Por ampla maioria, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) aprovou, na sexta-feira (4/3), em Genebra, a criação de uma comissão internacional para investigar violações aos direitos humanos na Ucrânia. É a primeira vez na história que um colegiado nesse sentido é criado pela organização. Além da criação do inquérito, o documento, apresentado pela delegação ucraniana, pede a retirada “rápida e verificável” das tropas russas presentes no país.
O Brasil, junto a 31 países, votou a favor da criação da resolução “Situação dos Direitos Humanos na Ucrânia decorrente da agressão russa” que foi votada ontem - apenas Rússia e Eritreia votaram contra e 13 países se abstiveram. Entre estes estão nações que não condenaram os ataques e são aliados de Moscou, como Venezuela, Cuba, China, Índia e Paquistão.
Na ocasião, também foi aprovada uma resolução para que qualquer tropa militar, seja da Rússia ou grupos armados apoiados pelo Kremlin, deixem o território ucraniano. A comissão será composta por três especialistas em direitos humanos. As vagas serão preenchidas sob indicação do presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Federico Villegas, e cumprirão mandato de um ano.
Após a votação, a embaixadora da Ucrânia nas Nações Unidas, Yevheniia Filipenko, afirmou que os responsáveis serão identificados. "Aqueles da Rússia que dirigem e cometem violações contra meu povo deveriam prestar atenção. Provas serão coletadas e vocês serão identificados e responsabilizados", disse. Antes disso, a diplomata falou que havia "provas irrefutáveis de violações grosseiras e sistemáticas dos direitos humanos, bem como crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos pela Rússia".
De acordo com Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, a resolução instituiu seu primeiro mecanismo para investigar as violações de direitos humanos e do direito humanitário decorrentes da invasão e espera-se que o Brasil apoie ativamente o trabalho.
“O Brasil foi, em 2006, um dos entusiastas da criação do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Uma das inovações desse órgão foi criar um mecanismo para poder afastar um membro que venha a cometer grave afronta aos princípios da ONU e promova sérias violações de direitos humanos enquanto tiver um assento no Conselho. Em 2011, a suspensão da Líbia contou com apoio do Brasil”, explicou a diretora da Conectas.
Para Enrique Natalino, doutor em Ciência Política (UFMG) e especialista em Política Internacional, o contingente de países a favor do documento demonstrou o isolamento russo. "A Rússia ficou isolada devido à condenação forte. 31 votos favoráveis ao inquérito demonstra essa posição dos países-membros".
Já o cientista social Djiovanni Jonas França Marioto destacou o posicionamento histórico do Itamaraty, esperado na ONU, e o comportamento do Palácio do Planalto que não aconteceu na ocasião. “Nesta questão, os extremos deram lugar à diplomacia. Há claro, as questões comerciais importantes ao Brasil, como os fertilizantes, mas a pressão internacional se sobrepôs”, destacou.
Discurso de Bolsonaro
O voto brasileiro a favor da investigação vai de encontro ao discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) que prefere se abster da questão. Contudo, o representante do Brasil na ONU, embaixador Tovar da Silva Nunes, ressalta que a resolução tem problemas. Natalio disse que o voto brasileiro tem se mostrado coerente com o esperado no que refere aos direitos humanos internacionais. “O Itamaraty também vem sendo pragmático sob a chancelaria de Carlos França quanto a posicionamentos extremistas", disse.
Silva Nunes frisou que “uma Missão de Verificação de Fatos com mandato robusto, mas justo, seria ferramenta mais eficaz e eficiente para alcançar nossos objetivos comuns imediatos”. De acordo com o diplomata, o Brasil “teria favorecido um projeto mais equilibrado, que pudesse criar espaço para o diálogo entre todas as partes e enviar mensagem forte de respeito ao direito internacional dos direitos humanos'' e que “o texto atual é falho”.
Segundo o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Laerte Apolinário Júnior, o voto do Brasil favorável ao documento foi acompanhado de ressalvas. “O embaixador brasileiro Tovar da Silva Nunes criticou, em especial, o processo de negociação, que desconsiderou as críticas de diversos países, e alguns conceitos empregados no texto, que deixaram o texto mais politizado e menos equilibrado em seu entendimento”, disse.
“As decisões do conselho não possuem caráter vinculante. Assim, suas ações tendem a ter um caráter mais simbólico do que prático. Especialmente em casos em que a parte investigada é um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, instância em que os membros permanentes possuem poder de veto”, destacou.
A comissão ainda deverá analisar as provas para comprovar as violações apontadas e fazer com que os responsáveis possam responder “por suas ações”. “Apesar do Brasil ter votado favoravelmente ao documento, a diplomacia do país apresentou ressalvas ao texto apresentado. O embaixador brasileiro Tovar da Silva Nunes criticou, em especial, o processo de negociação, que desconsiderou as críticas de diversos países, e alguns conceitos empregados no texto, que deixaram o texto mais politizado e menos equilibrado em seu entendimento”, explicou
Além disso, Silva Nunes afirmou que recorrer ao Tribunal Internacional neste momento antecipa o resultado das investigações que precisam ser feitas criteriosamente. “Essas referências são contraproducentes neste momento e não contribuirão para os objetivos defendidos por este Conselho, que deveriam ser principalmente promover o respeito aos direitos humanos e evitar ainda mais o sofrimento de civis na Ucrânia”, escreveu o embaixador.
O diplomata também defende que os canais de investigação devem ser mantidos antes de acionar a suprema corte internacional. Contudo, apesar das críticas, reconhece que, neste momento, “acreditamos acima de tudo que este Conselho não pode permanecer em silêncio”.
Saiba Mais
- Mundo Cinco possíveis cenários para a Ucrânia após a guerra
- Mundo Sanções, exclusão aérea e diplomacia, a difícil equação para deter a Rússia
- Mundo Ucrânia será abastecida por gás da Polônia a partir de amanhã
- Mundo FMI alerta que intensificação do conflito na Ucrânia teria graves consequências econômicas
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.