COMPLÔ MISTERIOSO

Haiti: governo interino pede ajuda de tropas à ONU e EUA, após morte de presidente

Bogotá e Porto Príncipe asseguram que 28 colombianos, incluindo 17 ex-militares, mataram o presidente Jovenel Moïse. Políticos da ilha e um informante sustentam que o grupo chegou ao local do crime quando ele estava morto. Ministro pede tropas à ONU

Rodrigo Craveiro
postado em 10/07/2021 06:00
Imagem de gravação de vídeo obtida pelo gabinete do primeiro-ministro interino, Claude Joseph, mostra suspeitos de torturar e assassinar o líder -  (crédito: AFP)
Imagem de gravação de vídeo obtida pelo gabinete do primeiro-ministro interino, Claude Joseph, mostra suspeitos de torturar e assassinar o líder - (crédito: AFP)

Um presidente torturado e assassinado com 12 tiros dentro de sua casa, na madrugada de quarta-feira passada. Um grupo de 28 supostos mercenários — entre eles, 26 colombianos (17 ex-militares) e dois norte-americanos — apresentado pelas autoridades do Haiti como responsável pelo crime. Uma versão colocada em xeque por informantes em Porto Príncipe e por políticos haitianos, que negam o envolvimento dos estrangeiros e culpam os seguranças do presidente Jovenel Moïse.

O magnicídio que chocou o Haiti e a comunidade internacional permanece um mistério. O clima de tensão levou o governo interino a pedir aos EUA e à ONU o envio de tropas para proteger aeroportos, portos e outras instalações. “Pensamos que os mercenários poderiam destruir infraestrutura e criar caos”, justificou à agência France-Presse o ministro das Eleições, Mathias Pierre.

Um informante da ilha caribenha contou ao jornal El Tiempo, da Colômbia, que as câmeras de segurança apontam que o chefe de Estado foi morto por volta de 1h (2h de Brasília) do dia 7, na residência oficial. Outras imagens captaram a chegada dos 28 estrangeiros, entre 2h30 e 2h40 — mais de 90 minutos após o assassinato. Autoridades de Porto Príncipe e de Bogotá asseguram que o grupo matou Moïse.

Em meio ao provável envolvimento de cidadãos de seu país, o presidente da Colômbia, Iván Duque, anunciou o envio de missão de inteligência da polícia e de agentes da Interpol ao Haiti para auxiliar nas investigações. Ontem, a Embaixada de Taiwan revelou que 11 suspeitos invadiram a representação, na capital haitiana, mas foram detidos.

As autoridades da Colômbia divulgaram fotos e nomes de 13 dos supostos mercenários. Quatro deles fizeram turismo em Punta Cana, na República Dominicana, em 4 de junho e, depois, viajaram para Porto Príncipe. Dois dos envolvidos, Duberney Capador e Germán Alejandro Rivera, embarcaram em 6 de maio para o Panamá e de lá para Santo Domingo — quatro dias depois, pegaram um voo para o Haiti. O El Tiempo publicou que o suspeito Manuel Antonio Grosso Guarín é um dos “militares mais bem preparados do Exército colombiano”. Chegou a receber treinamento em um comando especial com instrutores dos EUA. Ele postou, no Facebook, fotos em pontos turísticos da República Dominicana.

Uma mulher que se disse esposa de Francisco Eladio Uribe, um dos colombianos presos, contou que uma empresa ofereceu ao marido US$ 2.700 para que passasse a integrar o grupo. Uribe deixou o Exército em 2019 e é acusado de envolvimento no escândalo dos “falsos positivos”, no qual oficiais executaram mais de 6 mil civis entre 2002 e 2008 para fazê-los passar por vítimas do conflito colombiano.

Em entrevista à rádio colombiana W, Steven Benoit, ex-senador e ex-candidato da oposição à Presidência do Haiti, declarou que Jovenel foi morto pelos próprios seguranças e garantiu que os colombianos seriam vítimas de uma armadilha. “No mês passado, anunciou-se a chegada ao país de um comando especial de especialistas colombianos que assessorariam as forças militares em estratégias de segurança. Isso me leva a pensar que os colombianos não são responsáveis pelo assassinato”, disse Benoit. “Moïse foi morto por seus seguranças.” O informante afirmou ao El Tiempo que os colombianos teriam socorrido a primeira-dama, Martine Moïse, e a filha do casal, Jomarlie.

Doutor em estudos latino-americanos e professor de análise política da Universade do Estado do Haiti, Elinet Daniel Casimir acredita na possibilidade de que os 28 militares participaram de duas missões no mesmo espaço-tempo. “A primeira delas era para lutar contra gangues de Porto Príncipe. A segunda, para assassinar o presidente”, explicou ao Correio. “Precisamos que a Justiça lance luz sobre este crime vergonhoso o mais rápido possível.” Ele afirmou que os colombianos podem ter sido contratados para enfrentar os grupos armados ilegais e, depois, recontratados para o magnicídio.

Eu acho...

“No sentimento do povo haitiano, os mercenários são secundários. Existe uma grande confusão da opinião pública sobre o grau de responsabilidade dos colombianos no assassinato do presidente. Infelizmente, a presença de tropas da ONU e dos EUA em meu país não vai resolver o problema. Pelo contrário, a situação vai piorar. Vivemos sob ocupação por 34 anos. Nada mudou no Haiti. A nação conheceu várias missões de paz e isso só trouxe mais problemas políticos. A solução seria as elites aceitarem suas responsabilidades.”

Vogly Nahum Pongnon, doutor em ciências sociais e professor da Universidade do Estado do Haiti (em Porto Príncipe)


“Creio ser preciso considerar sinais de hermenêutica e de comunicação política. Por um lado, os assassinos do presidente Jovenel Moïse seriam mercenários profissionais conscientes, que deveriam cumprir uma missão para a qual foram contratos por algumas autoridades haitianas ligadas a certos setores políticos. Eles submeteram suas capacidades técnicas a serviço de antinacionalistas e anticonstitucionalistas. Por outro lado, parece que os ex-militares colombianos são vítimas de uma encenação política de atores haitianos sedentos pelo poder. Os colombianos são ignorantes em relação a cultura e ao espaço político do povo do Haiti. Não donimam a teoria do complô no qual se meteram.”

Elinet Daniel Casimir, 48 anos, doutor em estudos latinoamericanos e professor de análise política da Universidade do Estado do Haiti, em Porto Príncipe

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