Centenas de milhares de estudantes e professores birmaneses boicotearam nesta terça-feira (1/6) a reabertura das escolas para protestar contra a junta militar e sua violenta repressão.
Há mais de um ano, a escola do ensino básico em que Shwe Nadi era professora em Yangon, capital econômica do país, estava fechada devido à pandemia de coronavírus.
A professora não pode trabalhar porque foi demitida depois que aderiu à campanha de desobediência civil contra o regime militar.
O colégio retomou as atividades nesta terça-feira, quatro meses depois do golpe de Estado que derrubou o regime de Aung San Suu Kyi, mas as aulas correm o risco de permanecer vazias.
"Não tenho medo de ser detida ou torturada", afirmou Shwe Nadi, que utiliza um nome fictício. "De nenhuma maneira iria ensinar propaganda aos alunos".
A junta militar demitiu quase 150.000 professores que aderiram à resistência, o que representa um terço do total, segundo a imprensa local.
Alguns foram detidos e acusados com base em uma lei que proíbe a incitação de revoltas ou a violação do dever nas Forças Armadas.
Mianmar está em crise desde o golpe de Estado de 1º de fevereiro que acabou com um período democrático de 10 anos. Grandes manifestações foram organizadas e confrontos registrados entre os militares e as milícias cidadãs. Também retornou a violência em áreas de minorias étnicas.
Os professores foram um dos primeiros grupos a protestar contra a junta.
Muitos docentes apoiaram a convocação de greve de trabalhadores do setor ferroviário, médicos, engenheiros e operários, movimento que paralisa setores inteiros da economia.
"Pelo menos, minha alma permanece pura", afirmo uma professora do estado de Mon (sudeste), que pediu anonimato.
A jovem não recebe salário há meses, mas se recusa a voltar a dar aulas após a extrema violência das forças de segurança, que mataram nos últimos meses pelo menos 840 civis, incluindo adolescentes e crianças.
"Traidores"
Muitos estudantes também participam no boicote.
No fim de maio, dois dias antes do fim do período de matrícula, 90% deles não estavam registrados em um centro de ensino, de acordo com a publicação Myanmar Now. Muitos pais temem que os filhos sejam doutrinados.
Na cidade de Sittwe (oeste), Htay Htay San é uma das poucas mães que levou os filhos à escola, entre fortes medidas de segurança.
"Está aberto, então eles vêm, mas ninguém sabe o que vai acontecer", admite.
Em todo o país foram organizadas manifestações para desencorajar as famílias a levar os filhos para as escolas.
"Não vá para a escola! Saia da escola!", gritou um grupo de manifestantes em Yangon, com a saudação de três dedos, um símbolo de resistência.
Também foram registradas mensagens nas fachadas de algumas escolas. Em um colégio do Ensino Médio da região central do país, os manifestantes escreveram: "Não queremos professores que sirvam aos militares escravagistas" e "Não queremos traidores".
Na segunda-feira (31/5), um professor que se negou a aderir à campanha de desobediência civil foi assassinado por agressores não identificados, segundo a publicação independente DVB.
Algumas universidades reabriram no início de maio, mas as aulas permanecem vazia.
"Nenhum amigo veio à aula", declarou um jovem em Mawlamyine (sul), cenário de uma repressão brutal das forças de segurança em fevereiro.
"Geração ameaçada"
"Mais de 12 milhões de crianças e jovens birmaneses não têm acesso ao ensino organizado há mais de um ano", lamentaram UNICEF, UNESCO e a ONH Save The Children no fim de maio em um comunicado conjunto.
"A falta de acesso a uma educação segura e de qualidade ameaça criar uma geração inteira que não terá a oportunidade de aprender".
O governo de unidade nacional, formado por opositores ao regime que passaram à clandestinidade, busca uma solução. Em maio anunciou que trabalha na criação de um sistema educacional paralelo.
A imprensa oficial afirmou que a semana de matrículas em maio não registrou problemas. Mas o regime ameaçou: "Perturbar a abertura de estabelecimentos (escolares) é um ato que equivale à destruição do país".
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