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COP30: Navios-hospedagem desafiam promessa de deslocamento em 30 minutos

Para acolher os delegados dos vários países, governo usará dois transatlânticos na Ilha de Outeiro, mas especialistas dizem que logística real pode triplicar o tempo previsto

Para contornar a falta de leitos na rede hoteleira de Belém (PA), o governo federal decidiu transformar dois transatlânticos — o MSC Seaview e o Costa Diadema — em hotéis flutuantes durante a COP30, que acontece de 10 a 21 de novembro deste ano. As embarcações, com capacidade para até 6 mil leitos, ficarão atracadas na Ilha Caratateua, conhecida como Outeiro, localizada a aproximadamente 25 quilômetros do bairro do Marco, centro da capital paraense, onde ocorrerá o evento.

No entanto, a logística para que hóspedes cheguem ao local das conferências não é tão simples quanto o prazo de 30 minutos anunciado pela organização. Especialistas alertam que o trajeto, com múltiplas etapas e gargalos conhecidos, pode facilmente triplicar esse tempo.

Os navios contratados, por exemplo, têm a  na região de acesso ao Porto de Outeiro. Um dos pontos de preocupação é o calado, que é a distância vertical entre a parte inferior da quilha e a linha de flutuação de uma embarcação, ou seja, é a medida da parte submersa do navio. Mas, segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, há profundidade suficiente para a atracação dos transatlânticos (leia detalhes na nota abaixo). 

Após o desembarque dos passageiros, será necessário acomodá-los de forma ordenada para o embarque nos ônibus oficiais do evento. Esses veículos cruzarão a ponte sobre o Rio Maguary, acessando a cidade de Icoaraci, que, segundo moradores ouvidos pelo Correio, não dispõe de infraestrutura adequada para receber fluxo intenso de ônibus, pois possui ruas estreitas, trânsito carregado e falta de ordenamento urbano. Vale ressaltar que a região de Outeiro possui praias de água doce consideradas as mais bonitas da região, atraindo grande fluxo de visitantes, o que aumenta a pressão sobre o tráfego local.

Após atravessar a área urbana, os ônibus acessarão a Avenida Augusto Montenegro, principal eixo de ligação até Belém, que conta com um corredor exclusivo de BRT — atualmente em reforma pela prefeitura e com trechos ainda em obras. Atualmente, os ônibus da região que transitam na faixa do BRT precisam alternar entre a pista expressa e a via comum, o que compromete a fluidez. A Prefeitura de Belém não respondeu ao Correio sobre o andamento das obras e o prazo de conclusão. Somente após esse percurso é que os ônibus chegarão à Avenida Pedro Álvares Cabral, no bairro do Marco, onde ocorrerão as atividades da COP30.

A Secretaria de Comunicação da COP30 informou que será oferecido transporte gratuito a todos os delegados participantes da conferência para a Blue Zone, por meio de uma frota exclusiva de ônibus, com rotas conectando os principais polos de hospedagem em Belém e na Região Metropolitana ao local do evento. O órgão também informou que, até o dia 7 de agosto, 48% dos leitos disponíveis nos navios já haviam sido reservados.

Desembarque lento

O professor Paulo César Marques, especialista em transportes do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), vê com ceticismo a previsão oficial de deslocamento. Para ele, o ponto mais crítico está no tempo gasto nas múltiplas transferências — do navio para o ônibus e no embarque de passageiros — somado ao trânsito local e ao fluxo turístico de Outeiro. "Não é uma operação trivial. Some a isso o trânsito local e o fato de Outeiro ser uma região turística, e o tempo total pode ser bem maior que o estimado", afirma.

Marques acrescenta que cada etapa consome tempo considerável. "Mesmo que o trecho rodoviário fosse todo em via expressa, só ele já levaria mais de meia hora. Mas quando se acrescenta o tempo de transbordo e as manobras, a conta muda completamente", pontua.

Para o cabo aposentado da Marinha do Brasil, Marcus Santos, que atuou por décadas em operações navais e portuárias, o desembarque de passageiros de grandes cruzeiros é um processo complexo. "Não é só abrir a porta do navio e deixar as pessoas saírem. Cada etapa exige coordenação, segurança e controle, e qualquer atraso, por menor que seja, se acumula no tempo final", explica.

Apesar de não ter trabalhado em navios de cruzeiro, ele afirma que os procedimentos seguem um padrão. Segundo ele, o tamanho do navio é o primeiro elemento a considerar: embarcações maiores comportam milhares de passageiros, o que, inevitavelmente, prolonga o tempo para que todos desembarquem. "Quanto mais gente a bordo, mais etapas para organizar, mais filas e mais cuidados no embarque das lanchas", observa.

Ele explicou que em cruzeiros, o desembarque é feito por grupos de pessoas. Além disso, o ex-militar aponta para fatores externos e imprevistos que podem ocorrer e que tudo isso precisa ser levado em conta. Para ele, a previsão oficial de 30 minutos de deslocamento até a Blue Zone não considera adequadamente essas etapas intermediárias. "O relógio não começa a contar quando o ônibus parte, mas sim quando o primeiro passageiro começa a deixar o navio. Essa é a conta que precisa ser feita", conclui.

Nova ponte

Como alternativa para melhorar o deslocamento durante a COP30, o Governo do Pará aposta na construção de uma nova ponte estaiada entre os distritos de Icoaraci e Outeiro, em Belém. Segundo a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Seinfra), a obra já atingiu 84% de conclusão e contará com 414 metros de extensão e 10,5 metros de largura, com trecho central sustentado por cabos de aço e dois vãos de navegação de 117 metros cada. "A obra beneficiará diretamente mais de 100 mil pessoas, melhorando a mobilidade na Região Metropolitana de Belém e reduzindo em até 10 quilômetros o percurso entre o porto e o Parque da Cidade, onde estarão a Blue e a Green Zone da COP30", diz trecho oficial da nota.

Além da ponte, o governo estadual estabeleceu medidas para reduzir o tráfego nos dias da conferência, como férias escolares para alunos das redes pública estadual, municipal e privada em Belém, Ananindeua e Marituba, e regime de trabalho remoto para servidores estaduais que não atuam em serviços essenciais. "Desta forma, deve-se reduzir o tráfego de pessoas e veículos na cidade", afirma a nota.

Embora a nova ponte e as medidas emergenciais possam amenizar a circulação de veículos, especialistas alertam que isso não elimina os gargalos do percurso mais crítico para quem estiver hospedado nos navios-hotel. O tempo de desembarque dos transatlânticos, a chegada ao terminal e o embarque em ônibus continuam sendo etapas demoradas e inevitáveis, mesmo com a redução de quilometragem no trajeto terrestre.

Porto de Outeiro

O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) informou ao Correio que as obras de modernização do Terminal Portuário de Outeiro começaram em 17 de abril passado, já alcançaram 50% de avanço físico e têm conclusão prevista para 14 de outubro de 2025, poucas semanas antes da COP30. "Após a conferência, o terminal será incorporado a rotas regulares de turismo marítimo, estimulando de forma permanente os setores de hotelaria, gastronomia, transporte, comércio e a economia regional, com benefícios sociais e econômicos de médio e longo prazo", destaca trecho da nota oficial.

O projeto, financiado pela Itaipu Binacional via patrocínio federal, envolve um investimento de
R$ 233,9 milhões e é coordenado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e pelo MPor, com execução técnica da Companhia Docas do Pará (CDP).  O Correio entrou em contato com a assessoria de imprensa da Companhia Docas do Pará, solicitando mais detalhes sobre o empreendimento e as melhorias previstas, mas não obteve resposta. A única informação encaminhada foi que, entre as ações do projeto, "está a ampliação do píer do porto, que passará a ter cerca de 716 metros".

Atualizações

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), responsável pela comunicação da COP30, enviou nota oficial contestando pontos da reportagem e apresentando atualizações sobre o Porto de Outeiro e a logística do evento. O órgão garante que o trajeto será feito no prazo máximo de 30 minutos.

Segundo a Secom, “os navios ficarão atracados no píer, com acesso direto à terra, portanto não existe operação com lanchas. A obra de ampliação do píer é justamente para permitir a atracação dos navios de cruzeiro no local". Segundo a Secretaria de Comunicação, não há problemas com a profundidade de calados. "O terminal portuário de Outeiro tem profundidade natural suficiente para a atracação segura de navios”, informa a pasta.

A comunicação oficial esclarece a descrição do trajeto até o espaço onde ocorrerá a COP30. “O caminho utilizado hoje para o espaço da Conferência não será o caminho utilizado no momento da COP, após o término das obras. Da ponte nova, vai de ônibus até o local da COP. O trajeto inclui o caminho do BRT, que servirá como faixa exclusiva para ônibus e levará até 30 minutos. E justamente por ser um caminho exclusivo e diferente, o fluxo atual não vai influenciar esse trajeto”, explicou a Secom.

A Secretaria de Comunicação também atualizou informações sobre o andamento das obras. Diferentemente do que informou o Ministério de Portos e Aeroportos, de que a obras estão 50% finalizadas, a Secom garante que o avanço é superior. “As obras ultrapassaram 70% dos serviços concluídos”, informou a pasta. 

O governo também esclareceu que a origem do investimento é da Companhia da Docas do Pará e não do governo federal, como também foi repassado ao Correio pelo Ministério de Portos. “A obra é um projeto da Companhia Docas do Pará, em parceria com a Itaipu Binacional”, informou a resposta oficial.

A reportagem questionou a Secom da Presidência como foram feitos os cálculos para se percorrer 25 quilômetros em 30 minutos, que velocidade seria necessária para realizar o percurso e como está o andamento da obra do BRT, dados que a Prefeitura de Belém se recusou a passar, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.

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