EUA

Após insistir em recontagem, Trump se isola e sofre pressão por todos os lados

Democratas pedem ao FBI que investigue presidente por pressionar autoridade da Geórgia para "encontrar" votos que mudassem as eleições. Denúncia deixa republicanos mais divididos e pode levá-los a ratificar a vitória de Biden em sessão marcada para amanhã

Paloma Oliveto
postado em 05/01/2021 06:00
 (crédito: AFP  TASOS KATOPODIS / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
(crédito: AFP TASOS KATOPODIS / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)

Enquanto democratas pedem que o FBI — a polícia federal — abra uma investigação, os republicanos ficaram ainda mais divididos com a denúncia do The Washington Post de que, no sábado, Donald Trump tentou pressionar o secretário de Estado da Geórgia para fraudar o resultado das eleições. Na noite de segunda-feira, o jornal publicou a íntegra da ligação do magnata a Brad Raffensperger, que é do seu partido, supostamente incitando-o a “encontrar votos necessários” para que saísse vitorioso nesse que é um dos mais importantes colégios eleitorais dos EUA. A revelação foi feita na semana em que será escolhido o líder do Senado.

Em uma carta endereçada ao diretor do FBI, Chris Wray, os deputados Ted Lieu, da Califórnia, e Kathleen Rice, de Nova York, dizem que o conteúdo do telefonema exige uma investigação completa. “Como membros do Congresso e ex-promotores, acreditamos que Donald Trump se encaixa em uma série de crimes eleitorais. Pedimos que o senhor abra uma investigação criminal contra o presidente”, escreveram.

O líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy, saiu em defesa de Trump. Ontem, em uma entrevista à emissora Fox News, o deputado californiano justificou a ligação. “Temos que garantir que nossas eleições sejam responsáveis, íntegras e seguras”, disse. Trump insiste que venceu Joe Biden na Geórgia no telefonema com Raffensperger. Segundo a transcrição, ele disse: “Tudo o que quero fazer é isso. Só quero encontrar 11.780 votos, que é um a mais do que temos. Porque vencemos o estado.” Porém, os resultados certificados indicam que o presidente eleito é quem venceu, com 11.779 votos a mais.

Entrevistado ontem pela rede NBC, Raffensperger afirmou que achou inconveniente a ligação de Trump. Ele disse que “preferia não falar com ninguém quando estávamos em litígio”, em referência ao processo de Trump contra a Geórgia sobre os resultados das eleições. “Atendemos a ligação e conversamos. Ele fez a maior parte da conversa, nós ouvimos. Mas eu queria deixar claro que os dados que ele tem estão simplesmente errados. É bastante óbvio, desde o início, que desmascaramos cada uma dessas teorias (sobre fraude) que existiam, mas o presidente Trump continua a acreditar nelas.”

Em uma coletiva de imprensa, ontem, Gabriel Sterling, gerente de implementação do novo sistema de votação da Geórgia, também refutou as alegações feitas por Trump sobre fraude nas eleições no estado. “Tudo isso é falso, mas o presidente insiste”, disse Sterling. “E, ao fazer isso, ele mina a fé dos georgianos no sistema eleitoral, especialmente os republicanos georgianos nesse caso (…) Temos uma grande eleição amanhã (hoje) e todos merecem ter seu voto contado, sejam republicanos ou democratas.”

Certificação

Às vésperas da sessão conjunta do Congresso, quando os republicanos da Câmara dos Representantes deverão se opor à contagem dos votos segundo a qual Joe Biden foi eleito presidente dos EUA, o democrata Hank Johnson tuitou que pretende apresentar uma resolução de censura a Trump pelo que chamou de “violação contra uma lei federal e estadual”. “Trump deve renunciar agora!”, escreveu. “O desprezo de Trump pela democracia ficou evidente”, disse à agência France-Presse (AFP) o deputado democrata Adam Schiff. Debbie Wasserman Schulz, congressista do mesmo partido, chamou o presidente de “desesperado e corrupto”.

O descontentamento com a atitude de Trump também foi expresso por vários republicanos. Na noite de domingo, o congressista Adam Kinzinger, do partido do presidente, pediu, pelo Twitter, que os colegas não apoiem a rejeição aos resultados eleitorais — Biden venceu por 306 votos a 232. Embora os deputados e senadores não tenham o poder de impugnar esse resultado, a avaliação de especialistas é de que a não certificação por parte dos republicanos vai tornar mais difícil a missão do presidente eleito, de “unir o país”. Por enquanto, 12 congressistas pretendem refutar a eleição de Biden.

Em um comunicado, o senador republicano Rob Portman afirmou que apoiará a certificação. “Pretendo honrar esse juramento apoiando o estado e a vontade do povo. Vou votar para certificar de acordo com meu dever e de acordo com a Constituição. Não posso apoiar que o Congresso frustre a vontade dos eleitores.” Citada pela CNN, a deputada Liz Cheney, a terceira na liderança republicana, disse que pedirá aos colegas para certificar o resultado das eleições e classificou a tentativa de interferência de Trump na Geórgia de “profundamente preocupante e perturbadora”.

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Democracia prejudicada

 (crédito: Universidade de Cornell/Divulgação)
crédito: Universidade de Cornell/Divulgação

“O procedimento democrático provavelmente se manterá nesta semana, mas o espírito da democracia está prejudicado. Em primeiro lugar, em um telefonema no sábado para o secretário de Estado da Geórgia, o presidente mostrou que a linguagem da ameaça era mais natural para ele do que a linguagem da governança democrática — ele pediu para ter votos ‘encontrados, ou então’... Isso é uma ameaça. Em segundo lugar, 12 senadores americanos aderiram ao movimento do presidente para segurar a certificação dos votos eleitorais, mostrando que o oportunismo ousado (Josh Hawley e Ted Cruz estão olhando para 2024) teve precedência sobre o que pelo menos aqueles dois deveriam ter aprendido sobre a Constituição na escola. Terceiro, o presidente convocou um comício de seus apoiadores para começar às 9h de 6 de janeiro para ‘Parar o Roubo’ — anunciado como o ‘maior evento da história de Washington DC’, garantindo que alguma forma de violência pública ocorra antes da sessão.”

Mabel Berezin, professora de sociologia da Universidade Cornell e especialista em populismo internacional e fascismo

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