Às vésperas de completar um ano à frente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo consolida uma gestão marcada pelo conservadorismo na condução da política monetária, frustrando as expectativas de uma inflexão mais rápida no ciclo de aperto dos juros básicos.
Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que o mercado acompanhou o início da gestão com cautela, diante das incertezas sobre a atuação de Galípolo e da composição do colegiado do BC, formado majoritariamente por diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de dois remanescentes da administração de Jair Bolsonaro (PL). A manutenção de uma postura prudente, segundo eles, reforça a percepção de que a autonomia da autoridade monetária tem se sobreposto às pressões políticas.
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Analistas destacam, ainda, que Galípolo adotou uma linha até mais ortodoxa do que muitos previam após assumir a presidência do Comitê de Política Monetária (Copom), especialmente por sua formação acadêmica e pelas referências intelectuais associadas a correntes heterodoxas e desenvolvimentistas, historicamente críticas aos juros elevados. Ainda assim, avaliam que o contexto econômico impôs limites claros à atuação do BC, sem margem para movimentos arriscados ou concessões ao governo.
Antes de assumir, Galípolo contou com o respaldo do então presidente da instituição, Roberto Campos Neto, alvo de críticas do presidente Lula e de integrantes do governo desde o início do ciclo de alta dos juros, em setembro de 2024. Na ocasião, a Selic passou de 10,50% para 10,75% ao ano. Na última reunião do Copom, Campos Neto voltou a elevar a taxa em 100 pontos-base, para 12,25%, e sinalizou novas altas da mesma magnitude no início de 2025, o que pode levar a Selic a 14,25% em março.
Até então, havia dúvidas sobre a autonomia de Galípolo em relação à política após os ajustes já contratados. Ainda assim, o BC manteve uma postura cautelosa: desacelerou o ritmo do aperto até junho, quando a Selic atingiu 15% ao ano, o maior nível desde 2006, e desde então sinaliza que novas altas seguem na mesa, se necessário. Especialistas avaliam que o cenário eleitoral e a perspectiva de cortes de juros já no primeiro trimestre tornam 2026 um teste adicional para a autoridade monetária.
"O Galípolo tem sido ultraortodoxo, o que deve estar sendo uma grande frustração para o governo, que o colocou à frente do BC", destaca o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), ao comentar as decisões do Copom e os comunicados considerados "hawkish" (duro com a inflação) do colegiado.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, considera que Galípolo só tinha que continuar fazendo o que estava sendo feito na condução da política monetária. "Ele não tinha muita alternativa e não dava para tentar fazer algo muito diferente, porque no passado, sabemos o preço que foi pago em termos de inflação e em termos de desgaste reputacional quando os juros são reduzidos à força. Esse aprendizado já houve, então, não tinha como haver mudança muito brusca na taxa de juros", afirma.
O economista da MB projeta um afrouxamento mais fraco em 2026, com a Selic fechando o ano em 13%, diante das dúvidas sobre a convergência da inflação e do risco fiscal elevado em ano eleitoral. "Ainda tem o risco fiscal, tem dólar voltando a subir no ano que vem, e 2027 está muito em aberto. Então, há um cenário aqui complicado que coloca uma certa dicotomia e dificuldade para o Banco Central", explica.
Sergio Vale faz um alerta sobre os riscos crescentes na política monetária em meio à campanha eleitoral, que não terá a ajuda que teve neste ano do câmbio e da forte queda dos preços dos alimentos devido à supersafra agrícola. "O Banco Central vai estar mais sozinho ainda no ano que vem."
Tranquilidade
No último encontro com jornalistas do ano, Galípolo mostrou-se mais à vontade e falou com maior desenvoltura do que no fim de 2024, quando ainda ocupava a diretoria de Política Monetária e era preparado para suceder Campos Neto. Questionado sobre a possibilidade de retornar ao Ministério da Fazenda para assumir a pasta em fevereiro, após o anúncio de saída de Fernando Haddad, Galípolo descartou a hipótese e afirmou estar muito satisfeito no comando do Banco Central.
O economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, afirma não ter se surpreendido com a atuação de Galípolo no BC, lembrando o episódio em que Dilma Rousseff pressionou o então presidente da autoridade monetária Alexandre Tombini a reduzir a Selic contra as recomendações do mercado, com efeitos negativos para a economia.
"Galípolo sabe que quem ocupa a cadeira e conduz um bom trabalho aumenta o patrimônio profissional e pessoal e se candidata a voos mais altos, como ocupar a reitoria de uma universidade ou um cargo de destaque em uma instituição financeira privada", declara o ex-ministro.
Nóbrega também ressalta que, com a autonomia do BC, Lula só pode afastar Galípolo em caso de falta grave, o que reforça a segurança das decisões do Copom. Mesmo mantendo a Selic em 15% ao ano por quatro reuniões seguidas e sinalizando a possibilidade de nova alta, o Planalto evitou críticas, apesar de o Brasil seguir com uma das maiores taxas de juros reais do mundo.
"Acredito que Lula se convenceu que os juros precisam ficar no atual patamar, e, agora, não pode mais criticar os diretores indicados por ele", afirma Nóbrega, acrescentando que considera o Galípolo "bom de frases", e cita uma delas: "Todo mundo pode falar mal do BC, mas o BC não pode brigar com os fatos." Logo, na avaliação do ex-ministro, Galípolo está desempenhando bem o papel e, por isso, vem sendo elogiado pelos agentes financeiros.
Para 2026, Nóbrega avalia que há condições para a Selic começar a cair a partir de março, em cortes de 0,50 ponto percentual, encerrando o ano em 12,50%. Segundo ele, as pressões por reduções maiores devem ganhar força a partir de julho, mas o BC tende a seguir um ritmo gradual, alinhado ao interesse do governo, ainda que alvo de críticas quanto à intensidade do corte.
A economista e consultora Zeina Latif diz que também não se surpreendeu com o conservadorismo de Galípolo, porque ele assumiu o cargo com deficit de credibilidade e precisava evitar um histórico parecido com o de Tombini, que acaba sempre lembrado como o presidente do BC que cedeu às pressões do governo.
"Galípolo assumiu o cargo devendo do ponto de vista de expectativas", destaca. "A ideia no mercado de que ele iria sucumbir à pressão do presidente Lula, ele sentiu que os investidores o estavam testando. A questão reputacional pesa e o presidente do BC não pode perder a confiança do mercado", explica Latif.
Para o economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor da Georgetown University, Galípolo teve espaço para manter a política monetária contracionista, sem risco de recessão, o que se confirmou com o crescimento da economia acima das estimativas do mercado neste ano. "Ele sacou que, se a economia estivesse indo bem, o PT e o governo não teriam como criticá-lo. Além disso, Galípolo é um cara jovem e não vai querer se destruir profissionalmente e não vai cometer suicídio profissional, ainda mais com a autonomia para poder se proteger de qualquer tipo de ataque", ressalta.
Regulação
Embora a condução da política monetária pareça tranquila, o presidente do Banco Central enfrenta desafios relevantes na área regulatória, como fraudes bilionárias envolvendo fintechs e o Banco Master, liquidado em novembro, além de questionamentos sobre o processo feitos pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Galípolo também teve de administrar a adoção do sistema de meta contínua de inflação e enviou, em junho, sua primeira carta ao Conselho Monetário Nacional (CMN), após seis meses com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acima do teto de 4,50%.
Em vigor desde 1999, o regime de metas foi descumprido em oito anos: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021, 2022 e 2024. Agora, com a inflação novamente abaixo do teto, em 4,46% nos 12 meses até novembro, a expectativa é de que não haja nova carta neste semestre.
Ao justificar as decisões do Copom, Galípolo afirma que se orienta por dados técnicos e evita antecipar movimentos. Questionado sobre cortes a partir de janeiro de 2026, disse que "não há porta fechada" para alta ou queda dos juros e avalia que a inflação ainda não cede no ritmo esperado.
A postura conservadora de Galípolo tem sido elogiada por analistas. Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, o desempenho à frente do BC surpreendeu positivamente, sobretudo em um cenário de forte estímulo fiscal que dificulta a condução da política monetária. "Acredito que ele repetiu a boa conduta do ex-presidente do BC Ilan Goldfajn, e torço para que ele tenha o mesmo êxito de levar a taxa Selic para patamares menores do que o mercado espera", afirma. Para ele, o grande desafio para o BC em 2026 seguirá sendo a política fiscal desequilibrada em um ano com PIB fraco, que pode ajudar a reduzir as pressões inflacionárias.
Para Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, a atuação de Galípolo não surpreendeu. Segundo ele, a política monetária foi conduzida de forma técnica e a transição ocorreu sem ruídos, com sinalização clara de altas no início do ano. Margato projeta a Selic em 12% ao fim de 2026. Segundo ele, ao longo dos meses, o Copom seguiu "com uma política monetária consistente e transparente, reagindo ao cenário macroeconômico".
Na avaliação do economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes, Galípolo tem sido mais ortodoxo do que seu antecessor, Roberto Campos Neto, mas ainda é novo para um cargo que exige "cabelos brancos", ao ver dele. "Ele não tem encontrado dificuldade para tomar decisões sobre os juros porque, é muito fácil, hoje, porque o BC tem muitos modelos. Basta segui-los", afirma. "Me parece mais ortodoxo do que Campos Neto, que tinha uma maestria para olhar os modelos, e acho que falta um pouco de sensibilidade na política monetária e na supervisão bancária", acrescenta.
Caso Master
Para Gomes, o BC poderia ter identificado o problema do Banco Master mais cedo, logo quando a compra pelo Banco de Brasília, em março, foi anunciada. "O BC não pode admitir que um banco regional compre um banco privado, porque, certamente, tem algo errado", disse. Para ele, o órgão demorou muito para tomar uma decisão da liquidação do Master, e, com isso, o valor do saque do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), acabou sendo o maior da história, de, inicialmente, R$ 41 bilhões, mas que pode chegar a R$ 49 bilhões, segundo fontes do FGC.
Em relação ao Master, antes da decisão do TCU, Galípolo garantiu que o embasamento para a liquidação foi técnico. "Tudo está devidamente documentado e estamos à disposição do Supremo para dar todo tipo de suporte no processo de investigação", declarou aos jornalistas no dia 18.
Segundo ele, na primeira reunião de 2026, em janeiro, quando haverá apenas sete diretores do Copom — Lula ainda não indicou os novos diretores para os mandatos que terminam dia 31 — Renato Gomes (Organização do Sistema Financeiro) e Diogo Guillen (Política Econômica) — a decisão seguirá o mesmo script das reuniões anteriores.
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