para a COP30, no Pará, que é o maior produtor de bauxita?

Estão em curso. O Brasil é referência, porque o alumínio no Brasil é verde desde a etapa de mineração. Existe uma iniciativa global que surgiu, que é o Aluminium Stewart Iniciative (ASI) que é uma organização internacional que faz a certificação de toda a cadeia de custódia, de acordo com as práticas ambientais, corporativas e sociais. E ela surgiu como um movimento para atender uma demanda de mercados consumidores altamente exigentes. Empresas como uma Apple ou uma BMW, que usam alumínio em seus produtos, começaram a exigir mais de onde vem o alumínio que é utilizado. E o Brasil é um dos poucos países que tem empresas que atuam em todos os elos da cadeia certificados. Aqui, estão empresas que operam globalmente com as melhores práticas. O Brasil é o benchmark para o alumínio, e o setor é altamente estratégico para o fortalecimento de várias indústrias.

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