EUROPA

Sobreviventes de massacre em Oslo alertam sobre expansão de extremismo no mundo

Há uma década, movido pela ideologia da ultradireita, Anders Breivik explodia um carro-bomba em Oslo, capital da Noruega, e matava 69 jovens na Ilha de Utoya. Sobreviventes falam ao Correio e alertam sobre a expansão do radicalismo no planeta

Rodrigo Craveiro
postado em 22/07/2021 06:00
Sam Muyizzi, 42 anos, advogado, morador de Kampala (Uganda). Em 22 de julho de 2011, estava na Ilha de Utoya (ao fundo) a convite do Partido Trabalhista da Noruega -  (crédito: Arquivo pessoal)
Sam Muyizzi, 42 anos, advogado, morador de Kampala (Uganda). Em 22 de julho de 2011, estava na Ilha de Utoya (ao fundo) a convite do Partido Trabalhista da Noruega - (crédito: Arquivo pessoal)

Dez anos depois do massacre que chocou a Noruega e o mundo, a ameaça representada por fanáticos da extrema-direita segue viva. O advogado ugandense Sam Muyizzi, hoje com 42 anos, ficou de frente com a morte naquele 22 de julho de 2011, na Ilha de Utoya, 40km a noroeste de Oslo. “Até hoje, os rostos daqueles jovens perseguem minha memória. Vi pelo menos 15 deles serem assassinados. Ainda fico em choque com as lembranças daqueles garotos baleados, mortos dentro da água, com sangue por toda a parte”, relata. O norueguês Vegard G. Wennesland, 37, conseguiu se esconder em uma construção, enquanto o militante de extrema-direita Anders Behring Breivik descarregava a pistola Glock e o rifle automático, aleatoriamente, contra os cerca de 700 estudantes, os organizadores e os convidados do acampamento de verão da juventude do Partido Trabalhista. “Tive sorte. Fui resgatado pela polícia, mas vi vários amigos tombarem a apenas 50m de mim”, disse. Sobreviventes e um especialista em extremismo de direita falaram ao Correio sobre o perigo representado pelo fanatismo político e pelo ódio.

Antes de desembarcar na ilha, disfarçado de policial, Breivik enviou um manifesto para 1.002 e-mails de políticos e jornalistas da Noruega, e explodiu um carro-bomba diante de prédios do governo, no centro da capital. Oito pessoas morreram no atentado em Oslo, e 69, em Utoya — a maioria das vítimas era de estudantes de 14 a 18 anos. A georgiana Natia Chkhetiani, 33, se lembra que, naquele 22 de julho chuvoso, acompanhava a visita do ex-premiê Gro Harlem Brundtland a Utoya. “Depois de sabermos da explosão em Oslo, pediram que telefonássemos para casa e avisássemos nossos pais que estávamos em segurança. Depois de fazer isso, fui ao banheiro e, quando retornei, vi que minha amiga Tamta Liparteliani não estava mais ali. Enquanto eu procurava por ela, me deparei com adolescentes correndo em diferentes direções. Pude escutar um barulho ao fundo, mas não sabia do que se tratava”, conta Natia. “Comecei a correr e a me esconder, sem saber o que acontecia. No caminho, encontrei muitas pessoas feridas e corpos. Foi aí que entendi que algo horrível estava ocorrendo.”

De forma pausada e ofegante, ela relata que, 90 minutos depois, soube que a compatriota e amiga Tamta tinha sido assassinada. “Ela foi uma das últimas vítimas do terrorista. Dez anos se passaram e o que mais me amedronta é ver a ascensão do extremismo de direita na Noruega, na Europa e ao redor do mundo”, desabafa Natia. “É um poder perigoso, que deveria ser combatido com mais inclusão, mais diálogo e mais compreensão dos motivos pelos quais as pessoas aplaudem os valores que esses extremistas defendem.” Para ela, cabe aos membros das comunidades locais visitar os vizinhos e fazer tudo o que estiver ao alcance para que eles se sintam excluídos. “A segregação é a força motriz rumo ao extremismo”, adverte. Natia enviou uma foto, tirada em Utoya, em que aparece sorridente ao lado de Tamta.

Então secretário-geral do partido Democratas Jovens de Uganda (UYD), Sam Muyzzi estava em Utoya a convite do Partido Trabalhista da Noruega para participar de seminários e discussões sobre política internacional. “O que mais me chocou foi o pânico no olhar das pessoas. Quando fugi para a mata, me escondi em uma gruta,. Peguei o celular e vi que não havia rede. Ninguém sabia onde eu estava. Vi Breivik de perto. Ele veio e disse para que confiássemos nele, que era da polícia. Os garotos começaram a sair de seus esconderijos e foram executados.”

Mensagem

O ugandense acredita que a mensagem de Breivik foi clara. “Ele era contra o multiculturalismo, a contaminação da cultura norueguesa. Acreditava que a Noruega estava sob ameaça da islamização e da política migratória”, avalia. Depois do pronunciamento do ex-premiê Brundtland, Sam faria um discurso sobre o multiculturalismo. “Breivik seguia uma ideologia de extrema-direita, bem forte na Europa, apesar das políticas inclusivas do continente e do apelo à liberdade de expressão. As visões políticas de extrema-direita têm ganhado terreno, mesmo entre os mais jovens”, alerta.

Hoje consultor do Fellesforbundet, uma organização sindical do comércio baseada em Oslo, Vegard G. Wennesland faz um apelo ao mundo. “Jamais se esqueça, do que ocorreu em Utoya, mantenham o foco na luta contra o extremismo de direita. Devemos isso aos meus colegas que foram mortos”, opina. Ele não tem dúvidas de que ideias radiciais de direita tornaram-se mais comuns na Noruega e na Europa, ao longo da última década. “As visões extremistas são mais frequentes, especialmente na internet”, lamenta.

» Eles escaparam do horror

“Depois de 10 anos, as memórias daquele dia me perseguem e me impactam. Continuei a participar de debate sobre sociedade do bem-estar social, como a Noruega. A ideia de me envolver na luta contra o ódio e as visões extremistas é algo grandioso. O ódio deveria ser combatido com mais democracia, mais inclusão e mais consciência, especialmente entre os mais jovens.” Sam Muyizzi, 42 anos, advogado, morador de Kampala (Uganda). Em 22 de julho de 2011, estava na Ilha de Utoya a convite do Partido Trabalhista da Noruega.

“Em 2019, tivemos outro ataque de um militante da extrema-direita contra uma mesquita. Vemos a situação na Hungria, na Polônia, no Brasil e na Geórgia, meu país natal, onde o extremismo de direita está em ascensão. Esse tipo de coisa não deveria ser apresentado em comícios formais. Ele também está presente no ódio dirigido à comunidade LGBTQIAP+ e a diferentes grupos que representam a diversidade na sociedade.” Natia Chkhetiani, 33 anos. Trabalhava com diversidade e inclusão, no acampamento de Utoya. Na foto, aparece com a amiga Tamta Liparteliani, assassinada por Breivik.

“Acho que as autoridades têm que fazer mais para deter o extremismo. Mas nós mesmos também podemos fazer muito. Procurar conversar com alguém que pareça envolvido no processo de radicalização. Envolver-se mais em discussões públicas.” Vegard G. Wennesland, 37 anos, consultor de uma organização sindical do comércio em Oslo. Era um estudante, à época do massacre.

» Palavra de especialista

Mudanças de padrão

Jacob Aasland Ravndal

“Há dois padrões de evolução do extremismo de direita. O número de ataques fatais anuais, no oeste da Europa e nos EUA, caiu nas últimas três décadas. Há menos ações letais. Ao mesmo tempo, esses atentados envolvem baixas em massa. Isso reflete nova tendência no modus operandi. Há menos ataques fatais, mas eles se tornam mais mortíferos. Nos anos 1990 e 2000, a violência veio mais de skinheads e de grupos informais. Agora, os perpetradores são, na maioria, lobos solitários.
Isso dificultou a ação dos serviços de inteligência. Há um sentimento de que os governos não têm dado a devida importância ao extremismo de direita, ofuscado pelo terrorismo islamita. No entanto, é mais complicado identificar e combater ações de lobos solitários. Por não fazerem parte de um grupo, tornam-se difíceis a vigilância e a infiltração. Na maioria dos países europeus, houve grande atenção a essa ameaça. É preciso facilitar o diálogo com pessoas com ligações próximas a potenciais lobos solitários. É muito importante combater todo comportamento extremista ilegal. Provavelmente, teremos mais ataques com os de Oslo e de Utoya.” Especialista do Centro para Pesquisa sobre Extremismo (C-REX) da Universidade de Oslo.

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