Lei de cotas

"Não é ter ou não ter a lei, é que lei vamos ter", diz secretária

Em entrevista ao Correio, Márcia Lima, secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do MIR, comenta proposta que prorroga a política de cotas no serviço público

Márcia Lima, secretária de politica antirracismo do Ministério da Igualdade Racial -  (crédito: Mayara Souto/CB/DA.Press)
Márcia Lima, secretária de politica antirracismo do Ministério da Igualdade Racial - (crédito: Mayara Souto/CB/DA.Press)

O Projeto de Lei (PL) 1.958/21, que renova a política de cotas raciais em concursos públicos, será votado nesta quarta-feira (24/4) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. Há pressa para que o texto corra à sanção, já que atual política pública, que reserva 20% das vagas a pessoas negras, vence em 9 de junho.

Com previsão de ampliação do percentual destinados à ação afirmativa e inclusão de quilombolas e indígenas, o PL deve ter votação acirrada, segundo senadores. No entanto, há previsão de que seja aprovado, após passar por série de negociações com a oposição. A proposta atual, feita em 2014, também prevê a revisão do texto em 10 anos.

O texto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), contou com a participação do Executivo em sua construção, por meio do Ministério da Igualdade Racial (MIR). Ao Correio, Márcia Lima, secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do MIR, comenta toda a trajetória de construção do texto, quais foram as conquistas, o que se perdeu em negociações e o impacto da política pública na população brasileira.

Como foi feita a articulação com os senadores?

Desde março do ano passado, nós construímos um grupo de quatro ministérios (Igualdade Racial, Gestão e Inovação, Povos Indígenas e Justiça) para trabalhar no texto do PL. Já tínhamos, na Câmara, o texto da deputada Letícia Mattos (PL-SC) e no Senado o do senador Paulo Paim, que basicamente renovavam a lei atual. A gente fez muitos levantamentos sobre os problemas que a lei tinha, como poderia aperfeiçoar, considerando que teve a revisão de cotas no Ensino Superior. E aí a gente teve todo esse processo da política, que é construir o voto começando com os senadores agora e, depois, os deputados.

Quais os problemas que existiam e foram corrigidos?

A gente fez um texto bem sofisticado, com muitas possibilidades, como, por exemplo, cobrindo os processos seletivos simplificados, que antes não estavam (na norma das cotas). A gente tem orientação também, por exemplo, sobre a fragmentação dos concursos porque, como a lei atual valia a partir de três vagas, muitas vezes, departamentos faziam três concursos com uma só vaga para não entrar na lei. Agora, cercamos isso. Teve também uma ampliação no percentual de vagas para cotas raciais. Então, estamos votando com 30% de vagas para negros, quilombolas e indígenas. Antes era "no mínimo", caso algum local quisesse oferecer mais, mas caiu. Depois, na regulamentação da lei, vamos ver como fazer nos certames a distribuição das três categorias. Será a depender do concurso, se for em região que tenha mais uma população do que outra. Isso conseguimos manter.

E o que foi cortado do PL inicial?

A subcota das mulheres — que previa que 50% das vagas das ações afirmativas fossem destinadas a esse público. Isso trouxe mudança muito grande para o texto pelas negociações. Mas tem coisas que a gente conseguiu até aqui e que não estão abertas a negociação.

Como o quê?

Uma das emendas, do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), queria que fosse uma cota social. E não pode ser uma cota social porque não faz sentido quando está desenhando uma política para o mercado de trabalho. Primeiro, porque você tem um público muito heterogêneo. A grande maioria dos cargos públicos federais exigem nível superior e mesmo com a política de cotas de pessoas mais pobres ingressando nas universidades, a gente já não está lidando com um público que seja necessariamente pobre. E a gente precisa de políticas para produzir a diversidade racial no topo e no meio da pirâmide, não somente na base. Se você pensa a pirâmide educacional, ocupacional ou de renda, você tem menos desigualdade racial na base e quanto mais você tenta galgar, mais dificuldade você tem. O efeito da discriminação aumenta à medida que você se qualifica. Então no mercado de trabalho para pessoas brancas e negras, existe mais diferença de renda no topo da pirâmide do que na base.

É uma forma de diversificar o mercado de trabalho...

Eu acho que a as ações afirmativas do mercado de trabalho são muito essenciais, porque é onde historicamente estão os espaços mais difíceis. E o serviço público sempre foi uma estratégia importante para a população negra. As primeiras famílias de classe média que temos no Brasil são do serviço público.

E qual foi o impacto nesses primeiros anos?

O impacto é lento. Os dados que temos de pessoas negras concursadas em 2013 era de 28% e em 2019, que é o dado mais recente, foi para 31%. Mas o que a gente vai fazer também, que é importante, é monitorar regularmente isso. Até porque temos um decreto presidencial que tem meta de 30% de cargos e funções comissionadas para pessoas negras. A gente tem tido esse acesso mais recorrente aos dados.

O que esperar da votação desta quarta-feira?

A leitura que eu tenho feito dessas semanas e semanas indo na CCJ, em reunião com liderança, é que não vejo um movimento de acabar com a política, o que eu vejo é uma tentativa de reduzir as melhorias que estamos propondo. Porque essas melhorias, eu acredito que vão aumentar muito a eficácia da política. O jogo político que a gente está enfrentando não é ter ou não ter a lei, é que lei vamos ter.

 

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postado em 24/04/2024 00:01 / atualizado em 24/04/2024 14:12
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