adiamento do enem

Entidades e alunos continuam a pedir ao MEC o adiamento do Enem

Estudantes argumentam que o cenário atual da pandemia no país e a desigualdade impossibilitam a aplicação das provas. Ministério e Inep não se manifestaram

Vitória Silva*
postado em 05/01/2021 19:49 / atualizado em 05/01/2021 19:53
 (crédito: Helio Montferre/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Helio Montferre/Esp. CB/D.A Press)

Faltando 12 dias para o início da aplicação das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020, estudantes de todo o país e internautas, com apoio da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), cobram do Ministério da Educação (MEC) o adiamento do exame.

Em função da ausência de um projeto de imunização nacional contra a covid-19 e do aumento de casos do novo coronavírus por todo o Brasil, as entidades enxergam que a realização da prova nas datas marcadas será de alto risco.

Os testes impressos do Enem estão marcados para serem aplicados em 17 e 24 de janeiro. Já o Enem digital está previsto para 31 de janeiro e 7 de fevereiro. O exame teve mais de 5,7 milhões de inscrições confirmadas. Dessas, 5,6 milhões farão os testes presencialmente em papel. Apenas 96 mil pessoas farão o Enem Digital.

Pandemia impactou o preparo para o exame

Estudante da rede pública Nataly Silva, 19 anos, vai prestar o Enem 2020 e se manifesta a favor do adiamento das provas. Para ela, além de expor os estudantes e suas respectivas famílias ao vírus, o estado está tirando a oportunidade dos jovens que não tiveram o devido preparo para prestar o exame

Natural de Sergipe, Nataly está se preparando para entrar na Universidade Federal de Sergipe (UFS) para cursar artes cênicas. Ela conta que, além de toda a pressão de ter de se preparar para o vestibular, precisou trocar de escola em dezembro, pois a anterior não estava oferecendo o ensino remoto nem preparo adequado para o Enem.

 

Nataly teve um dos tweets mais impulsionados na hashtag #AdiaEnem, que ganhou força no Twitter na última segunda-feira (4)
Nataly teve um dos tweets mais impulsionados na hashtag #AdiaEnem, que ganhou força no Twitter na última segunda-feira (4) (foto: Arquivo Pessoal)

Ela diz que, desde o início da pandemia, ficou sem atividades na escola antiga e que os professores não conseguiram se adaptar às aulas por vias digitais. “Eu vi que na outra escola os professores estavam conseguindo dar um pouco mais de atenção aos alunos e resolvi mudar”, relata.

Em pouco tempo, Nataly precisou se adaptar ao ritmo de estudos da nova escola e correr com as revisões para o Enem. “Desde novembro, consegui estudar um pouco mais, mas ainda tem o vácuo de não ter estudado o ano todo, pois eu não tinha orientação”, desabafa. A jovem conta que ainda enfrentou problemas de conexão, ao ficar alguns meses sem internet e sem celular.

“O ano letivo não foi aproveitado como deveria. É injusto manter o Enem nesta data, não só pela saúde e segurança da população, mas também porque os estudantes da rede pública, da zona e da favela não receberam o amparo necessário para se preparar”, afirma.

Estudantes têm que lidar com a ansiedade


Em contrapartida, o vestibulando Arthur Pereira Cardoso, 17 anos, morador de Sobradinho e aluno do Centro Educacional Sigma, não concorda com o adiamento das provas por agora, uma vez que faltam poucos dias para o exame e não seria justo com os alunos que tiveram que lidar com a ansiedade e a pressão do vestibular, na avaliação dele.

 

Arthur Pereira acredita que o adiamento afetará os alunos que estão se preparando
Arthur Pereira acredita que o adiamento afetará os alunos que estão se preparando (foto: Arquivo Pessoal)

No entanto, Arthur concorda que o momento de crise sanitária em que o país se encontra não é o mais adequado para que ocorra a aplicação das provas e o MEC deveria ter considerado o voto da grande maioria dos estudantes na primeira enquete sobre o adiamento. “Quando houve a votação para quando os estudantes queriam fazer o Enem, votamos para acontecer em maio”, relembra.

Pedro Augusto Gonçalves, 17 anos, estuda no Centro Educacional Católica de Brasília e diz que, pessoalmente, não acha uma boa alternativa adiar a data de execução do exame. No entanto, observa que, levando em conta todo o contexto de calamidade de saúde e educacional que o país enfrenta, esta é uma medida que deve ser pensada, levando em consideração outros alunos que não tiveram as mesmas oportunidades que ele. 

Já Rebeca Texeira, 19 anos, moradora do Riacho Fundo 2, vai prestar o exame pela terceira vez e concorda com o adiamento, tendo em vista “a disparidade entre o preparo de quem sempre teve acesso a uma boa plataforma de ensino e a de quem não teve”.

A jovem quer tentar um curso na área de humanas na Universidade de Brasília (UnB) e conta que teve alguns problemas de conexão, mas não muito sérios, que a impedissem de estudar.

“Não tenho me preparado como gostaria. No primeiro semestre de 2020, quando eu ainda me sentia no controle de algo, eu estudava sozinha com materiais que tenho em casa e, posteriormente, contei com auxílio de cursinho on-line”, compartilha ela que terminou o ensino médio na rede pública do DF.

"Falta de iniciativa do MEC prejudica estudantes"

Em nota, a UNE afirmou que, desde o início da pandemia, a entidade tem alertado o governo e às autoridades sobre os impactos que a crise sanitária acarretaria à educação e ao Enem, mas que não há nenhuma estratégia ou investimento para amenizar o problema.

“A ausência de aulas presenciais e a falta de iniciativa do MEC em dar condições para que os estudantes pudessem ter o mínimo em redução de impactos prejudicam especialmente os jovens mais pobres das escolas públicas e que têm dificuldades de acesso à internet ou piores condições de estudo em suas casas”, diz a nota.

Além disso, a entidade esperava que o MEC estivesse na linha de frente, propondo e coordenando um grupo de trabalho, com ações estratégicas e investimentos que buscassem reduzir as desigualdades, seja no decorrer do ano letivo ou no Enem.

Especialista em educação: “não há clima para fazer a prova”

A educadora e doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Andrea Ramal comenta que, caso o Enem seja adiado, será uma decisão “acertada”, já que não há clima para os estudantes fazerem a prova.

Não só pela questão da saúde pública, mas também no que se refere à calma dos participantes para fazer a prova. “Não vejo clima e sentido para fazer essa prova. As aulas ainda não voltaram normalmente, como você vai colocar pessoas despreparadas para fazer uma prova tão importante?”, questiona.

Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio, defende adiar o exame
Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio, defende adiar o exame (foto: Ricardo Wolf)

Andrea acredita que o adiamento das provas não causará grandes impactos negativos para educação, uma vez que a pandemia em si, desde o início, já causou uma grande interferência.

Pedidos de adiamento ao MEC demonstram preocupação com estudantes

O deputado federal Bacelar (Podemos/Ba), solicitou ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, o adiamento do Enem na manhã desta terça-feira (5/1). De acordo com o deputado, aplicar o exame na condição atual do país é uma “atrocidade com os estudantes que farão a prova”.

 

Deputador Bacelar (Podemos-BA) articula com senadores para evitar retrocessos do Fundeb aprovados na Câmara dos Deputados
Deputador Bacelar (Podemos-BA) articula com senadores para evitar retrocessos do Fundeb aprovados na Câmara dos Deputados (foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

O parlamentar argumenta que grande parte dos estudantes, sobretudo os mais vulneráveis economicamente, tiveram o ensino prejudicado mesmo com as aulas on-line. “Já existe muita desigualdade socioeconômica e isso ficou mais evidente com a pandemia”, pontua.

Rozana Barroso, presidente da Ubes, explica que o movimento #AdiaEnem diz respeito à preocupação dos estudantes em fazer a prova sem trazer risco à saúde de ninguém e, além disso, incluir corretamente a parcela da população que não teve o devido acesso aos estudos em função da pandemia.

“Quem quer impedir os estudantes de fazer o Enem é o próprio governo, o qual não viabiliza condições para realização. Qual o plano de segurança no dia da aplicação? Não houve um mapeamento de estudantes infectados, por exemplo”, critica.

 

A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso, considera a decisão um completo absurdo
A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso, considera a decisão um completo absurdo (foto: CUCA DA UNE)

Rozana reforça que o adiamento precisa ser um assunto muito debatido e pensado, com soluções concretas apresentadas. “Não é só adiar e empurrar com a barriga, como eles fizeram pela primeira vez, mas adiar e dar soluções. Estamos falando de calendários de universidades e de jovens que querem muito ingressar na universidade”, pontua.

Procurado pelo Eu, Estudante, o MEC orientou que a reportagem entrasse em contato com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem. Até a finalização desta reportagem, nenhum dos órgãos se manifestou a respeito da possibilidade de adiar o Enem.

Plataforma enfrenta problemas de conexão

Foi disponibilizado aos participantes, nesta terça-feira (5/1), o local onde será aplicado as provas e o cartão de confirmação de inscrição. Contudo, muitos candidatos reclamam nas redes por estar enfrentando dificuldades para checar o local da prova e muitos não conseguem redefinir a senha de login para ter acesso ao sistema.

Até o momento da publicação desta reportagem, o Eu, Estudante não obteve nenhuma resposta do MEC ou do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) a respeito do adiamento das provas e das instabilidades do aplicativo.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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