Educação

No Dia Mundial da Educação, dados sobre o setor estão ameaçados

Desde fevereiro, as bases de dados do Inep estão fora do ar devido a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais

Thays Martins
postado em 28/04/2022 18:17
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Com o fechamento das escolas por causa da pandemia ainda é incerto os impactos da covid-19 no aprendizado dos estudantes, e a avaliação educacional é uma forma de apontar os caminhos a serem seguidos. O Dia Mundial da Educação, celebrado nesta quinta-feira (28), no entanto, remete à preocupação sobre os dados educacionais.

Desde fevereiro, dezenas de bases de dados educacionais de responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), conhecidos como microdados, foram retirados do ar. A alegação do governo é de que os dados foram suprimidos para atender à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Porém, pesquisadores alertam que a omissão dessas bases dificulta a realização de pesquisas sobre a educação.

“Isso prejudicou não só os pesquisadores, mas também gestores que poderiam aprimorar a política educacional e descobrir onde há insuficiência, relacionar os dados com questões de nível educacional para poder melhorar a aprendizagem da escola”, destaca Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Tem melhorias que precisam ser feitas, mas não disponibilizar os microdados impacta em várias pesquisas. É preciso ter uma política de acesso para pesquisadores”, ressalta o diretor do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Ernesto Faria. 

Em fevereiro, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas emitiu nota pública em alertando que a omissão de dados do Enem compromete a transparência das políticas públicas de educação. De acordo com a entidade, a lei está sendo usada como “pretexto para a redução da transparência pública e comprometimento do controle social”.

No início deste mês, oito entidades que representam os tribunais de contas do país também emitiram nota conjunta em que criticam a decisão do Inep. Segundo o comunicado, a proteção de dados não pode prejudicar a divulgação de informações importantes para análise da educação no país. "Assim como a proteção de dados pessoais, o direito à educação desfruta de prioridade constitucional e impõe ao Estado uma série de obrigações que devem ser atendidas, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho", diz o texto.

A  Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) também divulgou um posicionamento público de 33 entidades contra a decisão do Inep. "A medida do Inep de reduzir drasticamente o detalhamento dos dados da última edição do Censo, além de remover todas as bases históricas, é desproporcional e não está alinhada às melhores práticas internacionais de avaliação de risco e impacto de publicação de dados previstas na própria LGPD", afirma a nota. 

De acordo com o Inep, a apresentação do conteúdo dos arquivos está sendo reestruturada e será divulgados. "O Inep continuará a promover pesquisas e estudos para avaliar alternativas que permitam a ampliação progressiva da utilidade desse produto de disseminação de dados e assegurem, ainda, a privacidade dos titulares dos dados da pesquisa, além de garantir a transparência nas divulgações, como o desenvolvimento de painéis dinâmicos de informação", diz a entidade.

Enquanto isso, dados como as informações sobre estudantes e professores no Censo da Educação Superior, assim como sobre escola, idade e sexo dos estudantes que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não estão disponíveis. 

Faria observa que essas informações possibilitam traçar um panorama de cada grupo de estudantes e como elaborar as melhores estratégias educacionais. “É por meio desse diagnóstico que se avalia a situação da escola e as desigualdades, como os diferentes tipos de alunos, se são negros, brancos, e os diferentes níveis socieconômicos. Esse panorama ajuda na tomada de decisão”, destaca.

O dilema do Saeb

Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) devem ser publicados neste ano, trazendo um diagnóstico da educação do país em 2021. De acordo com Ernesto Faria, a grande questão da avaliação é que ela foi aplicada quando muitas escolas adotaram aulas remotas, o que prejudicou a participação dos alunos. “Foi um período bem complicado e a gente sabe que muitos municípios não conseguiram ter uma alta participação no Saeb 2021”, diz.

Este fator, prossegue Faria, levou alguns municípios a ficar de fora da divulgação dos resultados da avaliação. Isso porque, em meio a pandemia, muitos não conseguiram a aderência mínima de 80% de participação dos alunos, como determina a legislação. Na última edição, em 2019, o Inep flexibilizou essa regra para 50%.

Faria observa ainda que, apesar desse problema, o melhor é não divulgar os resultados dessas escolas, já que elas não são consideradas representativas. “Não acho que o caminho de uma avaliação amostral seria o melhor. Esses dados não são representativos, mas poderiam até ser fornecidos para os municípios à parte”, avalia. Já Cláudia Costin acredita que o melhor caminho seria a divulgação desses resultados. “É preciso olhar com muita cautela para esses dados devido ao percentual de participação, já que não tem como ter um quadro claro com um percentual baixo”, afirma.

Apesar da expectativa, Ernesto alerta que esses resultados não devem ser interpretados de forma a comparar municípios. Estudo publicado no ano passado pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP) apontou que a pandemia pode retroceder a educação brasileira em até quatro anos. “É difícil comparar 2021 com 2019 porque as redes estavam lidando com outros desafios. Elas estavam apagando incêndio, tendo que lidar com questões socioemocionais dos alunos e professores e com o ensino a distância”, alerta.

Cláudia Costin lembra ainda as crises no Ministério da Educação que afetaram diretamente o Inep. “Houve uma gestão de com grande instabilidade no Inep. Muitos servidores não se sentiam confortáveis em fazer algumas pesquisas. É preciso ter um diálogo com o Ministério da Educação, mas não uma subordinação, e isso deixou todo mundo muito assustado”, destaca ela, citando o episódio de tentativa de interferência nas questões do Enem. “Espero que a competência reconhecida dos servidores do Inep seja respeitada. A gente leva muito tempo para criar uma organização com respeitabilidade e isso pode ser destruído muito rápido”, alerta.


Pelo mundo

Levantamento feito em 2021 pela organização Vozes da Educação, a pedido da Fundação Lemann, apontou que os países estão preocupados em fazer avaliações educacionais mesmo em meio a pandemia. Entre os 23 países analisados, 17 fizeram suas avaliações nacionais em larga escala.

O estudo mostra que a grande maioria dos países analisados têm priorizado as avaliações, preocupados em obter informações sobre a situação do ensino remoto, perdas de aprendizagem durante o tempo em que as escolas permaneceram fechadas e identificar habilidades relevantes para a vida, inegociáveis e essenciais para o desenvolvimento dos estudantes.

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