Às vésperas da saída das tropas norte-americanas do Afeganistão, prevista para amanhã, os talibãs se comprometeram a permitir que estrangeiros e afegãos com autorização deixem o país, mesmo depois da retirada militar. Em um comunicado conjunto, quase 100 países — incluindo Alemanha, França, Reino Unido e EUA — informaram ter recebido “garantias” de que todos “poderão viajar de forma segura e ordenada aos pontos de partida”. Brasil, China e Rússia não estão entre os signatários. Em seus últimos movimentos de desocupação, o Pentágono afirmou ter realizado um ataque com drones a um veículo carregado de explosivos em Cabul, aumentando a tensão na capital afegã.
A ofensiva teve como objetivo proteger o aeroporto do Estado Islâmico de Khorasan, o ISIS-K, disse Bill Urban, porta-voz do Comando Central norte-americano. “Estamos verificando a possibilidade de vítimas civis”, disse ele, acrescentando que “as explosões secundárias significativas do veículo indicaram a presença de uma quantidade substancial de material explosivo”. Na quinta-feira, um ataque suicida no aeroporto reivindicado pelo ISIS-K matou mais de 100, incluindo 13 soldados norte-americanos. No sábado, em represália à ação, os EUA anunciaram a morte de dois extremistas.
O aeroporto de Cabul, última área controlada pelas forças estrangeiras, não registra mais as imagens caóticas de milhares de pessoas desesperadas tentando sair do país. Criticado internamente e no exterior pela gestão da retirada do Afeganistão, Biden se comprometeu a respeitar a data-limite. França e Reino Unido defenderão, hoje, em um encontro do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, a criação de uma zona segura em Cabul para permitir a continuidade das operações humanitárias após 31 de agosto, afirmou o presidente francês, Emmanuel Macron.
Sem reconhecimento
“Isso estabeleceria um marco às Nações Unidas para atuar em caráter de urgência e permitiria, sobretudo, a cada um assumir suas responsabilidades e à comunidade internacional manter a pressão sobre os talibãs”, disse o presidente francês. Macron afirmou que as conversas com o Talibã para a retirada de franceses do país não significa o reconhecimento do governo dos radicais islâmicos. “Estamos realizando operações para as evacuações no Afeganistão. Os talibãs são os que detêm o poder... Devemos ter conversações do ponto de vista prático. Isso não significa que haverá reconhecimento”, garantiu à emissora de televisão TF1. A França retirou cerca de 3 mil pessoas do país.
Já o assessor de segurança nacional de Joe Biden, Jake Sullivan, disse que os norte-americanos que tiverem optado por permanecer até agora no Afeganistão poderão sair do país quando quiserem. Há cerca de 300 cidadãos dos EUA que ainda não retornaram. “Vamos nos assegurar de ter um mecanismo para tirá-los do país se quiserem voltar no futuro”, declarou à emissora Fox, garantindo que “os talibãs se comprometeram” nesse sentido. Quase 114 mil pessoas de diversas nacionalidades, inclusive afegãs, foram retiradas do país desde que os radicais assumiram o poder, em 15 de agosto.
Homenagens
Na manhã de ontem, na Base Aérea de Dover, Biden e a mulher, Jill, receberam os corpos dos 13 norte-americanos mortos no ataque de quinta-feira. Com a mão no peito, o presidente observou a descida de cada um dos caixões carregados pelos soldados em direção aos veículos, às vezes baixando a cabeça em meditação.
As famílias estavam distantes das câmeras. Pouco antes da cerimônia, a delegação embarcou no enorme avião militar C-17 que transportava os 13 caixões para uma oração fúnebre particular. Cinco dos soldados mortos tinham 20 anos, a duração da guerra no Afeganistão, a mais longa travada pelos EUA.
A cerca de duas horas de Washington, a base de Dover tem sido, há décadas, cenário do retorno de militares mortos. Esses momentos, muitas vezes, afetaram a imagem de presidentes americanos que travaram guerras impopulares, a ponto de certas cerimônias terem sido fechadas. No poder há sete meses, Biden viu sua popularidade, relativamente estável, cair para menos de 50% após a tomada de Cabul pelo Talibã.
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Líder vai aparecer
O líder supremo do Talibã, mulá Hibatullah Akhundzada, está em Kandahar, e deve aparecer em público “em breve”, disse, ontem, o porta-voz do movimento fundamentalista, Zabihullah Mujahid. Especializado em questões religiosas e judiciais, o nome de Akhundzada começou a ser ouvido em maio de 2016, quando substituiu o mulá Mansur, morto em um ataque americano com drones no Paquistão. Tradicionalmente, os talibãs deixam seu líder supremo nas sombras. O fundador do grupo, mulá Omar, levava uma vida de asceta e apenas foi visto na capital afegã durante o anterior período de governo do grupo, nos anos 1990.
Mulheres poderão estudar
O ministro do Ensino Superior Talibã disse, ontem, que mulheres afegãs poderão estudar nas universidades, mas as aulas mistas serão proibidas sob seu mandato. O grupo islâmico radical, que tomou o poder em meados de agosto, prometeu agir de forma diferente do regime anterior — entre 1996 e 2001 — , quando pessoas do sexo feminino eram proibidas de ir à escola.
“O povo do Afeganistão continuará tendo ensino superior de acordo com as regras da sharia (lei islâmica) que proíbe classes mistas”, declarou Abdul Baqi Haqqani em uma assembleia conhecida como Loya Jirga. Ele disse que o Talibã exige “a criação de um programa educacional razoável que seja consistente com nossos valores islâmicos, nacionais e históricos e, por outro lado, seja capaz de competir com outros países”. Homens e mulheres jovens também serão segregados nas escolas primárias e secundárias.
O Talibã diz que defende o respeito aos avanços nos direitos das mulheres, mas apenas de acordo com sua interpretação estrita da lei islâmica. Se elas serão capazes de trabalhar, se instruir em níveis elevados e se misturar com os homens são algumas das perguntas mais frequentes feitas pelos observadores.
Ceticismo
A mudança de atitude do movimento fundamentalista é vista com ceticismo, e muitos se perguntam se o governo cumprirá suas promessas. Nenhuma mulher, por exemplo, esteve presente na reunião de ontem em Cabul, que contou com a presença de outros altos funcionários talibãs. O ministro “falou apenas com professores e alunos do sexo masculino”, disse uma estudante que trabalhou na cidade universitária durante o último governo. Segundo ela, isso mostra “a prevenção sistemática da participação das mulheres nas decisões e a distância entre as palavras do Talibã e suas ações”.
Americanos revivem pesadelo do Katrina
Fortalecido durante a madrugada, o potente Furacão Ida, de categoria 4, atingiu a costa do estado americano de Louisiana pouco após o meio-dia de ontem (14h de Brasília), com ventos de até 240 km/h. Considerado extremamente perigoso, o fenômeno acontece exatamente 16 anos depois de o Katrina destruir essa região do sul dos Estados Unidos, provocando mais de 1,8 mil mortes e prejuízos superiores a US$ 2 bilhões. “Encontre o ambiente mais seguro da sua casa e fique ali até que a tempestade tenha passado”, tuitou o governador John Bel Edwards.
Dividindo sua atenção entre o Afeganistão e o Ida, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alertou que o furacão poderá ter consequências gravíssimas. “A devastação será, provavelmente, imensa”, assinalou, acrescentando que Ida impõe uma “ameaça à vida”.
Biden pediu que a população esteja preparada para ficar sem eletricidade. “Pode levar muito tempo para que o serviço se restabeleça, semanas, em alguns lugares”, disse. “Assim que a tempestade passar, vamos colocar toda a potência do país no resgate e na recuperação”, prometeu. No início da tarde de ontem, segundo o site poweroutage.us, mais de 120 mil pessoas estavam sem energia elétrica
Cerca de 500 trabalhadores de equipes de emergência federais foram deslocados para o Texas e para a Louisiana. Por volta das 12h locais, algumas regiões da localidade de Grand Isle, em uma ilha-barreira situada ao sul de Nova Orleans, começaram a inundar pelo aumento do nível das águas, segundo a CNN.
Teste importante
O nível do mar estava mais de um metro e meio acima do habitual em vários locais, conforme o Centro Nacional de Furacões (NHC). O governador Edwards advertiu que Ida será “um teste importante” para o sistema de prevenção de inundações do estado.
Chuvas e ventos fortes já eram sentidos desde a manhã nas ruas desertas de Nova Orleans, em uma cidade com janelas protegidas com tapumes e sacos de areia à espera do Ida. Para muitos especialistas, trata-se do mais forte furacão a atingir a Louisiana desde a década de 1850.
Em meio às advertências urgentes sobre possíveis danos catastróficos, a maioria dos moradores seguiu as recomendações das autoridades de deixar a região. Um recorde de pessoas engarrafaram as rodovias de saída de Nova Orleans às vésperas da chegada de Ida. Segundo Edwards, centenas de milhares de moradores deixaram suas casas.
O fenômeno chega ao estado num momento em que a covid gera grandes transtornos. Os hospitais estão cheios de pacientes infectados pelo novo coronavírus. Com baixa taxa de vacinação, o estado está entre os mais atingidos pela pandemia.
O furacão Ida tocou, na noite de sexta-feira, o solo no oeste de Cuba com categoria 1, causando alguns danos materiais e cortes de energia, segundo o jornal Granma. Paralelamente, o furacão Nora estava, na manhã de ontem, “muito perto” da costa mexicana do Pacífico, após impactar, na noite de sábado, o estado de Jalisco, onde causou apenas danos materiais.
Nora, de categoria 1 em uma escala que vai até 5, provoca chuvas fortes e inundações”, informou o NHC em boletim. O governo de Jalisco indicou que “foram intensificados os trabalhos de apoio nos municípios costeiros”.
Os cientistas têm advertido para um aumento no número de fortes ciclones à medida que a superfície do oceano esquenta devido ao aquecimento global, o que representa uma ameaça cada vez maior para as comunidades costeiras em todo o mundo.