EUROPA

Especialistas preveem diálogo difícil na coalizão partidária que comandará a Alemanha

Os Verdes e os liberais-democratas terão papel decisivo na formação do próximo governo de coalizão. Vencedor das eleições parlamentares, o Partido Social-Democrata, de oposição a Merkel, inicia negociações para apontar futuro chanceler

Rodrigo Craveiro
postado em 28/09/2021 06:00
Ministro das Finanças e presidente do Partido Social-Democrata (SPD), Olaf Scholz (C) acena ao ser aplaudido por outros lideranças da legenda -  (crédito: Odd Andersen/AFP)
Ministro das Finanças e presidente do Partido Social-Democrata (SPD), Olaf Scholz (C) acena ao ser aplaudido por outros lideranças da legenda - (crédito: Odd Andersen/AFP)

Está nas mãos dos Verdes e do Partido Democrático Liberal (FDP) o rumo da Alemanha depois das eleições de domingo. O próximo nome a ocupar a Bundeskanzleramt (Chancelaria Federal), em sucessão a Angela Merkel, dependerá da formação de um governo de coalizão com as duas legendas, que saíram fortalecidas. Projetado como o vencedor do pleito, com 25,7% dos votos, o Partido Social-Democrata (SPD) iniciou as negociações com os partidos para tentar confirmar o ministro das Finanças, Olaf Scholz, como novo chanceler.

Especialistas consultados pelo Correio preveem difíceis conversas envolvendo o SPD e a aliança conservadora formada pela União Democrata-Cristã (CDU) e a União Social-Cristã (CSU) com o FDP e os Verdes. Após obter 24,1% dos votos, o pior resultado em sere décadas, a CDU/CSU também se vê no dilema de se aproximar da esquerda para viabilizar um governo liderado por Amin Laschet.

Para analistas, os social-democratas têm mais chance de nomear o sucessor de Merkel, ante o clima de instabilidade dentro da coalizão de Merkel, que também amarga um resultado ruim no Bundestag (Parlamento). Os números provisórios da apuração apontam que o SPD terá 206 cadeiras; os Verdes, 118; e os liberais, 92. A coalizão de Merkel (CDU/CSU) conquistou 196 assentos. Por isso, os ambientalistas e os liberais surgem como forças decisivas e são chamados de “fazedores de chanceler”.

Günther Auth, cientista político da Universidade Luís Maximiliano de Munique, prevê negociações iniciais entre o SPD, o FDP e os Verdes. “As conversas serão muito difíceis, por causa das concepções de políticas sociais e tributárias entre os social-democratas e os liberais. Ainda assim, Scholz é visto com o grande vencedor das eleições de domingo. Por sua vez, a CDU está consideravelmente enfraquecida por turbulências internas. Muitas insatisfação com Laschet veio à tona, o que pode culminar em sua renúncia no comando do partido de Merkel”, observou. Ele ressalta, no entanto, que nenhuma outra legenda parece inclinada a favorecer uma aliança com a CDU. “A vantagem claramente está com o SPD, de Scholz”, assegura.

O especialista de Munique entende que os Verdes são a principal força para criar o novo governo, por terem obtido a terceira maior porcentagem de votos (14,8%). “Também citaria o prestígio simbólico, pois eles representam uma parcela importante dos jovens eleitores que se preocupam com as mudanças climáticas”, disse. Auth aponta fracassos da CDU em lidar com as questões ambientais, com a construção de uma infraestrutura digital e com o fraco desempenho no gerenciamento da pandemia da covid-19. Ele lemba que toda coalizão de governo enfrenta dificuldades na implementação do conteúdo programático previsto. E prevê que o SPD precisará fazer concessões sobre questões sociais com o FDP; assim como em temas ambientais com os Verdes. “O FDP e os Verdes terão que se abster de algumas de suas demandas mais importantes, se quiserem compor o poder com o SPD. O pior resultado pode ser um verdadeiro estancamento ante tantos compromissos e lacunas nos atos legislativos.”

Professor de sociologia política da Universidade de Mannheim (Alemanha), Rüdiger Schmitt-Beck admitiu ao Correio que, apesar de a situação em relação à sucessão de Merkel ainda ser incerta, é possível perceber alguns desdobramentos. Segundo ele, os partidos menores — o FDP e os Verdes — decidiram avançar e iniciar negociações preliminares. “Scholz os convidou a começarem as discussões o quanto antes. Enquanto isso, a coalizão CDU/CSU parece menos ousada do que ontem (domingo) à noite, embora reafirme a viabilidade de um governo sob sua liderança. Laschet, seu presidente e candidato fracassado, sofre ataques dentro do partido, onde prevalece uma sensação de profunda crise”, comentou.

Schmitt-Beck lembra que os resultados eleitorais indicam que mais pessoas desejam um governo comandado pelo SPD do que pela aliança CDU/CSU. “Uma pesquisa mostrou que dois terços dos alemães disseram preferir Scholz como chanceler, enquanto 16% citaram Laschet. Alguns políticos da CDU exigem a renúncia do candidato”, disse o especialista. Ele acredita que o FDP exigirá um preço alto para entrar em uma coalizão com dois partidos de esquerda, o SPD e os Verdes.

Ainda de acordo com Schmitt-Beck, o desmoronamento da frente dos democratas-cristãos torna mais plausível um governo liderado pelo SPD. Ele acredita que isso dependerá se o FDP, adepto do livre mercado, realmente aceitará formar uma aliança com os social-democratas. “O problema é que há grandes choques nas visões políticas desses partidos, em torno de questões muito fundamentais, como tributação, deficits orçamentários e política socioeconômica.”

» Voto pela expropriação

Primeira mulher a ocupar o cargo de prefeita de Berlim, a social-democrata Franzisca Giffey terá uma missão polêmica: levar adiante um projeto para expropriar grandes proprietários de apartamentos, imobiliárias e fundos que possuem mais de 3 mil apartamentos. Em referendo de domingo, 56,4% dos eleitores se mostraram a favor da compra de 226 mil moradias com dinheiro público e da criação de nova empresa que gestione os aluguéis. A decisão se aplica a imobiliárias que possuam mais de 3 mil unidades para aluguel.

» Pontos de vista

Por Günther Auth

Símbolo de relutância

“A vitória de Scholz nas eleições é uma demonstração de relutância em concordar com um governo presidido por Laschet. Scholz pode ter sido mais convincente como potencial chanceler do que Laschet, mas isso está secundariamente ligado a temas programáticos, os quais podem ser vistos no apoio forte ao Partido Democrático Liberal (FDP) e em ganhos do Parido Verde.” Cientista político da Universidade Luís Maximiliano de Munique.

Por Rüdiger Schmitt-Beck

Aposta no continuísmo

“O triunfo de Scholz reflete a aprovação do governo Merkel, e, em outra medida, sua ausência da campanha. O bom resultado dos social-democratas foi, em grande parte, impulsionado pela popularidade de Scholz, que se apresentou como a personificação de Merkel. Ele prometeu o continuísmo do estilo de liderança de Merkel.” Professor de sociologia política da Universidade de Mannheim.

Por Jürgen W. Falter

O fator Merkel

“Por um lado, a derrota de Laschet e de seu partido (CDU) reflete a aprovação que Merkel teve e ainda tem. Seu sucessor foi incapaz de mobilizar todos os eleitores que a chanceler conseguiu reunir. Por outro lado, a vitória do SPD indica o êxito da campanha de Scholz, o qual se apresentou como uma versão masculina de Merkel.” Professor de ciência política da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz.

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