Por Gabriela Braz
Emoções e debates sobre o conceito de gênero são o tema da nova obra literária da psicóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Valeska Zanello. A professora, que coordena o grupo de pesquisa Saúde, mental e gênero, com a finalidade de desbravar como as emoções são sentidas por mulheres e homens de maneira diferente, pesquisa o tema há mais de 20 anos e traz esses conhecimentos em seu texto. O primeiro volume do livro Scripts Culturais, Gênero e Emoções aborda de maneira acessível como o gênero atravessa a construção dos sentimentos, afetando diretamente a forma de sentir, reagir e se relacionar com os outros. O lançamento da obra ocorreu nesta quinta-feira (6/11/25), no DOMMA Rooftop, em Brasília e foi aberto ao público.
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Valeska Zanello é graduada em filosofia e psicologia, e a junção das duas áreas trouxe seu interesse pela mente humana e os debates filosóficos das relações na sociedade. Seus últimos dois livros lançados A prateleira do amor e Saúde mental, gênero e dispositivo contam sobre as diferenças de amor entre mulher e homem. Neles, ela explicita a lógica da prateleira, onde mulheres precisam estar na frente para serem escolhidas por homens que são responsáveis por decidir qual garota é bonita e merece ser amada, evidenciando o gênero como uma construção cultural.
O novo livro da psicóloga propõe uma análise crucial sobre como as normas sociais e de gênero afetam a saúde mental e a expressão emocional de homens e mulheres. “Muitas vezes, a palavra gênero é utilizada para pressupostos distintos. Então, o primeiro volume tem o intuito de esclarecer esse campo colocando de forma mais evidente esses embates” explica Zanello. O livro tem o caráter filosófico, epistemológico e histórico, além de trazer uma genealogia do feminismo, reconhecendo mulheres que lutaram por direitos que hoje a sociedade pode usufruir.
Os scripts culturais determinam que aprendemos a sentir de forma diferente a depender do gênero, revelando como esses esquemas moldam emoções como raiva, tristeza ou alegria de maneira distinta para homens e mulheres. A autora demonstra como a sociedade atribui distintas licenças emocionais. Em uma relação, ela aponta como os homens não apresentam dificuldade em se pôr em primeiro lugar nas situações, deixando as necessidades da parceira de lado. Diferentemente das mulheres, que são ensinadas a enxergar os outros antes mesmo dos próprios interesses.
Zanello chama esse processo de hetero-centramento, termo que explica como as mulheres aprendem a priorizar desejos e anseios dos outros e atendê-los antes dos próprios. Relacionado com o ego-centramento dos homens, que aprendem a se priorizar e não pensar no próximo, o fenômeno chama a atenção da psicóloga ao acontecer de forma inconsciente. “Um exemplo comum na vida das mulheres brasileiras é quando ela chega em casa à noite pensando em comer o resto de comida do almoço, porém, o marido, ao chegar antes, come e, ao perguntar se ele havia comido, o parceiro responde com espanto que sim e fica, realmente, surpreso, pois no momento não tinha pensando na possibilidade da esposa querer” ela exemplifica.
A autora também faz uma breve alusão ao seu livro anterior Saúde mental, gênero e dispositivos sobre como os gêneros influenciam no amor. Mulheres aprendem que o amor é uma forma de sucesso em suas vidas, amam sobretudo os homens e almejam ser escolhidas por eles. Enquanto os homens amam outras áreas de suas vidas, sem o amor romântico em ênfase pois não necessitam dele para serem reconhecidos e admirados.
A psicóloga comenta: pouco se fala como as emoções são atravessadas pelo gênero, como a sociedade e o sexo da pessoa é usado para colocar ela em lugares sociais diferentes, não são apenas comportamentos distintos, mas a gente também aprende a sentir de forma diferente a depender de nosso gênero. O livro visa desmistificar o uso de “gênero” focando em três eixos: construção de feminilidade e masculinidade; desenvolvimento histórico e identidade de gênero/orientação sexual.
Suas pesquisas duraram cinco anos. Em sua caminhada, teve a oportunidade de fazer parte das pesquisas na Universidade de Concórdia em Montreal no Canadá enquanto também fazia seu pós-doutorado. Aprofundou estudos sobre emoções e transculturalidade e ampliou seus horizontes. Além das pesquisas, entrevistou pessoas que ocupam lugares sociais distintos, no intuito de mostrar as interseccionalidades e as configurações específicas de cada emoção.
Ao público, Zanello deseja passar a mensagem sobre a construção social do gênero e como ela é ligada às emoções. Existe uma mediação da cultura na sociedade, as culturas sexistas existentes atribuem valores a cada gênero, como poderes e privilégios a partir da diferença sexual. “Zelei por livro didático e acessível para maior compreensão dos leitores sobre a temática que se mostra impactante atualmente” conclui.
*Estagiário sob supervisão de Ana Sá.