Crise Uigur

Defender uigures ou vender na China, o dilema da indústria têxtil ocidental

Os pedidos de boicote são pela produção de algodão da província de Xinjiang, de maioria uigur

Agência France-Presse
postado em 30/03/2021 09:44 / atualizado em 30/03/2021 09:46
 (crédito: STR)
(crédito: STR)

Pressionadas pela China a renegar a causa uigur, grandes marcas de roupas estão diante de um complicado dilema: como satisfazer os consumidores ocidentais mais exigentes sobre a ética sem fechar as portas para a segunda maior potência econômica mundial?

"Esta disputa é kafkiana. É a primeira vez que as reações na China são simultâneas, entre a Liga das Juventudes Comunistas (vinculadas ao partido que governa o país e promove a campanha de boicote), as plataformas de vendas on-line, os consumidores e os influenciadores", resume à AFP Eric Briones, cofundador da Paris School of Luxury.

A causa do conflito é o algodão: 20% da produção mundial vem da China, principalmente da província de Xinjiang, de maioria uigur, uma minoria muçulmana reprimida e explorada por Pequim, de acordo com os ativistas dos direitos humanos - algo que o governo chinês nega.

Na semana passada, após as sanções de Reino Unido, União Europeia, Estados Unidos e Canadá contra a China pelo tratamento aos uigures, a rede social chinesa Weibo registrou várias mensagens que recordaram os compromissos anunciados em 2020 por vários gigantes da indústria têxtil, como H&M, Nike e Uniqlo, de não comprar algodão de Xinjiang.

Este foi o ponto de partida de uma campanha de pedidos de boicote contra Nike, H&M, Adidas e Zara, entre outras marcas.

Alguns produtos destas empresas foram retirados das principais plataformas chinesas de vendas on-line. Paralelamente, atores e cantores anunciaram que não serão mais embaixadores de imagem destes grupos ocidentais.

"Se é uma marca comprometida e decide dar um passo atrás, perde toda credibilidade. E se mantém a posição, a empresa fica privada do mercado chinês, que é o pulmão da economia mundial", afirma Eric Briones.

"Mas, se estas marcas precisam da China, a China precisa delas?", pergunta o analista, que cita o exemplo da Nike, cujas vendas trimestrais cresceram 51% no gigante asiático e apenas 3% em nível mundial.

Crucial para o setor de luxo, o mercado chinês também é fundamental para a moda de preços baixos, a denominada "fast fashion", e o sportswear.

As roupas esportivas da Nike e da Adidas são vendidas em milhares de lojas no país. No ano passado, o grupo americano registrou na "Grande China" (incluindo Hong Kong e Macau) 18% de seu volume anual de negócios.

- "Intimidação" -


A China é o quarto principal mercado para o grupo sueco H&M, país em que abriu mais de 500 lojas e registrou quase 280 milhões de euros em vendas no último trimestre de 2020. Seu grande rival, o grupo espanhol Inditex, matriz da Zara, tem 337 lojas no país.

"A China surpreendeu o mundo com esta disputa: isto mostra que a pressão política internacional começa a dar frutos. Está claro que é uma intimidação para ver até onde as marcas serão capazes de chegar", disse Nayla Ajaltouni, coordenadora do coletivo Ética sobre a Etiqueta.

Ajaltouni é a representante na França da coalizão internacional End Forced Labour in the Uyghur Region ("Acabar com o Trabalho Forçado na Região Uigur", em tradução livre), que reúne 180 ONGs e sindicatos e que pede em um comunicado às marcas que "não mudem seus princípios sobre os direitos humanos para conservar uma vantagem comercial".

A coalizão afirmou que, após os pedidos de boicote chinês, algumas marcas "recuaram" em seus compromissos sobre o trabalho forçado, retirando comunicados de imprensa, ou modificando suas posições. Uma delas é o grupo Inditex, que deixou de mencionar especificamente Xinjiang em seus princípios de "tolerância zero" publicados em seu site, de acordo com o grupo que luta contra o trabalho forçado na região.

Embora a H&M tenha declarado que não apoia "nenhuma posição política", a maioria das marcas permanece em silêncio, esperando que o momento passe. Uma das poucas que tomou partido foi a rede italiana de roupas OVS (1.750 lojas). Na sexta-feira, o grupo anunciou que vai parar de comprar algodão de Xinjiang e pediu a outras empresas que "não cedam às pressões e escolham seu campo: direitos humanos, ou interesses comerciais".

"É necessário manter a calma, já que o boicote é digital no momento, e as lojas físicas estão abertas", afirmou Briones.

O analista recorda que "no momento, isto não afeta o setor de luxo, apenas o 'fast fashion' e o sportswear, setores em que as marcas chinesas são cada vez mais fortes". Algumas, como Anta, ou Li Ning, subiram na Bolsa de Hong Kong e registraram a maior cotação em um mês.

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