
Em audiência pública no Senado, na terça-feira (12/8) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu a necessidade de enfrentar de forma estrutural as renúncias fiscais e tornar o sistema tributário mais justo. O discurso ocorreu durante a apresentação da Medida Provisória nº 1303/2025, que propõe novas regras de tributação sobre aplicações financeiras, ativos virtuais e apostas esportivas, com expectativa de arrecadação de R$ 10,5 bilhões em 2025 e R$ 20,87 bilhões a partir de 2026. Apesar do tom de responsabilidade fiscal, a proposta gerou críticas de especialistas, que apontam desequilíbrio entre arrecadação e corte de gastos.
Haddad reconheceu que o aumento das renúncias fiscais ao longo dos anos — de 2% para 6% do PIB — compromete a estabilidade das contas públicas. “Não adianta limitar a despesa primária se nós não limitarmos também o gasto tributário”, afirmou. Para ele, é necessário resgatar o comando constitucional que prevê a redução gradual desses benefícios e integrar a estratégia ao novo arcabouço fiscal. “O objetivo é cobrar de quem não paga e deixar de cobrar de quem paga, mas hoje não consegue fechar o mês”, disse.
O ministro também defendeu que a proposta avance como política de Estado, com potencial para redistribuir renda sem comprometer a responsabilidade fiscal. Segundo ele, a reforma do Imposto de Renda em curso na Câmara pode beneficiar 25 milhões de brasileiros, com isenção para rendas de até R$ 7,3 mil mensais e redução de alíquotas para outras faixas.
Apesar dos objetivos declarados de Haddad, tributaristas ouvidos pelo Correio consideram que a MP 1303 repete uma fórmula recorrente na política econômica brasileira, que é elevar a carga tributária para cumprir metas, sem atuar de forma decisiva na contenção dos gastos. “O governo insiste em repetir a mesma fórmula. Historicamente, essa tem sido a única resposta para alcançar as metas fiscais, e agora a bola da vez são justamente as aplicações financeiras e os ativos virtuais. Na minha visão, essa não é a abordagem mais adequada”, afirma o advogado Janssen Murayama, especialista em direito tributário.
Murayama destaca que o atual cenário internacional, marcado por tensões com os Estados Unidos e desaceleração global, exige cautela. “Falar em aumento de carga tributária nesse contexto já seria ruim. É preciso encontrar outros caminhos, priorizando a redução de despesas para cumprir o arcabouço fiscal e alcançar o superávit primário sem penalizar ainda mais os brasileiros”, alerta.
Na avaliação de Leonardo Roesler, o plano do governo para elevar a arrecadação por meio de impostos como o IOF pode ter impacto direto na atividade empresarial. “Esse tributo extra, ainda que justificado como solução emergencial para o desequilíbrio fiscal, representa, na prática, um obstáculo grave à viabilidade de investimentos e ao acesso ao crédito empresarial”, observa.
Segundo ele, o aumento do IOF compromete o planejamento de empresas e afeta diretamente o fluxo de caixa. “É impacto real nos planos de negócios, na competitividade, no fluxo de caixa e na geração de empregos. Reduzir o imposto não é privilégio, é estratégia de justiça econômica e fundamento para desenvolvimento sustentável”, argumenta.
Apostas esportivas
Entre as medidas previstas na MP, a elevação da alíquota sobre apostas esportivas — de 12% para 18% — foi vista com mais simpatia pelos especialistas. Para Murayama, além do potencial arrecadatório, a taxação pode gerar efeitos sociais positivos. “Ao elevar a tributação, se reduz o rendimento dessas apostas e, com isso, pode desestimular esse comportamento, especialmente entre aqueles que não deveriam estar destinando uma parte significativa, ou até todo o dinheiro, a esse tipo de risco”, avalia.
O tributarista Kiko Omena, concorda que a tributação das “bets” pode mitigar distorções sociais e compensar a isenção do IR para rendas de até R$ 5 mil. “A proposta de tributar casas de apostas como alternativa à taxação dos lucros e dividendos insere-se na tentativa do governo federal de equilibrar suas contas. Tal medida pode mitigar efeitos sociais negativos das apostas, que desviam recursos do consumo e afetam setores produtivos”, explica.
No entanto, Omena alerta que a eficácia da medida depende de uma regulamentação rigorosa. “A tributação sobre as casas de apostas, embora tenha potencial arrecadatório expressivo, exige regulamentação rigorosa e combate efetivo à informalidade, especialmente diante do elevado número de operadores irregulares”, afirma.
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