Artur Maldaner*
postado em 24/08/2025 06:00 / atualizado em 24/08/2025 06:00
Estagiaria Leiany da Silva Gomes: Eu aplico no trabalho tudo que eu aprendo na faculdade - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)
Em busca de destaque no mercado de trabalho, estudantes que se capacitam por meio de estágios e trainees estão no caminho certo. Dados inéditos do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) mostram que, jovens de 15 a 29 anos, quando são capazes de conciliar estudo e trabalho, apresentam níveis de letramento, numeramento e habilidades digitais que superam os que se dedicam unicamente a uma das duas atividades.
Segundo o levantamento do Inaf, o grupo de 16% da população brasileira que estuda e trabalha se destaca com maior proporção de alfabetismo consolidado (65%), e apresentam a capacidade de interpretar e entender textos longos. Já os que apenas trabalham (39%), os níveis de letramento são variados, mas predomina o alfabetismo limitado. “É a potência educacional do trabalho”, afirma a coordenadora do Inaf, Ana Lima, que destaca a importância da criação de políticas públicas em fomento ao ensino profissionalizante, para a melhora dos níveis de analfabetismo funcional do país
A professora de pedagogia Jennifer de Carvalho Medeiros, do Instituto Federal de Brasília (IFB), enxerga no seu dia a dia as vantagens da junção entre trabalho e ensino profissionalizante: “Eu concordo com a pesquisa, há, de fato, o enriquecimento da formação. Quando a pessoa trabalha, um curso traz novos pontos de vista, aprofundamento teórico e contato com outras pessoas da área”, explica.
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Ela diz que o ensino profissional do Brasil está em constante evolução, e que, se antes as ementas eram estritamente técnicas, hoje em dia, cursos profissionalizantes trazem abordagens teóricas que auxiliam estudantes de diversas áreas. A professora destaca as profissões de secretaria escolar, cujos profissionais podem se beneficiar em conhecer políticas públicas; e áreas da construção civil, como técnico de edificações, que devem proporcionar conhecimentos básicos de engenharia civil para se destacar no mercado.
Aprendizagem
Leiany da Silva Gomes, 25 anos, faz graduação em tecnologia em secretariado no IFB de São Sebastião. No contraturno, a jovem faz estágio no Senac, onde tem condições de aplicar na prática os conhecimentos obtidos no ensino superior, impulsionando seu desenvolvimento profissional: “Eu aplico no trabalho tudo que eu aprendo na faculdade. No estágio, faço atendimento ao público, mexo com documentos e e-mail corporativo. Eu busco sempre observar meus colegas”, diz.
A estudante fez o curso técnico em secretariado no Senac, e explica que ingressou no ensino superior para complementar o aprendizado acadêmico: “No Senac, era mais prático, no IFB é mais teórico”
E os “nem-nem”?
Os dados do Inaf não evidenciam só o potencial de trabalhar e estudar, eles expõem também a realidade oposta. Dois a cada 10 jovens entrevistados são “nem- -nem”, ou seja, não trabalham nem estudam, e entre eles, 47% têm níveis baixos de alfabetismo e 18% são analfabetos funcionais. O levantamento da população jovem também evidencia desigualdades raciais e de gênero da sociedade brasileira, onde negros de 15 a 29 anos possuem índices maiores de analfabetismo funcional (17% contra 13% em brancos), e menores índices de alfabetismo consolidado (40% contra 53%).
Ana Lima, coordenadora da pesquisa, destaca as dificuldades que mulheres “nem-nem” enfrentam no país, e explica que, apesar delas, em média, terem mais acesso à educação que homens, as jovens têm mais dificuldade de sair de posições desprivilegiadas, sem conseguir oportunidades de crescimento pessoal, por se ocuparem com afazeres domésticos. Os dados evidenciam esse problema: entre mulheres analfabetas funcionais, 42% não estudam nem trabalham.
Vencendo o ócio
A pedagoga Jennifer Medeiros, ressalta que o ensino profissionalizante pode ser uma ferramenta eficaz para deixar de ser “nem-nem”. Desde alunos que ficam desempregados após terminar a faculdade, até jovens que não sabem qual curso superior querem prestar, a professora conta que o IFB recebe diversos tipos de discentes.
A professora revela que alguns de seus alunos do IFB, por estarem indecisos quanto à escolha de ingressar no ensino superior, escolheram fazer curso técnico de secretaria escolar: “Como o curso tem uma base educacional forte, dois alunos meus resolveram fazer pedagogia no próprio IFB, e outro letras. É um percurso que para alguns faz muito sentido, utilizar a educação profissional para alavancar os estudos e depois entrar no ensino superior”, Ela explica que a duração menor do curso técnico, de um ano e meio, é a principal razão para a escolha de alunos indecisos.
A técnica em secretariado Izabel Cristina Soares Paz, 40 anos, é um exemplo de como o ensino técnico pode garantir empregabilidade. Izabel é formada em pedagogia, mas seguiu a carreira na área administrativa, como terceirizada em órgão público, até ser despedida em 2018.
Izabel conta que passou um ano desempregada, buscando oportunidades em agências do trabalho, sem ser contemplada. Foi uma amiga sua que sugeriu o IFB. “Eu tinha que sair do Recanto das Emas para ir para São Sebastião. Mas foi um divisor de águas na minha vida profissional”, conta Izabel, que atribui parte do seu sucesso profissional ao estágio que fez durante o curso de técnico em secretariado.
A trabalhadora lembra que, no período em que estava desempregada, perdeu a prática nas várias habilidades exigidas no trabalho de secretariado: “Até atender um telefone você perde a prática. E quando eu voltei para o ensino, estava completamente desatualizada. Fiquei sem saber se ainda conseguiria um emprego”. A profissional destaca as ferramentas de tecnologia, como conhecimentos de grande relevância para sua área de atuação.
Formada no IFB em 2020, hoje Izabel trabalha na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e sinaliza a formação no IFB como essencial para a a vida profissional dela: “Absolutamente, tudo que eu faço no dia a dia eles me ensinaram, foi realmente impressionante … Me encontrei no curso de secretariado, eu acho que isso é essencial, não adianta fazer um curso só pelo diploma”, finaliza a profissional.