
Rio de Janeiro — Comandar uma entidade do tamanho do Comitê Olímpico do Brasil (COB) exige poderes de articulação muito além do campo esportivo. Novo presidente da organização responsável por tocar os interesses do país no alto rendimento, Marco Antônio La Porta sabe bem disso. Ex-atleta, treinador, árbitro e dirigente de federação, ele abre a gestão ciente da necessidade e da responsabilidade de também ter um bom trânsito na esfera política. Até por isso, nos próximos quatro anos, Brasília terá um papel fundamental nos rumos das atividades de rotina.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Talvez poucos mandatários do COB chegaram ao cargo com tanto conhecimento de Brasília quanto La Porta. O dirigente morou na capital federal por mais de uma década e conserva uma paixão pela cidade. Além da qualidade de vida, conhece a força de articulação encontrada somente aqui. De volta ao Rio de Janeiro para cumprir expediente no comitê, busca proximidade para tratar de temas sensíveis, responsáveis por unir a entidade e a capital da política no país. No primeiro ano de mandato, duas questões terão prioridade: a manutenção da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) e um projeto para possibilitar o fim do imposto sobre importação de equipamentos esportivos.
Saiba Mais
Considerada a política pública mais importante em vigor no esporte do país, a LIE garante a aplicação de recursos provenientes de renúncia fiscal em projetos da área. Criada em 2007, a regulamentação vigora até 2027. No Congresso, a pauta é sensível. Parte do arcabouço fiscal em articulação, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 210/2024 prevê o fim da concessão de benefícios fiscais quando o governo federal apresentar déficit primário nas contas. Na visão de entidades esportivas e de atletas, isso pode gerar o fim do incentivo. Para tratar do tema, o COB pretende se aproximar da capital e estuda, até mesmo, as condições para inaugurar um escritório na cidade.
Como foram os primeiros dias à frente do COB?
Foram dias muito intensos. Mergulhamos a fundo nas questões internas do COB. Como a equipe é toda nova, os diretores estão assumindo agora, reuniram as equipes, e foram estudando profundamente o COB e entendendo. Estamos meio que trocando o pneu com o carro andando. Os projetos começam a chegar. As confederações têm as suas ações, seus campeonatos. Precisamos ir trabalhando. Então, foram dias bastante intensos. Estamos fazendo essa reestruturação do nosso organograma, dos processos e das estruturas internas.
E ainda teve o andamento da candidatura Rio-Niterói pelo Pan-Americano de 2031...
Foram dias bastante intensos e, aí, junta essa questão da candidatura do Rio-Niterói para 2031. Precisamos, realmente, preparar toda a documentação, ouvir e entender o momento, debater isso com a assembleia. Foram dias bem puxados, mas estamos prontos. Está caminhando bem.
Qual será o papel de Brasília na gestão e os primeiros desafios ligados às conversas na cidade?
Uma das nossas promessas de campanha é restabelecer o escritório em Brasília. Temos questões muito importantes do esporte discutidas no Congresso e impactam diretamente nas nossas atividades do dia a dia. Estou falando da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE). Precisamos, realmente, debater. A questão da isenção de impostos para a importação de material esportivo é outra questão muito cara a nós. Outra pauta que vamos começar a debater é a regulamentação do trabalho do técnico. A Lei Geral do Esporte contempla. Precisamos entender como vai funcionar isso. Conversar junto às autoridades de Brasília e ao próprio Conselho Federal de Educação Física. Tentar entender como vai ser essa atuação.
Tudo isso reforça a necessidade de estar presente em Brasília. Há prazo para a abertura do escritório?
Precisamos estar presentes em Brasília. Ter uma relação com a Comissão de Esporte da Câmara. Ficamos felizes com a presença (na festa de lançamento da nova gestão do COB) dos deputados Luiz Lima (PL-RJ), Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ), Júlio César Ribeiro (Republicanos-DF), Lindbergh Farias (PT-RJ). Que possamos, realmente, debater. Nós estamos abrindo o processo de contratação de um profissional para estar na cidade, trabalhando isso em uma assessoria parlamentar. Vamos contratar uma pessoa específica, preparada para estar no dia a dia, levantando as demandas. Quando houver necessidade, o Emanuel, a Yane, ou eu vamos ir para discutir isso. Não colocamos um prazo. Também gostaria de um escritório em São Paulo, mas não vou assumir o compromisso para não dar um passo maior do que a perna. Primeiro, precisamos ter um conhecimento pleno da situação financeira do COB.
O que o COB tem de concreto na negociação pela manutenção da Lei de Incentivo ao Esporte?
O ministro André Fufuca esteve aqui (no Rio). Adiantei o assunto com ele. Preciso de uma agenda para conversarmos sobre isso. Tudo é uma construção política. É sentar lá com deputados. Estamos encampando, com o senador Carlos Portinho, um projeto para tocar isso. Ou fazer um projeto de lei com a senadora Leila, o senador Romário. Vamos conversar com eles e ver qual é o encaminhamento. A maioria das confederações, atletas, em seus projetos sociais, usam muito a Lei de Incentivo ao Esporte. Então, é uma coisa que não podemos perder. Nos é muito importante. Dentro do próprio COB. Não usamos a LIE, mas trouxemos o Marcelo Vido. Ele usou largamente isso no Flamengo e queremos, realmente, trazer para dentro do COB também.
É possível calcular o tamanho do retrocesso se houver alguma alteração no modelo atual?
Seria um retrocesso semelhante se retirasse a lei Agnelo/Piva das loterias do esporte (o COB e o CPB repartem 2% da arrecadação bruta das loterias federais, na proporção de divisão 85%/15%). Seria muito semelhante, em termos de valores.
O COB considera que é preciso alguma melhoria na LIE?
Tudo precisa ser debatido. É entendermos, com quem usa a lei, qual é o aperfeiçoamento que pode ter. Assim, tentaremos construir juntos, no Congresso Nacional. O mais importante, agora, é se transformar em uma lei definitiva. Está previsto para terminar em 2027. A partir daí, estaremos tentando outros ganhos.
Qual seria o benefício prático do fim do imposto sobre importação de materiais esportivos?
Para se ter uma ideia: quando vamos comprar um material, principalmente via lei das loterias, um recurso repassado, tudo o que compramos fora, inclusive passagens e hospedagem, pagamos um imposto de 33%. Então, na verdade, esse recurso, a um grosso modo, vem com 33% a menos. É um impacto muito grande. Infelizmente, várias modalidades não tem no Brasil material similar. Estou falando de esgrima, de um taco de hóquei, de um barco, de uma canoa, de uma arma. Materiais importantes para a gente. Custam muito mais barato lá fora, se você não pagar o imposto. É importante. Isso reflete diretamente na melhoria do esporte. A vitória no esporte, hoje, vem por detalhes. Se você tem um material de melhor qualidade, a sua chance de melhorar sua performance aumenta. Se nós não temos um material de similar qualidade no Brasil, precisamos buscar fora. Acaba sendo mais caro. Não faz sentido nenhum para confederações, principalmente aquelas com menor poder aquisitivo, gastarem um recurso desse.
A redução também serviria para a produção nacional evoluir?
Também. É por aí. Em momentos anteriores, isso aconteceu. Geralmente, é em meio aos grandes jogos. Realmente, temos uma oportunidade. Temos Jogos Pan-Americanos que, se Deus quiser, vai dar certo e o Brasil, com Rio-Niterói, vai ser contemplado em 2031. É mais uma oportunidade de reativarmos essa lei. E torná-la definitiva, em um determinado momento. Vamos poder preparar a equipe para os Jogos Pan-Americanos de 2031 e ter esses materiais de melhor qualidade.
O presidente Lula apoiou a candidatura Rio-Niterói por meio de uma carta. Qual é a importância de as esferas nacional, estadual e municipal estarem unidas em torno de um novo Pan no Brasil?
Quando aconteceu isso, tanto em 2007, para os Jogos Pan-Americanos, quanto em 2016, nos Jogos Olímpicos (ambos no Rio), o impacto no esporte foi gigante. Eu sempre chamo esse momento de cometa do esporte. Passou ali de 2007 a 2016, no qual as empresas vieram, aportaram mais recursos e deu uma possibilidade de investir no esporte. O resultado refletiu em Tóquio-2020, o melhor desempenho da história. Quando passaram os Jogos Olímpicos, esse investimento diminuiu, porque não tinha um grande evento, um chamariz. A curva parou de crescer em Paris-2024. Quando vem, agora, outro evento com esse alinhamento das três esferas, temos a esperança desse investimento voltar a aumentar e gerar mais possibilidades. Não tem segredo: quanto mais recurso você tem, melhores resultados você vai ter no esporte.
O senhor morou muito tempo em Brasília. Acha possível a cidade, um dia, receber um evento do nível de um Pan-Americano?
Eu não tenho a menor dúvida disso. Brasília tem um trânsito fácil, comparado com as grandes cidades, uma rede hoteleira suficiente, equipamentos esportivos de qualidade, tem um lago no qual se consegue fazer várias competições. Brasília reúne todas as condições para sediar um grande evento. Inclusive, quando eu ainda era vice-presidente do COB, eu conversei com então secretário Júlio César Ribeiro e o convenci a se candidatar para trazer os Jogos da Juventude para Brasília. E vai ser na cidade (em setembro). É um início de a capital entrar nesse cenário de grandes jogos, começando por um evento nacional. Depois, pouco a pouco, evoluir para jogos internacionais. Brasília tem total condição de sediar.
Uma das bandeiras da nova gestão é um COB aberto ao movimento olímpico brasileiro. O que seria essa iniciativa?
Acreditamos muito que uma união de confederações e atletas torna o movimento olímpico mais forte e, tornando o movimento olímpico mais forte, o COB tem o papel de fazer essa integração com as demais instituições esportivas. Se sentarmos com as outras confederações, estou falando de CPB, CBDU, CBE, CBCP, CBC, conseguiremos construir juntos, sem uma sobreposição de projetos. Em vez de todo mundo ficar fazendo a mesma coisa, dividiremos as tarefas. O esporte brasileiro pode crescer muito e é um mantra repetido por nós constantemente: juntos por uma nação esportiva. São todas as entidades juntas, para poder aumentar o número de praticantes de modalidades no Brasil e aumentar a nossa base de atletas.
E o que seria a ideia de nação esportiva defendida pela gestão?
Trabalhamos bastante, antes de eleitos, na montagem do projeto, estudando os comitês olímpicos dos 10 primeiros países do ranking de medalhas. Eles são considerados potências olímpicas. Tentamos entender o que cada um fazia. Tem diferenças. Particularmente, China e Rússia têm um processo um pouco diferente, mas, fundamentalmente, a grande característica desses países é a população constantemente praticando esportes. Chamamos isso de nação esportiva. A massa de praticantes em todas as modalidades é grande.
Enxergam esse potencial no Brasil?
Por que não o Brasil, esse país de dimensões continentais, com tanta gente, não começar a incentivar isso? Se fizermos um movimento mínimo, no qual mais 10% das pessoas começa a praticar diferentes modalidades, vamos ter o aumento de uma base. Nunca vamos ser uma potência olímpica, enquanto não formos uma nação esportiva. Não é sustentável ao longo do tempo. Não adianta você jorrar dinheiro no alto rendimento, investir bastante, mas não investir nessa base. O dinheiro acaba e a curva de crescimento vai diminuir. Precisamos investir nesse fomento. Precisa começar uma hora. Não vou colher isso na minha gestão, mas, daqui a 20 anos, o presidente do COB colherá esses frutos.
O que esperar da nova gestão do COB?
Muito trabalho, muita modernidade e muita assertividade na aplicação dos recursos. Recursos aplicados nos esportes de maneira inteligente, não, entre aspas, jogando dinheiro fora. Aplicando de maneira inteligente, vai traduzir os resultados esportivos. O principal lucro da nossa empresa, no final das contas, é a medalha. Não adianta ter uma gestão moderna, eficiente, com compliance se a melhora não vem no final. É o principal objetivo do COB e vamos trabalhar muito por isso.
O repórter viajou a convite do Comitê Olímpico do Brasil (COB)