Aluno de mestrado de arquitetura propõe transformar Parque das Sucupiras em memorial vivo do Cerrado
Dissertação de mestrado de aluno de arquitetura propõe transformar essa área verde,
que fica no Sudoeste e às margens do Eixo Monumental, em um memorial vivo do Cerrado
postado em 14/12/2025 06:00 / atualizado em 14/12/2025 06:00
Lopes: "O Parque pode adquirir esse caráter, associado ao Memorial dos Povos Indígenas, ao Memorial JK e à Praça do Cruzeiro" - (crédito: Arthur Dinis)
Da varanda, Fernando Lopes, 69 anos, vê as ameaças que há décadas marcam o Parque Ecológico das Sucupiras no Sudoeste. Quando mudou-se para o prédio, que vive até hoje, ficou feliz ao perceber que morava diante de uma área de Cerrado nativo. A vista, porém, mudou drasticamente ao longo do tempo. Entre lixos, incêndios e a ganância imobiliária, o morador foi pioneiro na luta pela preservação da área. Presidente da Associação Parque Ecológico das Sucupiras (Apes), Lopes é um dos moradores que seguem ativos na defesa do território, o qual teima em resistir à pressão urbana.
Depois de ler uma entrevista com o presidente para o Correio, e conversar pessoalmente com Lopes, Arthur Dinis, 25, teve uma ideia. Recém-formado em arquitetura pela Universidade do Porto, em Portugal, ficou inspirado a desenvolver, em sua dissertação de mestrado, a proposta de transformar o Parque Ecológico das Sucupiras em um memorial vivo do Cerrado. “De algum modo, ele (Lopes) comentou a vontade da associação de preservar o espaço diante da expansão do Sudoeste, que acontece lá do lado”, disse. “A partir dos meus estudos e da discussão entre a arquitetura e o patrimônio, pensei: ‘O que seria mais adequado para fazer o memorial do Cerrado, senão o próprio Cerrado vivo?’
Arthur Dinis: O Parque é 'despercebido' pelos brasilienses
(foto: Arquivo Pessoal)
Entretanto, o curioso é que a conexão entre os dois começou muito antes da pesquisa. Quando Dinis estava no ensino médio, Lopes era seu professor de história da arte no Colégio Militar de Brasília. “O meu contato com o parque começou com o Fernando.
O que é engraçado, porque passei boa parte da vida em Brasília, e só fui saber do espaço por conta dele, que citou o parque nas aulas”, brincou Dinis, ao dizer como o parque passa “despercebido” pelos brasilienses.
Por ter trabalhado como ilustrador, Lopes também ministrava aulas em uma oficina de ilustração na escola. “Arthur sempre gostou de desenhar. Mesmo estando no segundo ano do ensino médio e a turma sendo do terceiro, ele entrou do mesmo jeito”, comentou, ao falar do talento do ex-aluno. Após o período escolar, os dois voltaram a se encontrar. Dessa vez, unidos por um mesmo objetivo: fazer do parque um espaço valorizado, conhecido e capaz de narrar a história viva do Cerrado.
Ameaça imobiliária
Dia em que Dinis (2º da direita para esquerda) entregou a dissertação impressa para Lopes no Parque. Com eles, outros apoiadores da causa
(foto: APES/Tempo de Plantar)
Entre o Eixo Monumental e o bairro do Sudoeste, o Parque Ecológico das Sucupiras encontra-se em uma constante área de conflito. De um lado, defensores da preservação; do outro, a constante expansão imobiliária, o que faz com que o território sofra o risco de descaracterização.
Entre altos e baixos, o espaço — que protege uma área de 26,2925 hectares de Cerrado nativo — funcionava como zona de desova para materiais de construção, até o início dos anos 2000. Além de lixos espalhados, incêndios eram comuns para os moradores da região. “Pegava fogo todo o ano”, relembra Lopes. “Uma vez aconteceu de eu sair para apagar o fogo de sandália. Até os bombeiros me conheciam. Quando eu chegava lá, eles me olhavam e brincavam: tem que ser rápido, né?”
Além dos cheiros desagradáveis, o morador cita que a fumaça e as cinzas chegavam a entrar no apartamento. Foi a partir do desejo de mudar a situação, que ele, acompanhado de um grupo também inconformado, conseguiu a delimitação enquanto parque, em 2005, e, eventualmente, como unidade de conservação de uso sustentável em 2019. O movimento organizado culminou na Apes, que continua engajada na manutenção.
Com o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), órgão público responsável, a associação mobiliza- -se em torno do cuidado, da limpeza e dos esforços de restauração e preservação do Cerrado nativo do local. Apesar da iniciativa, por ser cercado por área urbana consolidada, a manutenção demanda um esforço constante.
Trilha dentro do Parque Ecológico das Sucupiras
(foto: Fernando Lopes)
A situação piorou com a pressão exercida pela recente expansão do bairro do Sudoeste sobre um antigo terreno adjacente. “O lote, que até então pertencia à Marinha do Brasil, guardava grande trecho de mata nativa. Em 2019, 14 hectares de mata fechada de Cerrado, cercados desde os tempos da construção de Brasília, foram derrubados para abrir caminho para a construção do que se tornou o ‘metro quadrado mais caro da cidade’”, explicou Dinis no texto.
O interesse de empreiteiras na região é antigo. Desde o início dos anos 2000, ocorrem projetos para a exploração imobiliária dos terrenos “vazios” no Plano Piloto. Após uma década e meia de disputa jurídica/política sobre a região, a construção das Quadras 500 do Sudoeste foi aprovada. E, por mais que a Apes assumiu à frente da disputa, os avanços do mercado imobiliário não pararam.
A proposta
Partindo da lógica urbanística do Plano Piloto, a dissertação prevê as quatro escalas do projeto de Brasília: monumental, residencial, gregária e bucólica. Por ser condicionado ao público, o parque se encaixa na escala bucólica. O que corresponde às áreas arborizadas, conferindo a Brasília um ambiente mais livre e verde.
A partir do dado, Dinis explica que a ideia consiste em usar a arquitetura como forma de preservar o espaço e as condições de habitação para todas as espécies. De acordo com o texto, “a compreensão do Cerrado como patrimônio natural aliada à proximidade do Parque em relação ao do Eixo Monumental — patrimônio arquitetônico de relevância internacional — representa uma oportunidade de propor a pergunta: se a manutenção dos biomas é condição para a qualidade da vida nas cidades e no planeta como um todo, não pode o Cerrado ser patrimônio arquitetônico?”
O objetivo é propor a inclusão do parque no circuito de monumentos e equipamentos culturais que compõem o Eixo Monumental, elevando-o à categoria de Memorial Vivo do Cerrado. A ideia é que a vegetação preservada, aliada à paisagem cultural e natural da cidade, passaria a compor a intersecção entre as escalas bucólica e monumental, configurando o trecho como um “monumento” que documenta a história ambiental de Brasília.
Vista da varanda do apartameto de Fernando Lopes
(foto: Fernando Lopes)
No texto, Dinis cita que, no decorrer da trajetória da capital, as adições feitas no circuito do Eixo Monumental refletem o contexto político de cada período. Para elaborar, ele cita: “Sérgio Bernardes, a mando do regime militar, cravou na Praça dos Três Poderes o ‘patriótico’ Pavilhão Nacional (1972); o caldo da redemocratização se opôs ao Memorial JK (1981), mausoléu do ‘bandeirante moderno’, ao Memorial dos Povos Indígenas (1984) nas imediações de onde reuniram-se para a ‘primeira missa’ da nova capital”
Desse modo, formalizar o parque como memorial pode materializar uma presença que faça frente a esses vetores que caracterizam Brasília. Marcando, assim, posição em relação ao apelo simbólico que representa o Eixo Monumental e a força do avanço imobiliário. Segundo Fernando Lopes, o Parque das Sucupiras pode, sim, adquirir esse caráter, associado ao Memorial dos Povos Indígenas, ao Memorial JK e à Praça do Cruzeiro.
Outra proposta é fazer uma espécie de cerca ao redor da área. A estratégia é utilizar uma malha metálica que remete a um mosquiteiro, ficando assim, o mais translúcido possível. A intenção, além de proteger sem sufocar o parque, é causar sensação de estranhamento aos brasilienses que passam no Eixo Monumental. Entretanto, Dinis deixa claro que “’monumentalizar’ o Cerrado pode dar a entender que a questão está resolvida, e não está”, disse ao refletir o perigo que o bioma corre.
Memorial Vivo
Pôr do sol no Parque Ecológico das Sucupiras
(foto: Fotos: Fernando Lopes)
De acordo com Dinis, a ideia é que o parque passe, também, a ser mais conhecido entre os brasilienses. Muitas vezes, ele acaba sendo ‘esquecido’. Escolhê-lo para o projeto também é tentar mudar um pouco isso, sabe? Para que as pessoas mais novas conheçam, se engajem, porque o pessoal que está tocando a associação faz isso há mais de 20 anos; então, é importante ter pessoas novas que assumam esse bastão”, afirmou.
Porém, relembra que o trabalho é apenas uma ponte para quem “de fato está colocando a mão na massa”. A ideia, além de dar palco ao trabalho de quem ajuda na manutenção, como a Apaes, é também conscientizar a respeito da importância do Cerrado. Dinis conclui que, assim como é importante informar a população sobre a Amazônia e Mata Atlântica, o bioma Cerrado deve ser lembrado. “A ideia é conscientizar e valorizar o meio ambiente. Acho que Brasília é o lugar perfeito para isso”.
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