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Ideb

Os resultados do Saeb e do Ideb em xeque

A convite do Eu, Estudante, seis especialistas comentam o desempenho da educação brasileira no Ideb — O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

O Ministério da Educação divulgou, na última terça-feira (15), os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A avaliação aponta um avanço histórico para o ensino médio. Mas apenas os anos iniciais do ensino fundamental apresentaram leve crescimento no indicador. Especialistas consultados pelo Eu,estudante analisam os resultados.


Destaque para o nordeste

Patrícia Stravis - Patrícia Guedes é especialista em educação no Itaú Social

A gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social Patrícia Guedes destaca que, apesar das melhoras do Ideb nos anos finais do ensino fundamental, o desempenho não foi suficiente para que o país alcançasse a meta esperada. A especialista em educação ressalta que, para essa modalidade, foi muito pequena a proporção de redes de ensino que alcançaram o que foi estabelecido. “Nós ainda temos um gargalo significativo nos anos finais do fundamental, acoplado com uma taxa muito alta de defasagem das séries em alguns estados”, pondera. “Alguns estados do Brasil alcançam a marca de 40% de estudantes dos nos anos finais com dois ou mais anos de repetência.”


Como exemplo positivo, ela cita o Ceará, que conquistou o melhor desempenho nos anos iniciais e finais do ensino médio. O estado supera metas há 12 anos. A especialista destaca que a região Nordeste tem registrado avanços no Ideb. “Começamos a ver tendências importantes de melhoria, muito significativas, como nos estados de Pernambuco e Alagoas”, disse.


Na edição deste ano, apesar de poucos estados terem batido a meta, ela ressalta que o ensino médio trouxe um avanço histórico. A especialista, porém, é cautelosa em comemorar esse desempenho. Ela lembra que, até 2015, os dados para essa fatia de estudantes eram obtidos a partir de uma amostra de algumas instituições de ensino e, somente a partir de 2017, passou a ser aplicado em todas as escolas públicas.


“O ensino médio ainda tem muito o que melhorar, mas vale lembrar que aqueles que chegam no ensino médio são sobreviventes”, adverte Patrícia.


“As redes de ensino que tem conseguido resultados de melhoria significativa e consistente, ao longo do tempo, são casos e são experiências onde houve um esforço grande e articulado da gestão administrativa e pedagógica, um apoio não só na formação dos professores, mas a um trabalho de acompanhamento e de suporte pedagógico nas escolas, um regime de colaboração entre estados e municípios, e uma articulação regional em alguns casos”, aponta. “Não são esforços de um ano apenas”.


A gerente alerta que a pandemia pode, sim, impactar nos próximos indicadores. Ela ressalta que durante a pandemia, muitos estudantes estão perdendo a motivação para estudar, além de outros estarem sem atividades pedagógicas remotas. “Na medida em que o tempo passa, o desgaste é maior para os alunos”, lamenta. Ela acredita que o grande impacto da evasão escolar pode não ser contabilizado já no próximo levantamento.

Melhora nos indicadores

Arquivo pessoal - Mirela de Carvalho aponta a melhora do ensino médio, que estava estagnado, como um dos destaques do resultado do Ideb


Mirela de Carvalho, gerente de Gestão do Conhecimento do Instituto Unibanco, destaca como negativo o não cumprimento da meta prevista para 2019 para os anos finais dos anos finais do ensino fundamental e médio. Porém, os anos iniciais do ensino fundamental apresentaram leve crescimento no indicador. O Ideb 2019 foi de 5,9 pontos, o que representa um aumento de 0,1 ponto em relação à edição anterior, e segue a tendência de evolução das outras edições, superando a meta prevista de 5,7 pontos.

 

Nove unidades da Federação alcançaram Ideb maior ou igual a 6 nos anos iniciais do ensino fundamental. São Paulo teve o melhor desempenho, com 6,7 pontos, seguido por Distrito Federal, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, com 6,5 pontos; Ceará, com 6,4 pontos; Goiás, com 6,2 pontos; Espírito Santo, com 6,1 pontos; e Rio Grande do Sul, com 6 pontos. Já o Pará teve o resultado mais baixo, com 4,9 pontos, mas superou sua meta de 4,7 pontos.

 

Nessa etapa de ensino, que conta com 15 milhões de alunos e 109 mil escolas, a rede municipal tem uma participação de 67,6% no total de matrículas dos anos iniciais e concentra 83,7% dos alunos da rede pública. E que apenas, 19,2% dos alunos dessa etapa frequentam escolas privadas. . “Quando a gente comemora o atingimento de metas, é por causa da rede pública”, comemora.


Ela reconhece o fato de que todos os estados apresentaram avanços, com destaque especial para melhorias que se repetem há anos em Pernambuco e Piauí. Mirela ressalta que é importante um olhar atencioso para os número divulgados, pois o Ideb é formado pelo Saeb e a taxa de aprovação, o que é importante para traçar um panorama da educação. “O interessante é que a gente, em 2019, melhorou muito nos dois (indicadores)”, ressalta.


A especialista reforça que, apesar do avanço histórico no ensino médio, os números poderiam ser muito melhores. Ela lembra que durante muito tempo essa parcela dos alunos permaneceu estagnada. “Todo mundo tinha uma expectativa de que a melhora nas séries anteriores chegaria no (ensino) médio em algum momento e a gente veria o (ensino) médio avançar”, ressalta. “Talvez esse efeito esteja chegando agora. A gente precisa estudar melhor.”


A gerente entende que o desafio daqui para frente é manter-se fora da estagnação mesmo com possíveis trocas de governos. “Na educação, aquilo que está dando certo, a gente precisa seguir independentemente da política”, pontua. Ela é esperançosa com relação a essa mudança e lembra que em algumas redes foi possível “um trabalho que permanece”. Como exemplo, ela destaca as redes de ensino Pernambuco, Piauí, Espírito Santo e Ceará.


Com relação ao Distrito Federal, Mirela diz que no ensino médio as metas não foram cumpridas assim como nos outro estados. “É uma realidade brasileira, a gente tem poucos estados no ensino médio cumprindo meta, de fato”, afirma. “O DF tem melhorado. Não cumprir meta é uma coisa, mas ele vem melhorando bastante”. “O DF não atingiu meta, mas vem se destacando numa trajetória ascendente”, pondera a gerente.


A doutora em sociologia pensa ser inevitável um impacto da pandemia sobre os próximos resultados do Saeb e Ideb. Ela ressalta que um retorno das aulas seguro seja necessário para reter a queda de desempenho e o aumento do índice de desigualdade. “Vamos ver como a gente vai conseguir, no retorno, fazer esse trabalho de recuperação dessas crianças e jovens, Se elas já tinham lacunas de aprendizagem trazidas das séries anteriores, agora, com a pandemia e o afastamento das aulas, isso tende a piorar muito”, ressalta.


"Os secretários não param aí no Distrito Federal", afirma Mozart Neves

Letícia Moreira/Época - Mozart Neves reforça a necessidade dos estados e municípios estabelecerem planos educacionais a medio e longo prazo


O titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP, Mozart Neves Ramos, pontua que nos dados de 2019 somente dois estados conseguiram atingir a meta prevista para o ensino médio no Ideb. São eles: Goiás e Pernambuco. E recorda que o mesmo ocorreu em 2017. “Apesar de todos os estados melhorem no ensino médio esses avanços não foram suficientes para ampliar o número de estados que cumprissem a meta de 2019”,afirma.


Mozart ressalta o caso do Paraná. Ele destaca que esse estado foi o que mais avançou no ensino médio, com um incremento de 0,7 ponto, passando SP e chegando a ficar em quarto lugar. Atualmente, o estado só perde em colocação para Goiás, Espírito Santo e Pernambuco. No caso do ensino fundamental Mozart lembra que houve pouco crescimento: “O Ideb praticamente estacionou nos anos iniciais”. No entanto, ele observa casos de outros estados que também se destacam como o Ceará e São Paulo.


Mozart considera que a pandemia terá um grande impacto nos números do próximo Ideb se nada seja feito para amenizar o déficit na aprendizagem adquirido neste período. “A preocupação é que a pandemia certamente vai impactar na aprendizagem na evasão escolar e, consequentemente, impactar na queda do Ideb”, alerta.


Para Mozart, o fator que mais impacta na aprendizagem do aluno é o professor. “Quanto melhor o professor, quanto mais bem formado, maior o aprendizado escolar (melhor será o aprendizado)”, reflete. Além disso, ele considera importante ter uma política de médio e longo prazo para a educação. Mozart dá como um mal exemplo a constante mudança de secretários de Educação no Distrito Federal, a falta de estabilidade e de uma política pública de educação. “Os secretários não param aí no Distrito Federal, é impressionante como muda de secretário”, aponta.


Mas ele faz questão de citar um bom exemplo. Nesse caso, ele ressalta Pernambuco, que aplica há 15 anos a política do ensino médio em tempo integral. “Mudou governador, mudou secretário, mas a política do ensino médio integral não somente permanece, como se amplia”, exemplifica. “É uma política que só faz crescer no estado.”


Mozart considera que a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também é importante para alavancar a educação no Brasil. Ademais, ele ressalta a importância do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) como meio de ampliação de recursos por parte do Governo Federal. “O Fundeb pode ser um grande instrumento para redução da desigualdade, mas também para própria melhoria como um todo da educação brasileira”, lembra.

 

Talvez não chegue à meta

Arquivo pessoal - Rosalina Soares aponta que a pandemia pode aumentar os índices de evasão escolar e interferir na aprendizagem dos alunos

A assessora de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho, Rosalina Maria Soares, lembra que existia uma expectativa de que, em 2021, o Brasil atingisse o Ideb semelhante à média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No entanto, como em 2019 somente os anos iniciais atingiram a meta, possivelmente, esse seja o único segmento a atingir a marca da OCDE — o que a especialista vê como algo negativo para os outros grupos de estudantes. “Nós temos que lembrar que o direito à educação e o direito ao aprendizado é também dos estudantes que estão nos anos finais e no ensino médio, não somente nos anos iniciais”, afirma.


“A nota técnica mostra que, para, de fato, o Brasil chegar em uma média de 9,9, levaria mais ou menos até o ano de 2091. Isso se a gente atingir as metas parciais previstas para 2021”, afirma. “Como o Brasil não alcançou as metas, isso significa atrasar ainda mais o projeto de país onde, de fato, o direito à educação é garantido”. A assessora pontua que é preciso reconhecer que existem avanços, mas muito mais desafios pela frente.


Rosalina considera que, além de olhar para os municípios que alcançaram a meta, é preciso ter atenção ao repertório de cada um. Ela cita um caso específico de sucesso, o Ceará, em que 98% dos municípios alcançaram a meta. “ É um caso muito feliz, em que a política pública é perene”, pontua “Quando sai o Ideb, a gente tem que olhar o histórico como um todo, não só um ano específico”.


A especialista lembra que os indicadores divulgados na última terça-feira foram feitos antes da pandemia, portanto, não englobam todos os fatores concernentes a esse período. E reforça que deve haver preocupação pelo fato de muitos alunos não terem tido aulas presenciais nem remotas. Assim, espera que a pandemia deverá aumentar a evasão escolar e promover uma queda do desempenho e queda do Ideb em 2021, se não for feito nada para recuperar os déficits.


“O Ideb é um indicador que combina fluxo e, portanto, aprovação, com as notas das avaliações em larga escala. Se a gente, de fato, perder alunos, se alunos abandonarem a escola, a gente vai ter uma taxa de rendimento muito pior e isso vai impactar muito no Ideb. Então, é um cuidado especial que o país deve ter”, alerta.

Aprender com os bons exemplos

Arquivo pessoal - Camila Pereira considera essencial aprender com os bons exemplos

Camila Pereira, diretora de Educação da Fundação Lemann, faz uma comparação do atual quadro com uma dieta: “É mais fácil perder os cinco primeiros quilos do que o último quilo que falta”. Ela explica que é mais difícil avançar depois de se atingir um certo patamar, no caso, os bons indicadores dos anos iniciais. A diretora considera que o país precisa avançar mais e mais rápido nessa etapa, que é a base para o resto do processo de escolarização. Para que isso seja feito, considera importante olhar para os bons exemplos. “Uma das principais funções do Ideb é jogar luz em boas práticas. Precisamos aprender com elas”, enfatiza.


Ela ressalta que o retrato que o Ideb mostra é uma educação que precisa avançar muito, mas encara a educação brasileira com otimismo. A especialista lembra do importante papel do ensino público. “As escolas públicas de todo o país têm avançado de forma consistente nos últimos 15 anos na melhoria da proficiência dos alunos, na melhoria das taxas de aprovação e na redução das taxas de distorção idade-série”, afirma “O abismo entre as redes públicas e privadas também vem se fechando”.


“São conquistas importantes dos nossos educadores, gestores públicos e de toda a sociedade. Mas o ritmo desses avanços realmente preocupa. Precisamos de maior senso de urgência porque o Ideb mostra que as crianças que estão na escola hoje ainda não estão aprendendo nos níveis considerados adequados para que estejam plenamente preparadas para a vida adulta, em sociedade. A escola pública, que forma hoje mais de 80% dos brasileiros, precisa potencializar nossos talentos e não pode mais desperdiçá-los”, alerta.


Uma vez que a desigualdade entre estados, entre alunos de diferentes raças e níveis socioeconômicos e entre regiões urbanas e rurais ainda é um grande drama da educação brasileira, Camila pondera ser necessário, urgentemente, criar políticas educacionais que canalizem mais esforços e recursos para quem mais precisa. “A educação precisa ajudar a corrigir distorções históricas, não pode perpetuá-las. É possível garantir educação de qualidade, mesmo em contextos muito difíceis.”


“É importante salientar, ainda, a importância do Ideb. As metas do Ideb têm sido muito importantes para que a sociedade possa acompanhar a evolução de escolas, estados e municípios. É muito importante que governadores, prefeitos, secretários de educação de todo o país se apropriem dessas metas e tenham o compromisso público de persegui-las e alcançá-las. A educação de qualidade tem que ser uma prioridade de todos, da sociedade e dos governantes”, pontua a diretora. “As eleições municipais estão chegando e é uma chance que temos de colocar educação no centro do debate.”

 

Reformas mais bem pensadas

Arquivo pessoal - Professor João Batista Oliveira é doutor em comunicação e fundador do Instituto Alfa e Beto


“O normal é não esperar grandes mudanças. Então, é muito mais importante olhar tendências do que o resultado de hoje”, ressalta o professor doutor João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto. No entanto, ele vê com surpresa os resultados apresentados pelo ensino médio no Saeb. “A surpresa foi esse aumento inesperado no ensino médio, que teve salto de nove pontos em matemática e 11 pontos em língua portuguesa”, pondera. Mas alerta que é necessário esperar a próxima rodada para ver se isso vai se configurar como uma tendência.


O psicólogo de formação reforça que uma diferença gigantesca de oportunidades e de sistemas existe entre as escolas públicas e particulares. Ele considera que chegam a ser “dois mundos totalmente diferentes”. No entanto, ressalta que em relação ao Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), as escolas particulares estão muito desfalcadas. Assim, considera que as diferenças têm que ser suavizadas, mas que ambas precisam de avanços.


“As coisas estão muito ruins, a melhoria no desempenho não indica um progresso consistente e é preciso repensar o sistema”, pondera. “O país é meio perdido, fica brigando, lutando por essas metas totalmente sem sentido no Ideb em vez de pensar em fazer reformas mais profundas, mais consistentes mais bem pensadas para melhorar a educação”, afirma

 
“Falta alguma coisa que parece que no caso do Distrito Federal não é dinheiro, não é infraestrutura, parece que é mais uma questão de gestão”, disse João Batista. “Brasília já resolveu muitos dos outros problemas que afetam a educação e que, no meu ponto de vista, faltam condições para gerenciar melhor escolas e a secretaria para que as coisas deem um salto de qualidade.”


“É possível que haja uma piora. Agora, o que torço é para que a gente aprenda essa lição e veja que a sociedade precisa tanto da educação”, disse o professor sobre os possíveis danos ao Ideb causados pela pandemia. Ele afirma, porém, que não tem muito o que piorar, já que o desempenho não é muito significativo.

 Confira os resultados

 

*Estagiários sob supervisão da editora Ana Sá