Depois de 22 dias de guerra, a paz começa a ser vislumbrada no fim do túnel. O jornal Financial Times divulgou que delegações de negociadores russos e ucranianos fizeram progresso significativo e redigiram o rascunho de um plano de paz de 15 pontos. Segundo o documento, a Rússia aceitaria um cessar-fogo e retiraria suas tropas da ex-república soviética, enquanto a Ucrânia ganharia a condição de Estado neutro, desistiria da adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e manteria suas Forças Armadas, desde que o presidente Volodymyr Zelensky aceite encolher o contingente militar.
Na quarta-feira (16/3), em entrevista à emissora canadense RBC News, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, confirmou que Moscou e Kiev estão "perto de concordar" com a neutralidade da Ucrânia. "As negociações não são fáceis por motivos óbvios. Há alguma esperança de chegar a um compromisso. O status neutro agora está sendo seriamente discutido com seriedade, é claro, com garantias de segurança", admitiu. Mais cedo, Zelensky avaliou as propostas russas como "mais realistas". "Qualquer guerra termina com um acordo", declarou.
Em meio aos avanços diplomáticos, farpas trocadas pelos presidentes Vladimir Putin e Joe Biden elevaram a tensão entre as duas maiores potências do planeta. "Eu penso que ele (Putin) é um criminoso de guerra", declarou na quarta-feira o líder norte-americano. A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, reforçou que Biden falava "com o coração", depois de tomar conhecimento de "ações bárbaras de um ditador brutal em sua invasão de um país estrangeiro".
A resposta do Kremlin foi quase imediata. "Consideramos inaceitável e imperdoável semelhante retórica por parte de um chefe de Estado, cujas bombas mataram centenas de milhares de pessoas em todo o mundo", reagiu o porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov. Na Ucrânia, os ataques seguem vitimando os civis. Ontem, um bombardeio atribuído a Moscou destruiu um teatro, em Mariupol (sul), onde centenas de moradores se abrigavam.
A proposta de paz que ganha contornos na mesa de negociações parece longe de agradar a analistas políticos da Ucrânia. "Este é o rascunho russo que nós, ucranianos, não aceitamos. Nós sugerimos uma nova aliança ou tratado que nos forneça fortes garantias de segurança", disse ao Correio Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia). Pós-doutor em ciência política e professor da Universidade Estadual de Sumy (nordeste), Mykola Nazarov afirmou que o plano se foca nas condições impostas pela Rússia. "Há vários problemas no documento. Não se sabe se a sociedade ucraniana aceitará a assinatura desse acordo. Se houver recusa do governo Zelensky em firmar o pacto, provavelmente a guerra continuará até a costura de um novo plano", avaliou à reportagem.
Para Nazarov, o grande entrave será os ucranianos se envolverem emocionalmente em compromissos com os russos. "A Ucrânia não está pronta para desistir da Otan ou para aceitar a Península da Crimeia como território russo. Zelensky encontra-se em um dilema: se colocar fim à guerra, terá problemas com a sociedade."
Membro da Academia de Ciências Políticas da Ucrânia (em Kiev), Artem Oliinyk explicou ao Correio que a Rússia perdeu mais de 13 mil soldados, 100 helicópteros e 80 aeronaves no campo de batalha — a inteligência dos EUA reconhece 7 mil baixas. "É algo sem precedentes para o Exército de Putin. Então, o melhor a fazer é firmar a paz. Kiev estará pronta para desistir da adesão à Otan, mas construirá acordos de defesa efetivos com países nucleares, talvez de natureza coletiva", disse. "Devemos interromper as hostilidades o quanto antes. Quando a Rússia depuser as armas, a guerra acabará; quando a Ucrânia depuser as armas, não haverá mais Ucrânia."
Ceticismo
Moradora de Kiev, a designer gráfica Olena Zenchenko, 26 anos, não acredita em neutralidade da Ucrânia. "O meu país tem sido neutro nos últimos 30 anos, mas não é o bastante para Putin. Ele perdeu muitos soldados e equipamentos militares em nossa terra. Por isso, tenta forjar algum tipo de vitória perante os cidadãos russos", comentou. Com a voz cansada, ela sublinhou que o acordo de 15 pontos, caso consolidado, será insuficiente para os eleitores de Zelensky. "Nós precisamos de nossa nação de volta. Tenho certeza de que os soldados russos sairão de nossas fronteiras muito em breve. Se tivermos que colocar em nossa Constituição a condição de país neutro, creio que será algo temporário, pois Moscou tornará a nos atacar", prevê Zenchenko.
O Conselho de Segurança da ONU deve se reunir, hoje, em caráter de emergência. O encontro, a pedido de Reino Unido, EUA, Albânia, França, Noruega e Irlanda, terá o objetivo de debater a deterioração da situação humanitária na Ucrânia. Os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) descartaram a possibilidade de enviar uma missão de paz à Ucrânia, como solicitou o vice-primeiro-ministro da Polônia, Jaroslaw Kaczynski, em visita a Kiev.
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Fruto do sucesso militar
Artem Oliinyk
"Considero positivas as notícias sobre o curso das negociações. Elas são o resultado de ações militares bem-sucedidas das Forças Armadas da Ucrânia, com o apoio de toda a comunidade. Indícios de preparativos para um encontro entre o presidente Volodymyr Zelensky e um enviado de Vladimir Putin indicam a fase final das negociações. Neste provável encontro, os detalhes finais serão acertados e o documento, assinado.
Embora a recusa em firmar o acordo não seja descartada, esperamos que o documento reflita a situação atual na Ucrânia — com a posterior restauração de nossas cidades, terrivelmente destruídas, e a punição dos criminosos que aterrorizaram civis —, mas também apresente decisões verdadeiramente fatídicas. A Ucrânia não reconhece nenhuma fronteira a partir de 24 de fevereiro de 2022 (o começo da guerra), assim como as questões de Donass, Crimeia e Sevastopol não estão fechadas."
Cientista político, presidente da Associação Internacional para Estudantes de Ciência Política e membro da Academia de Ciências Políticas da
Ucrânia (em Kiev)
Eu acho
"Putin quer a restauração da União Soviética. Isso não vai acontecer. Eu diria que o mundo precisa ser mais direto sobre o que fazer comPutin. Não acredito em paz, mas na vitória da Ucrânia. Mas não consigo dizer o quanto terei que lutar para chegar a esse ponto. Esse é o meu único meio de sobreviver."
Olena Zenchenko, 26 anos, designer gráfica, moradora de Kiev