Estatística

IBGE estuda alternativas para medir o peso da economia digital no PIB

Apesar das críticas, o presidente do IBGE, Marcio Pochmann, vence resistências e promete novidades na medição do PIB, que incluirá a economia online, proposta apoiada pelo mercado com cautela

Economista da ala heterodoxa do PT não era unanimidade entre equipe da ministra do Planejamento, Simone Tebet -  (crédito:  Instituto Lula/Divulgação)
Economista da ala heterodoxa do PT não era unanimidade entre equipe da ministra do Planejamento, Simone Tebet - (crédito: Instituto Lula/Divulgação)
postado em 05/02/2024 05:05 / atualizado em 06/02/2024 17:30

O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, promete atualizar a medição da economia digital no Produto Interno Bruto (PIB) nacional, incluindo atividades como serviços online e apostas esportivas. Depois de ser recebido com desconfiança pelo mercado com a escolha, Pochmann garante que mudanças serão alinhadas ao que se faz fora do Brasil, e começa a vencer resistências dos agentes econômicos.

“Na verdade, quem está acompanhando a evolução das contas nacionais, das metodologias, percebe que se segue, sempre, um padrão Internacional, o código de boas práticas em estatísticas, tudo o que nós fazemos, de maneira geral, está padronizado em termos internacionais para permitir a comparabilidade. Então, não é algo que emerge de uma visão específica. Isso é discutido em congressos, estatísticas internacionais, no interior dos institutos nacionais de estatística, uma grande preocupação em atualizar a capacidade metodológica de capturar as transformações que estão em curso na economia mundial”, disse Pochmann ao Correio.

 

 

 Nesse esforço de atualizar a metodologia do PIB, o IBGE deve apresentar atualizações ainda esse ano, aponta o presidente do Instituto: “Estamos este ano, inclusive, estamos atualizando a nossa base metodológica aos avanços que a própria Nações Unidas propõe. Um dos pontos importantes é reconhecer parte da estrutura das atividades econômicas, não só de uma atividade agropecuária ou industrial, mas, cada vez mais, do setor terciário, de serviços. Toda vez que há um avanço metodológico, se percebe que há partes que compõem o valor agregado da atividade econômica que não haviam sido capturadas”, disse.

O presidente do instituto aponta que uma parte desse mercado já consegue ser mensurada, em especial, a quantidade de trabalhadores que, hoje, atuam em aplicativos, mas ainda há uma grande parte da economia digital que ainda não aparece nas estatísticas oficiais.

“Já se captura a parte da economia digital. Nós fizemos, recentemente, uma pesquisa inédita sobre os trabalhadores de plataformas. Não se sabia precisamente quantos trabalhadores estariam nessa atividade no Brasil, e a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) capturou isso. Mas ainda não medimos, por exemplo, os trabalhadores de redes sociais monetizadas, quantos youtubers, por exemplo, existem. E tem também os próprios jogos online, as bets. Trata-se de um processo de inovação contínua e as estatísticas, de certa maneira, fazem um esforço muito grande para alcançar essa totalidade. É um esforço que a gente está fazendo”, disse o economista.

Resistência

Pochmann, que é economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, é um quadro histórico entre os petistas, descrito como não tendo uma visão ortodoxa da econômica. Isso gerou críticas de agentes do mercado quando o nome dele foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o IBGE. Sobre as críticas e a possibilidade de acontecer qualquer interferência nos dados de inflação ou de crescimento do país, o economista rebate e aponta que, no Brasil, isso só existiu no regime militar, em 1973, quando o índice oficial de inflação ainda era calculado por uma instituição privada, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), e atribuiu as críticas do mercado a um preconceito de classe.

“A instituição já teve presidentes vinculados ao mercado financeiro, presidentes neoliberais, presidentes de extrema-direita, e nunca teve questionamento dessa natureza. Jamais pensaria em algo como manipulação e censura. Mas entendo também que há um preconceito de classe, que vem de determinados segmentos, porque eu sou o primeiro presidente da instituição que é um economista do trabalho”, disparou Pochmann.

Para Arilton Freres, sociólogo e diretor do Instituto Opinião, depois dos desgastes do instituto, qualquer mudança precisa ser muito cautelosa, para que profissionais que usam essas informações no dia a dia mantenham a confiança na sua precisão. “Ao mesmo tempo em que o IBGE é sinônimo de confiança e de credibilidade no Brasil, ele tem sofrido no último período algumas notícias negativas. Basta lembrar o que foi o Censo 2022 e todas as dificuldades e, mais recentemente, a polêmica no entorno da posse de Marcio Pochmann. Por isso, qualquer mudança na metodologia, qualquer atualização, precisa ser bem debatida e embasada cientificamente, para quem, como nós, trabalha com dados, possa ter segurança na sua utilização”, disse Ferres.

Mas, apesar da resistência inicial e de algumas vozes no mercado que apontam preocupação com mudanças na metodologia do PIB do Instituto, Pochmann vem vencendo barreiras e conquistando o respeito de especialistas que indicam a iniciativa como muito importante. Para Roberto Piscitelli, professor de finanças públicas na Universidade de Brasília (UNB), o presidente do instituto foi alvo de uma campanha negativa, e acredita que a nova metodologia pode captar de forma mais efetiva a realidade da economia brasileira.

“O mercado sempre tem suas preferências e tenta influenciar (ou minar) as escolhas do governo. Reputo o Pochmann como um técnico competente e responsável, que deve respeitar a cultura do IBGE, que é muito forte e tem uma tradição corporativa importante. Na realidade, me parece que ele está lançando ideias sobre novos critérios de apuração do PIB que, durante muito tempo, foi um tabu entre os economistas. Hoje, cada vez mais, está sendo questionado como indicador macroeconômico, o que, durante muito tempo, reinou absoluto. Tenho a impressão de que se pretende captar mais precisamente e com mais fidedignidade o efeito de certas transações meio encobertas, que se tornaram crescentemente relevantes na época de um mundo cada vez mais digital, mais informatizado, mais financeirizado”, disse o economista.

Para Eduardo Velho, sócio e economista chefe da JF Trust, a resistência a Pochmann é política e em nada deve influenciar os padrões técnicos do IBGE.

“Com certeza, o objetivo é você medir de forma mais acurada, de forma mais criteriosa o PIB do país, isso é realmente uma iniciativa muito positiva. Qualquer iniciativa dessas é importante. Com o IBGE fazendo essa pesquisa, fica mais claro e há mais certeza de que não vai haver dupla contagem, vai ter um critério técnico. Importante lembrar que, nos últimos anos, muitos empregos foram trocados nessa substituição da produção para o segmento digital. Essas mudanças acontecem em vários países. Quanto às resistências ao presidente do IBGE, são questões mais políticas, acredito que não interfiram em nada”, disse Velho.

 

 


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