A tarifa de 50% anunciada na semana passada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre as importações de produtos brasileiros para o país norte-americano não terá o mesmo efeito sobre toda a cadeia produtiva nacional. Especialistas afirmam que itens com mais facilidade de substituição por outros concorrentes podem ser mais prejudicados com o tarifaço, enquanto produtos de maior valor agregado, como máquinas, aviões e peças de aeronaves podem sofrer menos.
Na avaliação de Rogério Marin, CEO da Tek Trade, empresa catarinense especializada em comércio internacional, o setor do agro pode ser um dos maiores afetados, principalmente no caso de itens como café e laranja, que dependem ainda mais das exportações para os EUA. "Quanto mais ele se aproxima de commodity, mais ele vai sentir. Os mais substituíveis sentirão mais", avalia o especialista.
Além dos produtos propriamente agrícolas, o desafio também é relevante para a indústria de pescado, que teve que suspender a importação de mais de 1,5 mil toneladas, após empresas norte-americanas suspenderem a compra, devido ao aumento da tarifa já a partir do próximo mês. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) apontam que cerca de 70% de todo pescado exportado no ano passado pelo país teve como destino os EUA.
"As cadeias de produção hoje são muito ajustadas. Na maior parte do mundo, a produção é muito semelhante ao consumo. Se algum fornecedor passa a fornecer para o mercado americano porque o produto brasileiro ficou caro, a tendência é de que em outro lugar do mundo abra um buraco para o produto brasileiro entrar, mas isso não acontece da noite para o dia", acrescenta Marin.
Por outro lado, apesar de ser um dos principais produtos exportados aos norte-americanos, o setor de produção de aeronaves, liderado pela Embraer, pode sofrer menos os efeitos iniciais da tarifa, justamente pela dificuldade de substituição rápida deste item no mercado, como explica, ainda, o CEO da Tek Trade. "A Embraer está importando para uma fábrica que é dela mesmo. Agora, se uma empresa dos EUA diz que não pode mais trazer essa peça, isso pode levar anos. Então mesmo com a tarifa, ela vai ter que comprar mesmo do Brasil", considera Rogério Marin.
No campo das commodities industriais, produtos como óleos brutos de petróleo, ferro, aço e celulose também estão no centro das preocupações, tanto pelo peso que têm na balança comercial quanto pela dificuldade de reposicionamento em outros mercados no curto prazo, como explica Thiago Eik, CEO da fintech Bankme e especialista em soluções de crédito.
"Já os produtos manufaturados de maior complexidade, como aeronaves e equipamentos para o setor de energia, enfrentam um cenário ainda mais delicado, já que diferentemente das commodities, têm baixa capacidade de redirecionamento para outros países. O risco aqui não é apenas de perda de receita, mas de desarticulação de cadeias industriais inteiras", destaca.
O especialista também considera que as tarifas podem acelerar um movimento de desinvestimentos, fuga de capitais e não apenas de pressão em setores específicos. "Isso afeta toda a economia, promovendo a desvalorização cambial, elevando o custo de importações e reduzindo a entrada de divisas no país. Em um cenário como esse, o impacto se espalha: o crédito encarece, o consumo retrai e a geração de empregos qualificados sofre um baque direto", conclui Eik.
Inflação
Com experiência na área de logística internacional para empresas como Coca-Cola, BRF, Americanas, Magalu e Havan, o co-fundador e diretor de operações da Next Shipping, Bruno Meurer, também espera impactos inflacionários se a medida for confirmada e acredita que os efeitos serão percebidos de duas maneiras em momentos diferentes.
No primeiro momento, logo após o início da incidência da nova tarifa, o especialista avalia que, para alguns tipos de produtos específicos, deve haver uma baixa no preço, em virtude da relação estabelecida na lei de oferta e da procura. Nesse contexto, o café — maior produto agrícola exportado para os EUA — vai sofrer com diminuição das exportações e grande parte das reservas ficará no país, o que, por consequência, deve reduzir o preço deste produto.
Ao mesmo tempo, se Lula implementar a Lei de Reciprocidade com tarifas de 50% sobre os produtos americanos que entram no Brasil, pode haver um encarecimento no preço do diesel, visto que este foi o 4º item mais importado pelo país, dos norte-americanos no ano passado. Diante disso, o valor do frete de outros produtos também aumentaria, o que poderia causar um impacto amplo em toda a cadeia produtiva. "Então, acredito que a gente pode ter duas visões diferentes. Para algumas coisas, uma redução temporária e inicial no custo, e para outras coisas, uma escalada, fazendo com que a inflação no Brasil também suba", analisa o especialista.
Em contrapartida, a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros pode causar efeitos inflacionários para os próprios consumidores norte-americanos. Para Claudio Santos, presidente do Next Group, holding composta por 10 empresas com atuação internacional, quando medidas protecionistas são implementadas em cadeias globais complexas, os consumidores americanos tendem a enfrentar preços mais altos ou menos opções.
"Isso é especialmente válido para produtos como aço, autopeças, insumos agrícolas e produtos industriais intermediários, amplamente utilizados pelas empresas nos EUA. O protecionismo resulta em aumento artificial de preços, encarecendo a produção e os produtos finais para os consumidores", destaca Santos. Além disso, o especialista também destaca que o Brasil oferece competitividade e qualidade em áreas que os EUA não conseguem suprir internamente com a mesma eficiência. "Assim, ao restringir o acesso a esses produtos, os EUA correm o risco de prejudicar sua própria indústria nacional, tornando-a menos competitiva e mais cara em relação aos concorrentes globais", conclui.
Cautela
Apesar da possibilidade da adoção da Lei da Reciprocidade, sancionada por Lula em abril, após ser aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional, analistas também pregam cautela em se adotar retaliações. Mesmo com uma relação deficitária, a parceria com os Estados Unidos deve ser vista como importante ao Brasil, na avaliação do professor de Relações Internacionais da Universidade UniCentro, Vladimir Feijó.
"Considerando os últimos cinco anos, os Estados Unidos esteve com uma média de US$ 75 bilhões de dólares de comércio com o Brasil, que o coloca em segundo lugar, mas isso é menos da metade da China, que está em primeiro lugar e bem próximo da União Europeia que está em terceiro lugar, mas chega a ser o dobro do comércio com o Mercosul", destaca.
Na visão de Rebeca Lucena, internacionalista e diretora de Relações Governamentais na BMJ Consultores Associados, a resposta ideal neste momento parece ser cautela estratégica, visando preservar a relação bilateral e proteger os setores que podem ser mais impactados pela medida. "Negociar com os americanos ainda pode evitar a entrada em vigor das tarifas ou, ao menos, mitigar seus efeitos — especialmente se houver disposição para concessões mútuas", observa.
No entanto, a especialista frisa que é essencial que o Brasil não descarte completamente o uso da Lei de Reciprocidade Econômica, o que fortaleceria sua posição nas negociações, sinalizando que há capacidade e respaldo jurídico para agir, se necessário. Nesse sentido, Erick Nuñez, sócio do Equity Fund, avalia que o momento exige mais firmeza e clareza do governo brasileiro na defesa de seus interesses econômicos. "Não se trata de confronto ideológico, mas de posicionar o Brasil como um país que respeita o livre mercado, a concorrência global e a previsibilidade nas relações comerciais", avalia.
Nuñes acredita que o Brasil deve abandonar o que ele considera como uma postura reativa e assumir uma agenda mais pragmática: menos retórica e mais estratégia comercial. "A solução não está em subsídios e protecionismo interno, mas, sim, em fortalecer o ambiente de negócios, garantir segurança jurídica e buscar acordos bilaterais que tragam estabilidade e abertura de mercado para quem produz e gera valor", completa.
