POLÊMICA

Associação de escritores repudia fala de diretora sobre livro

De acordo com a Associação Gaúcha de Escritores, a educadora em questão assinou documento de aprovação do livro "O avesso da pele", que agora é criticado por ela. "Que interesses, fora da educação, comportam as palavras da diretora?", questionou a AGES

Isabela Stanga
postado em 04/03/2024 17:57
"O avesso da pele" explora as complexas relações raciais no Brasil, bem como a relação entre violência e negritude - (crédito: Companhia das Letras/Reprodução)
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A Associação Gaúcha de Escritores (AGES) publicou uma nota de repúdio após uma diretora de escola do Rio Grande do Sul publicar vídeo em que critica o uso em sala de aula da obra O avesso da pele, de Jeferson Tenório, para estudantes de ensino médio. O livro é uma crítica ao racismo no Brasil e venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário.

Em nota publicada em suas redes sociais, no domingo (3/3), a associação afirmou que a obra foi avaliada por uma banca formada por educadores e especialistas em literatura para o Programa Nacional do Livro e do Material Didático do governo federal em 2021. "A obra em questão foi aprovada pela diretora que ora se posiciona contra, com sua assinatura em documento pertinente ao assunto", afirma a AGES.

"Que interesses, fora da educação, comportam as palavras da diretora? Retirar trechos de contextos e torná-los indevidos faz com que tenhamos uma parcialidade capaz de distorcer a realidade, afirmar inverdades e servir de 'massa de manobra' para outros fins que não os da literatura e do ensino", completou a associação.

Entenda o caso

Janaína Venzon, diretora da Escola Ernesto Alves, localizada em Santa Cruz do Sul (cidade a 150 km de Porto Alegre), publicou um vídeo nas redes sociais em que julga a obra O avesso da pele inadequada para alunos de ensino médio. A principal crítica foi feita à linguagem do livro, definida por ela como "baixo nível". "Solicito ao Ministério da Educação buscar os 200 exemplares enviados para a escola. Prezamos pela educação dos nossos estudantes e não pela vulgaridade", afirmou Janaína.

A diretora acrescentou que nenhum dos profissionais que trabalha na escola escolheu a obra. "Desconheço o critério de escolha por parte do governo, só penso que deveriam analisar antes, para depois enviar para as escolas trabalharem".

Nas redes sociais, Janaína foi acusada de censura.

Em nota enviada ao Correio, a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul afirmou que não orientou para que a obra O avesso da pele fosse retirada de bibliotecas da rede estadual de ensino. "O uso de qualquer livro do Programa Nacional do Livro e do Material Didático deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores. A 6ª Coordenadoria Regional de Educação vai seguir a orientação da secretaria e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários", informou.

Sobre o livro

O avesso da pele, obra do professor Jeferson Tenório, foi publicado em 2020 e explora as complexas relações raciais no Brasil, bem como a relação entre violência e negritude. O livro retrata a história de Pedro, que, após a morte do pai, morto em uma abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado de sua família e refazer os caminhos do genitor. "Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos", diz a sinopse do livro.

"Através de um profundo mergulho em seus personagens, O avesso da pele consegue abordar as questões centrais da sociedade brasileira. E o mais potente nisso tudo é que, aqui, o real e as reflexões partem sempre de dentro pra fora", opina o escritor Geovani Martins.

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