
A área jurídica é historicamente dominada por homens, apesar de as mulheres serem maioria nos cursos de direito e nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Segundo um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), apenas 30% das mulheres advogadas ocupam posições de chefia em escritórios de advocacia.
Juliana Daher Tesolin, 48 anos, dedicou-se ao serviço público por 18 anos, trabalha como professora de graduação e pós-graduação em direito na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília e, atualmente, é advogada e sócia do escritório Campbell Marques e Tesolin Advocacia. Para ela, a discrepância apontada pelo estudo é resultado de barreiras invisíveis que limitam o avanço profissional feminino, chamadas "teto de vidro".
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A advogada conta que, em audiências, não é raro que advogadas sejam interrompidas, subestimadas ou tratadas de forma condescendente por juízes, promotores ou até mesmo colegas de profissão. Nesse contexto, uma das barreiras mais difíceis de superar são os preconceitos de gênero que permeiam a advocacia, porque mulheres precisam provar continuamente a competência em ambientes majoritariamente "masculinos".
"Entendo que superar esses desafios exige resiliência, inovação e uma abordagem estratégica para lidar com os obstáculos do mercado e as questões estruturais do país, aliados à questão de lidar com preconceitos de gênero no caso das advogadas", observa Juliana.
Altos cargos
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, havia 39,3% mulheres ocupando cargos gerenciais, registrando um aumento em 3,3 pontos em relação a 2012. Mesmo com esse avanço, a participação da mulher em cargos de chefia no Brasil é considerada insatisfatória.
Estudo da empresa Teva Indices revela que mais de 56% das empresas não contam com nenhuma mulher na diretoria, no conselho fiscal ou no comitê de auditoria. Das mais de 8 mil vagas em colegiados de liderança nas empresas brasileiras listadas, apenas 15,5% são ocupadas por mulheres, com aumento de apenas 5,8% na representatividade feminina nos últimos cinco anos.
Apenas 14,8% dos assentos de conselho de administração são ocupados por mulheres, o que equivale a 336 contra 1.928 homens conselheiros. "A atenção dada à falta de diversidade de gênero nos conselhos de administração contribuiu para a diminuição do gap nesses colegiados. O olhar deve se voltar para além de apenas os conselhos de administração, a fim de promover mudanças mais amplas e significativas", diz trecho da pesquisa.
Percepção social
Desenvolvido em parceria com o Fórum Global de Reykjavík, desde 2018, o Índice de Liderança de Reykjavík é a medida de como mulheres e homens são percebidos em termos de adequação à liderança. Essa é a sétima edição de coleta consistente de dados entre a Islândia e os países do G7, composta por Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos.
Uma pontuação de 100 significaria que mulheres e homens eram vistos pela sociedade como igualmente adequados para a liderança. Os resultados deste ano mostram que a Islândia continua a ter as pontuações mais altas entre os países medidos, com um índice de 87, em comparação com a média do G7, de 68. Os dados anuais mais recentes mostram um declínio ainda maior na igualdade em relação a como a sociedade vê mulheres e homens e sua adequação à liderança.
"A queda na percepção de igualdade de gênero em cargos de liderança, conforme o Índice de Reykjavík, é um reflexo de um estereótipo ainda muito presente, que associa as mulheres principalmente aos cuidados domésticos e não ao ambiente profissional. Antes, a falta de medição e visibilidade dificultava entender o problema. Hoje, com mais mulheres no mercado de trabalho, é importante que esses dados sejam visibilizados para que possamos agir e reverter essa situação", analisa a diretora global de supply e logística Cris Zanata, fundadora do Instituto de Alterismo do Brasil (InsAB).
Desafios
A professora Carla Sabrina Xavier Antloga, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de Brasília (UnB), afirma que esse cenário é acompanhado por algumas questões, como as diferentes noções sobre a liderança. "Se paramos para analisar, temos uma igualdade numérica, mas não hierárquica, porque não é só falar de mulheres na liderança, mas, sim, saber em quais áreas elas estão e se têm autonomia sobre as decisões."
Mesmo acreditando que houve um aumento tímido nos últimos anos, ela analisa que existem mudanças a serem feitas. "Existem momentos em que as mulheres são colocadas na gestão para cuidar de crises em fases instáveis também. A pessoa é colocada lá para mascarar que o problema foi resolvido", frisa.
Além disso, a professora explica que a desigualdade na liderança também se reflete na predominância de homens em ciências exatas, como nas engenharias e na área tecnológica, enquanto mulheres estão mais envolvidas em áreas do cuidado e da saúde, bem como ocupam mais papéis de chefia em cargos técnicos, subordinadas a alguém.
Recentemente, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, afirmou em um podcast que as empresas precisam de mais “energia masculina”, o que acendeu uma antiga discussão sobre estereótipos de gênero. "O mais relevante não é discutir estereótipos de energia masculina ou feminina, mas reconhecer que a diversidade de perspectivas fortalece os negócios, porque ampliam o repertório de ideias e experiências. Empresas com maior diversidade de gênero nos cargos de decisão apresentam melhores resultados financeiros e maior capacidade de adaptação a cenários desafiadores. O futuro das organizações bem-sucedidas será moldado por líderes que compreendem e valorizam a pluralidade de talentos e estilos de gestão", acredita Juana Angelin, COO da instituição financeira Koin.
Serviço público
De acordo com levantamento feito pelo Movimento Pessoas à Frente, com base no Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), as mulheres constituem apenas 45,2% do contingente de servidores federais. Em 2023, apenas 37,8% dos cargos de alta liderança no Executivo federal eram ocupados por elas.
Jessika Moreira, diretora executiva do movimento, acredita que mesmo com os desafios das mulheres serem independentes tanto na esfera privada quanto na municipal, existe um agravante específico no setor público, que tem a ver com a formulação de políticas públicas a população.
"Visto que o funcionalismo é responsável pelas políticas públicas de saúde, educação, assistência social, só teremos uma entrega de serviços à população efetiva e de qualidade se o corpo de servidores espelhar a própria população. Então, é preciso uma burocracia realmente representativa para que as decisões sejam tomadas de acordo com as reais necessidades dos cidadãos e cidadãs", diz a porta-voz.
Setor privado
Segundo Luana Ozemela, diretora de sustentabilidade do iFood, esse cenário no setor privado tem influência de outros fatores, como a desigualdade estrutural e a influência do discurso religioso sobre pautas sociais. "Essas tendências revelam uma resistência persistente à liderança feminina, o que dificulta a consolidação de avanços legislativos em mudanças culturais mais profundas".
A falta de modelos masculinos que apoiam lideranças femininas e a escassez de exemplos de mulheres em posições de poder em setores historicamente masculinos são fenômenos que prejudicam a igualdade de gênero. Para ela, a primeira questão "contribui para uma ansiedade de status entre jovens, que veem no avanço feminino uma ameaça a espaços que consideram 'tradicionalmente' seus."
Recorte racial
Mulheres negras também têm pouca representatividade em cargos de liderança, não só em relação à desigualdade de gênero, mas também ao racismo estrutural. Elas ocupam apenas 3% dos cargos de liderança nas empresas e 11% no funcionalismo público.
Além disso, 57% das executivas negras relatam ser as únicas mulheres negras em posições de liderança nas organizações e apenas 0,5% ocupam assentos em conselhos administrativos. Para Luana, os dados evidenciam exclusão sistêmica e a importância de ter monitoramento mais robusto e representativo sobre a realidade. "O país precisa priorizar a coleta de dados mais amplos para criar políticas direcionadas que atendam à realidade de mulheres negras no mercado de trabalho", defende a diretora do Ifood.
Soluções
Luana Ozemela defende que a desigualdade reflete as barreiras que começam na educação básica, onde meninas são menos estimuladas a ingressar em áreas técnicas, perpetuando-se no ambiente corporativo, com estereótipos que associam competência técnica e liderança ao masculino. "Essas dinâmicas limitam o avanço das mulheres em setores estratégicos e de alto impacto econômico, o que dificulta a equidade de gênero nos espaços de poder."
Para assegurar a equidade de gênero, ela acredita que boas políticas já existem, o que falta é implementar e fazer a lei se cumprir. Além de incluir, promover o crescimento e manter as mulheres em cargos de liderança, as empresas precisam ir além da simples contratação e investir em programas estruturados de inclusão.
Carla afirma, ainda, que é preciso mudar a cultura em relação à mulher no mercado de trabalho no Brasil. "Nós estamos vivendo um momento melhor em relação aos últimos anos, mas ainda existem distâncias e pontos a serem modificados na cultura. Na Espanha, por exemplo, foram feitas campanhas de conscientização sobre o assunto, e o cenário foi mudando com o tempo", exemplifica.
"Criar um ambiente onde as mulheres se sintam pertencentes e valorizadas é essencial para garantir sua permanência e desenvolvimento na organização. Estratégias como comunicação transparente, redes de confiança e escuta efetiva são fundamentais para esse processo, permitindo que mulheres tenham voz ativa e influência real na tomada de decisões", afirma Cris Zanata.
Jessika acredita que a responsabilidade também deve ser de governos, empresas, setor financeiro e sociedade civil. "O governo deve liderar com políticas públicas claras, garantindo acesso igualitário à educação e ao mercado de trabalho, e as empresas precisam transformar seus compromissos em ações concretas, implementando programas de inclusão com metas claras e mensuráveis. Já o setor financeiro pode desempenhar um papel crucial ao integrar critérios de diversidade em suas estratégias de investimento, priorizando empresas com práticas inclusivas", descreve.
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá