REPERCUSSÃO

Caso Kyle Rittenhouse : ‘Claramente há muito trabalho a fazer’, diz Kamala Harris

Julgamento do homem branco inocentado por dois homicídios e uma tentativa foi o assunto de maior repercussão na imprensa internacional nesta sexta, com análises e comentários sobre o veredito

Jéssica Gotlib
postado em 20/11/2021 00:18
Harris tem longa carreira como procuradora-geral no estado da Califórnia e na política -  (crédito: AFP)
Harris tem longa carreira como procuradora-geral no estado da Califórnia e na política - (crédito: AFP)

“O veredicto realmente fala por si”, disse a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, nesta sexta-feira (19/11), depois de ser perguntada sobre a absolvição de Kyle Rittenhouse. O jovem atirou e matou dois ativistas antirracistas em uma marcha em 2020, ferindo um terceiro, mas foi inocentado alegando legítima defesa.

Já Harris, que foi a primeira mulher a presidir os EUA após um breve afastamento do presidente Joe Biden, tem longa carreira como procuradora-geral no estado da Califórnia e na política, enquanto senadora do partido Democrata, defendendo os direitos das minorias raciais.

“Como muitos de vocês sabem, passei a maior parte da minha carreira trabalhando para tornar o sistema de justiça criminal mais justo, e claramente há muito mais trabalho a ser feito”, declarou. A decepção resignada de Harris diante da decisão que seria histórica faz coro com grande parte da população do país.

Polarização e medo

Enquanto a sentença foi comemorada pela extrema direita como uma vitória do armamentismo e do respeito à segunda emenda (trecho da constituição sobre autodefesa); as diversas organizações de movimentos negros no país viram o fato como uma constatação de que, não apenas a polícia, mas todo o aparato estatal dos Estados Unidos carrega um ranço racista.

“Não sei como chegaram à conclusão final de que ele é inocente, mas é por isso que os afro-americanos dizem que todo o sistema é culpado”, disse ao Washington Post, Justin Blake. Ele é tio de Jacob Blake, homem que ficou paralisado após ser alvejado sete vezes por um policial e que motivou o protesto ao qual Rittenhouse se opôs. “Isso deve acabar”, protestou.

Na mesma reportagem, o jornal conversou com moradores da cidade de Kenosha, Wisconsin, que contaram não ter se surpreendido com a sentença favorável a Kyle Rittenhouse. “O sistema está me dizendo que ninguém precisa responder”, disse Hannah Gittings, namorada de uma das vítimas.

Susan Hughes, tia-avó de um dos baleados, também falou sobre uma possível ameaça como resultado da sentença. Ela teme que apoiadores de Rittenhouse passem a se sentir “encorajados” e sejam mais “descarados em algumas de suas ações”. Aos 72 anos, Hughes pôde acompanhar de perto a polarização na cidade. “Eu moro aqui, sei que a comunidade está dividida”, declarou.

Ônus da prova e legítima defesa

Outro ponto bastante debatido pela mídia internacional, antes mesmo de a sentença ser divulgada, é a repercussão legal do caso. O estado de Wisconsin exige que os jurados façam perguntas bastante específicas sobre legítima defesa e impõe à promotoria a tarefa de provar que o ato de violência foi deliberado e não para proteger a própria vida de um risco iminente.

Quatro dias antes do veredito do júri, o jornal britânico Daily Mail já mostrava que, com base nesse ponto, a acusação tinha poucas chances de sucesso. “Binger foi condenado ao fracasso”, disse uma fonte jurídica de Kenosha ao Dailymail.com. Para as fontes do Mail, mesmo com os testemunhos e vídeos do incidente, a promotoria dificilmente conseguiria uma condenação.

O site NPR também ouviu especialistas que concordavam com essa informação, sobretudo porque a acusação se segurou muito nas provas de vídeo. “Você pode pensar que quanto mais você olha as evidências, melhor você vai entender o que aconteceu. Mas nossa pesquisa descobriu que isso não é verdade”, declarou Emily Balcetis.

Professora associada de psicologia na Universidade de Nova York, Balcetis estuda os preconceitos em como as pessoas olham para as evidências. “Nossos olhos podem apenas focar e processar os detalhes de uma parte muito pequena do que realmente estamos olhando”, argumenta.

Parcialidade e descrença

Voltando à conduta da Justiça em si, o colunista Charles M. Blow, do The New York Times, lembrou outros casos famosos de julgamentos de homens brancos acusados de diversos crimes, “desde assassinato até insurreição”. “Há um desfile virtual de privilégios enquanto o país espera para ver se nosso sistema de justiça lidará com esses homens de forma tão severa e sem espalhafato como lidou com outros que não eram homens brancos”, escreveu.

Para Blow, o juiz do caso Rittenhouse agiu mais como um defensor do acusado do que como um magistrado. “Quando o júri foi selecionado, por exemplo, o juiz negou os pedidos de envio de questionários para o grupo de jurados. Em seguida, ele encerrou a seleção do júri em um único dia, mesmo que o que parece ser apenas uma pessoa de cor tivesse sido selecionado. E decretou que os homens mortos não poderiam ser chamados de ‘vítimas’ em sua sala de tribunal, mas poderiam ser potencialmente chamados de ‘desordeiros’ ou ‘saqueadores’”, ressaltou.

Tantas discordâncias mostram que, embora a tramitação criminal tenha terminado para Kyle Rittenhouse, que poderá responder apenas na esfera civil daqui em diante, os disparos contra os três manifestantes e todo o desenrolar do caso está longe de ser finalizado nos EUA.

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