Polêmica da vacinação

Empregados podem ser demitidos por justa causa caso não tomem a vacina

Para especialistas, a vacina é uma proteção coletiva e não individual. Funcionários devem apresentar laudo médico caso não possam tomar o imunizante

Isabela Oliveira*
Talita de Souza *
postado em 14/02/2021 16:53 / atualizado em 14/02/2021 19:26
"Após a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para utilização das vacinas contra o novo coronavírus no Brasil, algumas discussões surgiram a respeito do poder dos empregadores para obrigar os empregados a se vacinarem. - (crédito: Adalton Moura/Divulgação)

Palavra de especialista

A empresa é obrigada a garantir testes da covid-19 aos funcionários?

“Por legislação federal, não, mas existem convenções coletivas que exigem algum tipo de teste. A convenção coletiva está acima da legislação trabalhista. Por exemplo, a 6ª Vara do Trabalho de Brasília exigiu a retomada segura das escolas e com teste de covid-19 aos profissionais de educação, por isso os custos devem ser arcados pelas escolas. Cada região tem uma norma coletiva diferente.”


Vera Barbosa, especialista em direito do trabalho

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Cuidado com a demissão por justa causa se não tomar vacina

De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), os trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina contra a covid-19, sem justificativa médica, poderão ser demitidos por justa causa. O órgão elaborou um documento interno para orientar a atuação dos procuradores.

A demissão deve ser adotada em último caso e cabe aos empregadores a tarefa de fazer campanhas de conscientização, com o envolvimento dos sindicatos dos trabalhadores. O MPT orienta também sobre a necessidade de seguir a disponibilidade de vacinas em cada local e os grupos de prioridade.

Caberá ao trabalhador comprovar a impossibilidade de receber o imunizante, com a apresentação de laudo médico. Mulheres grávidas, pessoas alérgicas a componentes ou portadoras de doenças que afetam o sistema imunológico não precisam tomar a vacina. Nesses casos, a empresa precisará negociar para manter o funcionário em home office ou no regime de teletrabalho.

Vale lembrar que a demissão por justa causa restringe as verbas trabalhistas na rescisão contratual aos dias trabalhados e férias proporcionais. Quem é demitido nesta condição não tem direito ao saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nem ao seguro-desemprego.

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Vacinação contra a covid-19 e os impactos no trabalho

Por Rebeca Cardenas Bacchini*

Dá para obrigar o empregado a se vacinar?

Existe a possibilidade de o empregador determinar a vacinação dos empregados contra o coronavírus sob o argumento da sua responsabilidade em manter o ambiente de trabalho saudável e seguro, com base na Constituição da República, no artigo 7º, inciso XXII. O texto fixa como direito dos trabalhadores a ‘redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança’. Desse direito subjetivo do trabalhador nasce o consequente dever do empregador de garantir um ambiente de trabalho saudável e seguro.

Qual a responsabilidade do empregador?

Embora possamos passar horas tecendo comentários sobre as teorias de responsabilidade objetiva e subjetiva do empregador por danos causados à saúde do empregado no ambiente laboral, vamos nos ater à Constituição Federal, que prevê expressamente a obrigação do empregador indenizar seu empregado por acidente do trabalho, quando incorrer em dolo ou culpa (inciso XXVII do artigo 7º da Constituição Federal). Como a Lei nº 8.213/91 equipara a doença do trabalho ao acidente do trabalho, a responsabilidade do empregador é legalmente inequívoca.

Para ter um controle melhor do ambiente de trabalho e dos riscos, o item 7.1.1 da Norma Regulamentadora (NR) 7 da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, estabelece diretrizes e requisitos para o desenvolvimento do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) nas organizações, com o objetivo de proteger e preservar a saúde dos empregados em relação aos riscos ocupacionais, conforme avaliação de riscos do Programa de Gerenciamento de Risco (PGR) da organização.

Ao utilizarem o PCMSO para avaliar o risco ocupacional a que seus empregados estão submetidos, as empresas podem analisar, inclusive, o risco de contrair covid-19. É importante considerar que o empregador não tem a obrigação de reconhecer o coronavírus como risco ocupacional, mas, caso o faça, não só pode como tem o dever de adotar todas as medidas para preservar a saúde de seus empregados, inclusive, em tese, exigir a vacinação, assim como exigir o uso de máscaras faciais protetivas, lavagem constante das mãos e álcool em gel, caso entenda como adequado.

É possível demitir quem não se vacinar?

Além disso, a vacinação pode ser considerada como de interesse coletivo, o que justificaria, em tese, até a dispensa por justa causa do empregado que se recusa a vacinar imotivadamente. Isso porque o empregado não vacinado poderia colocar em risco a saúde dos demais trabalhadores e, portanto, seria mais que um direito, seria um dever do empregador o afastamento daquele indivíduo para preservar o ambiente de trabalho e a saúde dos demais empregados, fazendo com que a liberdade individual não prevaleça sobre o interesse coletivo.

Entretanto, a complexidade do tema exige uma análise mais aprofundada à luz dos princípios constitucionais, nos levando a raciocinar sobre até que ponto o poder diretivo do empregador poderia se sobrepor ao princípio da legalidade, expresso em seu artigo 5º, inciso II, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, nos levando à inevitável conclusão de que a inexistência de norma legal que determine uma conduta contrária à vontade do cidadão não pode levar um ator privado — o empregador — a criar tal determinação.

Apesar do argumento da preservação da saúde da coletividade, a solução é muito mais simples: enquanto não houver lei prevendo como requisito para a manutenção ou a admissão no emprego a vacinação contra o coronavírus, é inviável a iniciativa do empregador de romper o vínculo, com ou sem justa causa. Por um lado, com justa causa não seria possível, pois não haveria falta grave do empregado (que deveria se encaixar às situações previstas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho); por outro lado, sem justa causa não seria praticável, pois a dispensa poderia ser considerada discriminatória e, portanto, abusiva.

Entretanto, qualquer regra jurídica com restrição ao emprego deve ser criada unicamente pela União, em virtude da competência exclusiva em legislar sobre direito do trabalho, nos termos do artigo 22, I, da CF. Logo, ainda que estados e municípios criem regras em suas esferas de competência para a vacinação da população, não poderá o empregador se basear em tais normas para justificar eventual dispensa de empregado que não se imunizar.

E se o empregado não usar máscara?

No caso das obrigações de utilização de máscara de proteção facial e álcool em gel, se previstas no PCMSO da empresa, por ter identificado o risco de contágio do coronavírus no ambiente de trabalho, e por serem equiparados a equipamentos de proteção individual, o empregador tem a prerrogativa de determinar o uso e fiscalizar, podendo inclusive advertir, suspender e até demitir por justa causa os empregados que adotarem conduta de, reiteradamente, se recusarem a utilizar.”

Advogada, especialista em direito e processo do trabalho, conselheira legal sênior

 

*Estagiárias sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

 


 

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