Alemanha

Olaf Scholz retira menção a Deus do juramento de posse como chanceler da Alemanha

O social-democrata Olaf Scholz toma posse como chanceler, a frente de um governo de coalizão, e anuncia "o começo de um novo país". Angela Merkel deixa o cargo após 16 anos e pede ao sucessor que "trabalhe pelo bem da nação"

Rodrigo Craveiro
postado em 09/12/2021 06:00
 (crédito: John MacDougall/AFP)
(crédito: John MacDougall/AFP)

Com o braço direito dobrado e a palma da mão à mostra, Olaf Scholz, 63 anos, repetiu as palavras proferidas pela presidente do Bundestag (Parlamento), Baerbel Bas. "Eu prometo que dedicarei minhas energias ao bem-estar do povo alemão, aumentarei seus benefícios, evitarei danos a ele, defenderei a Lei Básica e as leis da Federação, cumprirei meus deveres com consciência, e farei justiça a todos", declarou o social-democrata, ao ser empossado o nono chanceler da história da República Federal da Alemanha, em meio ao barulho intermitente das câmeras. Curiosamente, Scholz omitiu a última frase do juramento, o qual se repete desde 23 de maio de 1949: "Que Deus me ajude". A nação de 79,9 milhões de habitantes e a maior economia da Europa se despedia de Angela Merkel e iniciava uma nova era, agora com Scholz na condição de chanceler e a frente de um governo formado por uma coalizão antes considerada improvável, o seu Partido Social-Democrata (SPD), os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP).

Depois de receber a aprovação de 395 dos 736 deputados do Bundestag e de prestar o juramento, Scholz prometeu "um novo começo" para a Alemanha e homenageou Merkel "por tudo o que fez". "Será um novo início para o nosso país. Em qualquer caso, farei de tudo para trabalhar nesse sentido", prometeu o agora chefe de governo. Da tribuna do Bundestag, Merkel recebeu efusivos aplausos por seus 16 anos no comando da nação. Mais tarde, em reunião na sede da chancelaria, ela recomendou a Scholz que "trabalhe pelo bem do país".

Feminista convicto, o novo chanceler alemão deu posse ao primeiro gabinete da história a ser marcado pela igualdade de gêneros: oito homens e oito mulheres. Pelo menos três ministérios considerados cruciais serão liderados por elas — Relações Exteriores (Annalena Baerbock, dos Verdes), Defesa (Christine Lambrecht) e Interior (Nancy Faeser), ambas do SPD. A pasta da Saúde, nevrálgica por conta da pandemia da covid-19, caberá ao médico epidemiologista Karl Lauterbach, ex-prefeito de Hamburgo e defensor de medidas restritivas. O Ministério das Finanças passa a ser ocupado pelo liberal Christian Lidner, entusiasta da austeridade orçamentária. Também pela primeira vez em 72 anos, três partidos terão o controle dos ministérios.

Pela nova composição do Bundestag, de um total de 736 cadeiras, o SPD terá 206 assentos, enquanto o partido de Merkel, a União Democrata Cristã (CDU), agora oposição, contará com 197 deputados. Os Verdes e o FDP, demais membros da coalizão de governo, serão representados, respectivamente, por 118 e por 92 parlamentares.

Diferenças

Diretor do Departamento de Governo Comparativo da University of Mannheim, o alemão Marc Debus admite que a missão de Scholz e do novo governo de coalizão esbarra no fato de que estabeler compromissos tripartites é mais difícil. "Principalmente se as posições políticas dos partidos diferirem significativamente entre si. Um desafio do novo governo será que as posições sobre políticas de bem-estar social, econômica e financeira variam muito", disse ao Correio.

Debus explica que, enquanto o SPD e os Verdes defendem um forte Estado de bem-estar social e impostos mais altos para os ricos, o FDP é adepto do livre mercado e se opõe firmemente ao aumento da taxação e da dívida. "Essas diferenças criarão conflitos nos próximos meses e anos em várias áreas, em particular por causa da pandemia, a qual resultou em imensos custos para o Estado", advertiu.

O dinamarquês Matt Qvortrup, professor de ciência política da Coventry University (Reino Unido) e autor de Angela Merkel: Europe's most influential leader ("Angela Merkel: a mais influente líder da Europa"), não compartilha das preocupações de Debus. "Scholz é um eurocentrista, mais até do que Merkel. Mas haverá muito poucas mudanças em termos de gestão econômica. Além disso, ele foi o ministro das Finanças de Angela. Creio que haverá um forte foco no que diz respeito à justiça social", afirmou à reportagem.

Qvortrup não classifica como um risco o fato de o governo Scholz ser formado por posições tão díspares. "Todos os partidos comandarão pastas onde podem brilhar e mostrar eficiência. Apesar de diferentes, o SPD, os Verdes e o FDP compartilham das mesmas filosofias básicas." No que diz respeito à estratégia de combate à covid-19, o professor e biógrafo de Merkel vê uma continuidade de governo.

"Ao apontar Lauterbach para a Saúde, Scholz sinaliza que pretende manter a política sanitária da ex-chanceler conservadora. Uma grande diferença será na retórica em relação à China e à Rússia. Mas esta é uma área que ele deixará para a nova ministra das Relações Exteriores, Baerbock, que será crítica aos governos de Xi Jinping e de Vladimir Putin." Existe a expectativa de que o vice-chanceler Robert Habeck (Verdes) também exerça forte protagonismo na gestão Scholz.

Saudações

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, parabenizou Scholz e disse que deseja "construir sobre os fortes laços entre os nossos países e trabalhar estreitamente juntos para avançarmos nos desafios mundiais". Ursula von der Leyen, líder da Comissão Europeia (órgão Executivo da União Europeia), manifestou a vontade de trabalhar com Berlim por uma "Europa forte".

A Rússia, por meio do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, frisou a importância de uma "relação construtiva", em meio ao acirramento das tensões por conta de suspeitas sobre os planos de uma ofensiva militar na Ucrânia. Em Pequim, o presidente chinês, Xi Jinping, acenou com a disposição de "consolidar e aprofundar a confiança mútua política, aumentar os negócios e cooperação em diferentes âmbitos com a Alemanha".

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