20 ANOS DEPOIS

11 de setembro: o mundo após o atentado terrorista que mudou a história

Mesmo após duas décadas, o atentado que matou milhares ainda é a causa de mudanças que podem ser irreversíveis no mundo

Karolini Bandeira*
postado em 11/09/2021 06:00 / atualizado em 11/09/2021 09:52
 (crédito: Robyn Beck / AFP)
(crédito: Robyn Beck / AFP)

As marcas do atentado terrorista que chocou o mundo há 20 anos seguem presentes até hoje. O ataque às Torres Gêmeas, em Noca York, no dia 11 de setembro de 2001, executado pela rede Al-Qaeda e sob o comando de Osama bin Laden, deixou cerca de 3 mil mortos e mais de 6 mil feridos em uma colisão de dois aviões contra os edifícios do World Trade Center.

No mesmo dia, os terroristas sequestraram outros dois aviões comerciais. O primeiro foi lançado no Pentágono e deixou 184 mortos, e a última aeronave caiu na Pensilvânia, deixando 44 mortos. Neste especial, o Correio mostra as consequências do dia de terror vivido ao redor do mundo.

“Estávamos com medo de fazer compras”

Joana
Joana (foto: Arquivo pessoal)

O dia foi aterrorizante, lembra Joana Denisevich, brasileira de 47 anos. A cabeleireira, que à época morava na cidade de Boston, Massachusetts, conta que entrou em pânico mesmo vivendo em outro estado.

“Quando aconteceu o acidente, eu tinha uma filha de 2 anos e uma de 4. Eu não lembro o que estava fazendo, só lembro do telefonema do pai das crianças. Ele me ligou e falou: ‘Liga a televisão agora, nós estamos sendo atacados’, e eu fiquei apavorada”, diz Joana.

A brasileira começou a entender a dimensão dos ataques ao ver um dos aviões batendo na segunda torre ao vivo pela televisão. “Nossa… Eu me arrepio até hoje. Eu fiquei em pânico, sabe? As crianças não sabiam o que estava acontecendo direito. Eu liguei a televisão e vi o primeiro prédio já caído. De repente, não tinha passado nem 10 minutos, e o outro prédio foi atacado”, lembra.

No dia, com medo do que poderia acontecer, Joana conta que o marido fechou o restaurante e foi para casa. O pavor acompanhou a família mesmo meses após o ataque. “Nós ficamos com muito trauma na época. O atentado foi em setembro e até no Natal estávamos com medo de fazer compras e de ir para lugares com muita gente”, conta a brasileira.

Após 20 anos, a cabeleireira ainda enfrenta sequelas psicológicas deixadas pelo atentado. Atividades prazerosas, como estar no meio de uma multidão e andar de avião, nunca mais foram as mesmas: “A gente começa a ter medo de andar em lugares públicos. Fico sempre com uma pulga atrás da orelha em shoppings ou ao andar de avião. Os pensamentos sempre ficam, né?”

Para ela, o aeroporto ainda é um ambiente muito difícil de encarar. Uma mínima turbulência a faz ficar apavorada. “Fiquei com trauma de voo, principalmente porque fico imaginando as pessoas que estavam dentro daquele voo vendo o avião ir direto ao prédio. Aquilo é um pânico. Dentro do avião, não tenho mais aquela tranquilidade que eu tinha”, lamenta.

“Ainda é muito difícil acreditar no que aconteceu”, diz Joana. “O sentimento que fica é de que ainda não estamos preparados. Sempre estamos em risco, só precisamos estar na hora e no lugar.”

Novas medidas de segurança e inteligência

Os ataques desencadearam a adoção e fortalecimento de uma série de medidas de segurança antiterrorismo nos Estados Unidos. Dentre elas, a Lei Patriótica, criada logo depois do atentado de 11 de setembro, no governo de George Bush, foi muito criticada por autorizar o uso de escutas telefônicas sem a autorização da Justiça para supervisionar pessoas supostamente ligadas ao terrorismo.

“A Lei Patriótica foi, sem dúvidas, um do mecanismos mais polêmicos de medida de combate ao terrorismo logo depois do 11 de setembro. Ela restringiu direitos civis significativos e, de certa maneira, acabou avançando sobre certas liberdades individuais. Isso porque ela flexibilizou o processo jurídico, permitiu a investigação e realização de buscas sem mandato e também a quebra de uma série de sigilos do cidadão americano médio”, explica a Senior Fellow do CEBRI e professora de Relações Internacionais da FAAP, Fernanda Magnotta.

Apesar do investimento no sistema de monitoramento, sua eficácia no combate ao terrorismo não é clara, segundo o professor de geografia Victor Vogado: “É difícil definir até que ponto a lei ajudou a conter ataques terroristas em território estadunidense. Caso esse monitoramento tenha tido um enorme sucesso, os dados relativos a isso são em grande parte sigilosos e de segurança nacional. A grande questão, na verdade, está mais ligada a um possível desvio de finalidade da mesma lei”.

Fernanda Magnotta
Fernanda Magnotta (foto: Arquivo pessoal)

Para o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Juliano Cortinhas, não é devido à utilização desse tipo de sistema de inteligência que novos atos terroristas são impedidos pelos Estados Unidos. “O que tem impedido novos atentados é a desconstituição de uma série de redes de terrorismo no sistema internacional. A desconstrução da Al-Qaeda ao longo do tempo e o fato de que eles [EUA] conseguiram nos últimos anos fechar certas redes”, diz.

Juliano Cortinhas
Juliano Cortinhas (foto: Arquivo pessoal)

Ainda segundo o especialista, de certo modo os Estados Unidos enfraqueceram sua própria imagem estando em países como Afeganistão e Iraque e, agora, “os terroristas se concentraram a combater os americanos no próprio Oriente Médio”.

Menor liberdade e hipervigilância

Nos últimos anos, foi observado um número crescente de desenvolvimento de ferramentas de vigilância por Inteligência Artificial (IA) por parte de governos de diversos países, conforme revelou uma pesquisa realizada em 2019 pelo centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace. Entre os mecanismos, utilizados para fins políticos, estão drones, câmeras, sistemas de vigilância e outros.

Tudo indica que a explosão na busca por essas tecnologias foi influenciada pela lei de sistema de monitoramento utilizado pelos Estados Unidos após o 11 de setembro. Para a especialista Fernanda Magnotta, existe um paradoxo envolvendo liberdade e segurança. Possuir o equilíbrio das duas é um feito utópico e, geralmente, quando um país tem muito uma, carece de outra.

“Um paradoxo típico dos tempos contemporâneos, que já tem sido bastante discutido pelos intelectuais e acadêmicos, é a história entre liberdade e segurança. Em geral, quanto maior a busca por segurança, mais deve-se abrir mão de certas liberdades. E quanto maior a preservação da liberdade, em geral, existe uma tendência a ter que abrir mão de alguma segurança”, comenta a professora.

Segurança nos aeroportos

Não foram apenas os governos que aprimoraram seus sistemas de inteligência e segurança. O ataque de 11 de setembro também foi o motivo de aeroportos e companhias aéreas de todo o mundo investirem na tecnologia.

O turismólogo Willian Azzolini cita algumas medidas e restrições adotadas no decorrer desses 20 anos: “Os passageiros estão sendo monitorados desde o momento que entram no aeroporto, por meio de câmeras. Qualquer tipo de comportamento suspeito é o suficiente para levar o passageiro para uma revista mais detalhada".

Willian
Willian (foto: Arquivo pessoal)

O controle de bagagens também ficou mais rígido. Além do raio-x, pode ser solicitada a abertura das malas, caso necessário. “Não somente a abertura da bagagem de mão, mas também pode ser solicitada a abertura acompanhada da bagagem despachada. Os aeroportos são equipados com aparelhos de raio-x também no interior, para análise das bagagens despachadas. Há ainda a ajuda de cães farejadores”, especifica o turismólogo.

Não são apenas os objetos que contam. Azzolini ressalta que os aeroportos têm profissionais treinados para analisar comportamentos suspeitos. “Nervosismo aparente, inquietação ou mesmo atitudes que destoam de um passageiro convencional são analisadas”, esclarece.

Uma guerra sem fim

Em resposta aos ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos declararam a "Guerra ao Terror", marcada por invasões da força militar americana em países do Oriente Médio — em destaque a invasão durante duas décadas do Afeganistão, que, liderado pelo Talibã, abrigou terroristas da Al-Qaeda responsáveis pelo atentado.

Diferentemente das guerras convencionais entre Estados, a Guerra ao Terror é direcionada a organizações e ameaças. É difícil declarar vitória, derrota ou até mesmo término de um conflito contra alguém que não tem uma identidade, conforme explica Fernanda Magnotta.

"“Esse tipo de conflito, que hoje a gente chama de guerras assimétricas, envolve atores muito diferentes do que usualmente os Estados estavam acostumados a combater. São soldados sem rosto, sem uniforme e diluídos em muitos lugares.”" Fernanda Magnotta, senior fellow do CEBRI e professora de Relações Internacionais da FAAP

Ela completa: “Esses fluxos intensos das novas guerras, das guerras assimétricas, trazem desafios que são permanentes, que não têm fim. Então, de certa forma, é uma condição de alerta e vigilância constante e de ameaça que não acaba”.

Juliano Cortinhas acredita que, desde o início, declarar uma Guerra ao Terror não foi uma boa tática dos norte-americanos e comprometeu o sucesso político do conflito. “Quando a gente entra em guerra contra um Estado e invade o território daquele Estado, há uma vitória militar e cessa a razão dos conflitos. Quando a gente coloca um inimigo abstrato como o terror, não há como mensurar vitória. Então, foi uma empreitada que, desde o início, foi mal desenvolvida e construída.”

Na visão de Victor Vogado, a sensação que fica para o governo dos Estados Unidos é de derrota.

"Após 20 anos de ocupação, os principais objetivos do exército não foram atingidos — pelo contrário. O governo que se estabeleceu no Afeganistão ficou famoso por ser ineficiente e corrupto mesmo com o intermédio estadunidense para um regime democrático aos moldes mais ‘ocidentais’, por assim dizer" Victor Vogado, professor de geografia

“O indicativo é de que, além da sensação de derrota, o Estado estadunidense mantenha ações no território. De que forma e por quanto tempo, teremos que aguardar os desdobramentos nos próximos meses, mas não se pode descartar uma nova ocupação e conflito mais intenso”, indica o especialista.

A recente retirada dos Estados Unidos do Afeganistão não significa um cessar-fogo, segundo Fernanda Magnotta. Para a especialista, a guerra ‘abstrata’ continua, mas, desta vez, com outro planejamento: “Hoje, 20 anos depois, quando a guerra não se justifica mais politicamente e economicamente, o que a gente vê é uma mudança tática. Os Estados Unidos vão continuar tendo que combater o terror e vai, com certeza, usar nesse contexto das tecnologias e da inteligência, mas não por meio de ocupação".

*Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer

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    Fernanda Magnotta Foto: Arquivo pessoal
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    Juliano Cortinhas Foto: Arquivo pessoal
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    Willian Foto: Arquivo pessoal
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