O próximo evento estava agendado para 13 de junho: uma apresentação do trio indie Odin v Kanoe, uma das bandas mais famosas da Ucrânia. Uma das canções, intitulada Nebo (Céu, em ucraniano), falava sobre a primeira busca espiritural de Deus, uma percepção infantil do mundo repleta de fé no divino. Foi do céu que vieram, ontem, a destruição e a morte. O Teatro Regional de Drama de Donetsk, na cidade portuária de Mariupol (sul), foi alvo de um bombardeio atribuído às forças da Rússia. Centenas de civis abrigavam-se no prédio, no momento do ataque. Até o fechamento desta edição, não havia informações detalhadas sobre o número de mortos e de feridos.
"O avião jogou uma bomba no prédio onde centenas de civis estão abrigados. É impossível estabelecer o balanço de vítimas neste momento, porque os bombardeios continuam", escreveu a prefeitura de Mariupol no Telegram. "A entrada do refúgio está bloqueada pelos escombros. Estamos verificando informações sobre as vítimas", acrescentou. Por sua vez, Dmytri Kuleba, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, classificou o ataque como "outro crime de guerra horrendo". "O prédio está totalmente em ruínas. (...) Salvem Mariupol! Detenham os criminosos de guerra russos!", escreveu o chanceler em sua página no Twitter. Moscou descartou ter bombardeado o teatro e culpou o Regimento Azov, um batalhão nacionalista ucraniano.
Refugiada na cidade de Dnipro, a professora Olena Zolotariova, 44 anos, não consegue falar com os pais, em Mariupol, desde o último domingo. "Não sei se estão vivos", disse ao Correio. Ela afirmou que milhares de civis buscavam abrigo no teatro e refutou a versão russa. "A propaganda de Moscou tenta transferir a responsabilidade do bombardeio ao Regimento Azov. Isso é uma mentira por duas razões. Em primeiro lugar, os familiares dos soldados de Azov estão em Mariupol. Eles não poderiam destruir um abrigo da população civil. Em segundo lugar, foi um ataque aéreo. Apenas aviões russos podem sobrevoar Mariupol", explicou.
Olena contou que os pais vivem em uma região distante do Teatro Regional de Drama. "Espero que eles não estejam lá. Mas eles moram em uma área onde há intensos combates urbanos, e os tanques russos sempre aparecem", acrescentou. De acordo com ela, devido aos constantes bombardeios que alvejam socorristas, o trabalho de limpeza de escombros e de resgate é extremamente complicado.
Também natural de Mariupol, a ativista Diana Berg, 42 anos, demonstrava revolta pouco depois de tomar conhecimento do bombardeio ao teatro que fica próximo de sua casa. "Estou me sentindo f... Odeio os russos cada vez mais. Ainda não temos ideia do número de vítimas", afirmou à reportagem. "A cada manhã, eu via o nascer do sol sobre o teatro. Amava aquilo! Adorava a beleza do prédio e os milhares de pombos que ficavam ali." Na semana passada, o ataque aéreo contra uma maternidade e um hospital pediátrico havia deixado três mortos, incluindo uma criança, e 17 feridos. Sem negar a ofensiva, Moscou anunciou que soldados do Regimento Azov tinham transformado o complexo de saúde em uma praça de tiro.
Fuzilamento
Por volta das 15h30 (10h30 em Brasília) de ontem, um comboio de civis que fugia de Mariupol rumo a Zaporizhzhia foi alvo de vários foguetes Grad, informou o Exército no Telegram. O ataque deixou mortos e feridos, inclusive crianças. A estação ferroviária de Zaporizhzhia tinha sido bombardeada horas antes. "Foguetes caíram na área da estação Zaporozhye-2 e, segundo as primeiras informações, ninguém morreu", acrescentou o governador. Outro foguete caiu no jardim botânico.
Outro ataque a civis, em Chernigov (norte), chocou o mundo. Pelo menos 10 civis aguardavam na fila, para comprar o pão, quando foram fuzilados. A Promotoria ucraniana informou que o Exército russo atirou de "maneira premeditada". À noite, as autoridades tinham resgatado cinco cadáveres, entre eles, os de três crianças, sob os escombros de um bombardeio na mesma cidade.
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Depoimento
"Há muitos mortos lá"
Igor Marunich
"Estou em um abrigo antiaéreo da cidade de Kropyvnytskyi, acompanhado de minha esposa, Zoya, e de minha filha, Margarita, de 15 anos. Nós fugimos de Mariupol ontem (terça-feira), em uma viagem de 300km, que fizemos em dois dias. Decidimos partir depois que um bombardeio russo atingiu uma casa vizinha. Durante o caminho, os soldados russos não dispararam contra nós. No entanto, na estrada, encontramos vários veículos civis e militares incendiados, tanques e corpos abandonados.
Há muitos mortos em Mariupol. Não existe mais eletricidade, aquecimento, água potável, comida e medicamentos. Combates ocorrem nas ruas. A cidade está sendo alvo de morteiros, de sistemas de múltiplos lançamentos de foguetes e de bombardeios. Pessoalmente, vi três cadáveres em Mariupol. Em uma área de 100 metros quadrados, presenciei casas e prédios queimados. Nosso apartamento foi incendiado nos ataques. Minha tarefa é tirar a minha família daqui. Não sabemos o nosso destino."
Pescador, 48 anos, natural de Mariupol