ARTIGO

Inovação financeira coloca a natureza no centro da economia global

Diretora da organização NatureFinance no Brasil destaca que quanto mais o meio ambiente for colocado em risco, maiores serão os gastos públicos que poderiam ser evitados

Aline Gouveia
postado em 10/08/2025 06:00 / atualizado em 10/08/2025 06:00
Luana Maia, da Nature Finance: O Brasil pode ser um grande case e protagonista dessa agenda -  (crédito: Divulgação/NatureFinance)
Luana Maia, da Nature Finance: O Brasil pode ser um grande case e protagonista dessa agenda - (crédito: Divulgação/NatureFinance)

A economia é direta e indiretamente dependente da natureza e dos capitais naturais. Florestas, solos, rios são responsáveis pela regulação do clima e estão ligados ao aumento ou à redução da temperatura global e a eventos climáticos extremos. Luana Maia, diretora da organização NatureFinance no Brasil, destaca que quanto mais sistemas como os de energia, alimentação e infraestrutura forem colocados em risco, maiores serão os gastos públicos que poderiam ser evitados. “Não podemos não olhar para a natureza como um ativo totalmente relacionado à resiliência econômica”, cita a especialista ao Correio.

A três meses da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que será realizada em Belém (PA), Luana aponta para a expectativa de que clima e natureza sejam vistos de forma integrada e interdependentes. “Não há como mitigar ou se adaptar às mudanças climáticas sem manter a natureza. Evitar perda de natureza por meio de projetos que mantenham floresta em pé e a biodiversidade intacta são condição sine qua non para o alcance das metas globais de redução de emissões, especialmente em países como o Brasil e outros cujas NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada) têm metas atreladas à mudança do uso da terra”, explica. 
Um dos exemplos de soluções financeiras são os créditos de natureza, que incluem, entre os mais conhecidos, os de carbono. “Num futuro próximo, poderemos ter créditos de água, por exemplo. Há também as políticas relacionadas aos pagamentos por serviços ambientais. Outro exemplo são as trocas de dívidas, ou seja, quando um país consegue reduzir o montante da dívida externa a partir da conservação de algum ecossistema”, frisa Luana. 
Outro ponto considerado inovador é o sustainability linked insurance, que é um tipo de seguro vinculado a metas sustentáveis. “Podemos usar esse mecanismo atrelado à indústria do agronegócio para apoiar financeiramente a transição de práticas agrícolas tradicionais para modelos mais regenerativos e resilientes, reduzindo riscos e incentivando boas práticas”, defende a diretora da NatureFinance no Brasil. Além de remunerar práticas regenerativas, os modelos podem proteger produtores e cidades contra desastres. 
Ainda sobre os seguros, Luana detalha que o papel de uma seguradora é proteger os novos modelos de desenvolvimento e de investimentos contra possíveis perdas financeiras causadas por desastres naturais. “Se imaginamos um cenário onde seguradoras não se adaptam a essa nova realidade, com mudanças climáticas e perdas de natureza, ela fica fora e pode perder mercado. Se a nova realidade é de emergência climática, o que as seguradoras vão assegurar se não incluírem os riscos climáticos? Ela precisa ser parte da solução”, reflete. 
A especialista avalia que o agronegócio, importante setor da economia brasileira responsável por cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, tem duas escolhas: ser vulnerável às mudanças climáticas e assumir perdas econômicas, como redução de safras, ou melhorar as práticas sustentáveis e ser parte da solução. No entanto, destravar financiamento para a conservação da natureza ainda enfrenta barreiras estruturais. Faltam instrumentos financeiros adaptados às necessidades e o timing dos projetos ambientais. “É importante entender as realidades locais e quais são as métricas de impacto mensuráveis que atraiam investidores e reduzam a sensação de risco percebido”, diz Luana. 

Atuação 

A NatureFinance atua no mundo e no Brasil na geração de conteúdo técnico, que está na fronteira do conhecimento, da inovação em temas de natureza e de finanças. A organização também desenvolve ferramentas que ajudem instituições financeiras a avaliar qual é a sua exposição a riscos de natureza. Há um projeto de inovação financeira no sul da Bahia que consiste na atração de recursos de forma inovadora para transição de uma agricultura tradicional para um modelo mais regenerativo na indústria de cacau, alinhando questões relacionadas à inclusão social e digital. 
“Trabalhamos em projetos de créditos de biodiversidade em áreas urbanas no Rio de Janeiro e Manaus. Buscamos mensurar como um investimento na manutenção da biodiversidade (fauna e flora) de parques públicos pode aumentar a resiliência climática e ambiental dessa região e, com isso, também gerar economias fiscais nas cidades. Entre os benefícios estão, por exemplo, desde a redução de doenças, entre elas a dengue, até a diminuição de deslizamentos de terra decorrentes da perda de vegetação e o aumento de áreas verdes em determinadas regiões. Outro projeto recente é com o Consórcio Amazônia Legal (que reúne os nove estados da Amazônia Legal). O objetivo é fazer a valoração dos ativos naturais em corredores ecológicos em Unidades de Conservação (UCs) e discutir uma potencial política comum de valoração de créditos de natureza”, exemplifica Luana. 
A diretora da NatureFinance também ressalta que o foco global segue centrado na transição energética, deixando soluções baseadas na natureza à margem. Portanto, reconhecer a natureza como ativo econômico, amortecedor fiscal e infraestrutura crítica pode ser a chave para uma transformação. “O Brasil pode ser um grande case e protagonista dessa agenda, mostrando como um país rico em natureza e uma das 10 maiores economias do mundo pode transicionar para uma economia positiva para o clima, natureza e pessoas. Não há nenhum país no mundo mais bem posicionado que o Brasil para isso”, argumenta. 

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