Idosos no Enem

Aposentada de 64 anos faz o Enem pela 5ª vez para cursar medicina

Ana Maria Freitas está entre os 16.289 candidatos acima de 60 anos do Enem 2020. Ela se matriculou em um cursinho há nove anos para poder realizar o sonho

Isabela Oliveira*
postado em 23/01/2021 14:57 / atualizado em 23/01/2021 15:08
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Ana Maria Freitas, 64 anos, é uma das 16.289 candidatas idosas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020. Pelo sonho de cursar medicina, ela se matriculou num curso pré-vestibular há nove anos.

Tenta agora o Enem pela quinta vez em São Paulo, onde mora. Jornalista e cientista social, Ana Maria tem duas graduações no currículo, mas ainda deseja conquistar a terceira, em medicina.

Pondera que só participou da prova no último domingo (17/1), durante a pandemia, porque a sala estava vazia e bem ventilada, portanto se sentiu segura. Para este domingo (24/1), o segundo dia de testes, a resolução será a mesma. “Eu vou fazer a prova e, se tiver tumultuado, eu volto. Não vou arriscar a vida”, pontua.

Para ela, a prova de humanas foi mais difícil do que esperava, mesmo sendo a área de domínio da aposentada. Para as provas de matemática e ciências da natureza, Ana Maria está “rezando muito” para se sair bem, pois são as áreas em que mais tem dificuldade.

Casada, mãe de três filhos e avó de uma neta, Ana Maria também tem receio quanto à TRI (teoria de resposta ao item), método de correção do Enem. “Meu maior medo é TRI, porque posso ter errado coisa básica e comprometer minha nota”, diz.

Escolha do curso surgiu após doença do filho

Ana Maria se formou em jornalismo e ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e conta que, desde muito cedo, sabia que queria ser jornalista pelo fato de o pai ler muito jornal e ela ter adquirido esse hábito. A faculdade em ciências sociais veio logo depois, para complementar a formação. Depois de anos trabalhando com o jornalismo, ela descobriu que queria ser médica.

“Um belo dia passei na porta do cursinho, há nove anos, e me inscrevi”, conta a paulistana. A escolha do curso veio da mudança de rotina que a família sofreu. Em 1980, ela teve um filho que, três anos depois, foi diagnosticado com polineuropatia, distúrbio simultâneo de diversos nervos periféricos no organismo.

“Passei a frequentar hospital com regularidade absurda, ia todos os dias. Então, comecei a estudar sobre a doença e a ficar interessada”, explica. Ana Maria trabalhava como jornalista na época e sempre fazia sugestões de pautas sobre saúde. “Eu brincava que ia a congressos médicos muito mais que os próprios médicos, porque ia fazer cobertura.”


Estudar on-line foi uma surpresa

Antes da pandemia, Ana Maria frequentava o cursinho em São Paulo no período noturno. “Eu ia religiosamente todos os dias. Era a minha melhor atividade”, compartilha. Porém, com a pandemia, o ensino a distância foi imposto, o que trouxe um modelo diferente de aprendizado para Ana Maria e novos desafios.

Logo no início do isolamento, a escola disponibilizou módulos gravados, contudo nos últimos meses passou a fazer aulas síncronas com os alunos. “Só agora que estou pegando o jeito das aulas, porque 2020 não foi fácil”, observa.

 

 
Ana Maria Freitas tem 64 anos e está prestando o Enem pela 5ª vez
Ana Maria Freitas tem 64 anos e está prestando o Enem pela 5ª vez (foto: Arquivo Pessoal)

 

O saber não se perde


E a idade não é empecilho para Ana Maria continuar em busca da vaga para cursar medicina: “na pior das hipóteses, eu morro sabendo. Enquanto eu estou bem de saúde, não há motivo para parar”. A aposentada reflete que tem muito para oferecer para a medicina, seja em hospital, seja na área de pesquisa.

Apesar de não estar muito esperançosa para que a provação finalmente venha este ano, Ana Maria ressalta que não vai desistir e que o principal ensinamento que quer deixar para os filhos e netos é que todo estudo vale a pena.

“Sou economicamente privilegiada, porque pago para fazer cursinho, mas os bens que eu tenho eles podem ir embora a qualquer momento. Agora o conhecimento não. Eu estou preparada para continuar a vida por muitos anos e quero fazer medicina, porque acho que ainda tenho muito a doar para a sociedade”, afirma.

“Minha irmã já falecida era enfermeira e sinto que eu estaria dando sequência ao aprendizado dela”, reflete. O objetivo de Ana Maria é estudar na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mas não descarta outros vestibulares de medicina.


*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

 


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