Shonnell Harris custa a acreditar que, por duas vezes, esteve frente a frente com um assassino. "Se minha filha, o namorado e eu estivéssemos ficado lá fora por um minuto a mais, teríamos sido nós", desabafou ao Correio a gerente de operações do supermercado Tops Friendly Markets, em Buffalo, na cidade de Nova York. Por volta das 14h30 de sábado (15h30 em Brasília), os três tinham acabado de entrar no estabelecimento. A filha e o genro compravam um lanche, quando Payton Gendron, um jovem branco de 18 anos, invadiu o local disparando um fuzil AR-15. Três pessoas foram executadas no estacionamento e sete dentro do mercado. Outras três ficaram feridas. Das 11 vítimas, nove eram negras. "Foi a coisa mais assustadora da minha vida. Eu tinha falado com ele na noite anterior. De repente, o assassino estava com aquele equipamento do Exército e atirando com a arma várias vezes. E todos aqueles corpos...", relatou.
Enquanto a população de Buffalo lidava com o trauma, um novo tiroteio em massa assustava os Estados Unidos. Em Laguna Woods (Califórnia), às 13h26 do último domingo (17h26 em Brasília), um homem matou uma pessoa e feriu cinco, quatro delas gravemente, dentro da Igreja Presbiteriana Genebra. O suspeito foi preso e a arma, apreendida. Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre a motivação.
Em Buffalo, a Justiça acusou Payton formalmente de homicídio qualificado de primeiro grau. Os promotores pretendem pedir a pena de prisão perpétua. As autoridades consideram o crime como "terrorismo doméstico" motivado por ódio racial. Foi uma tragédia anunciada. No ano passado, os alunos do Colégio Susquehanna Valley, em Conklin, a 320km de Buffalo, fizeram um projeto no qual revelaram os planos para depois da formatura do ensino médio. Payton escreveu que gostaria de cometer um assassinato seguido de suicídio. Segundo o jornal The New York Times, a polícia interrogou o rapaz, então com 17 anos, e o colocou sob custódia, atendendo a uma lei estadual de saúde mental. Ele foi internado em um hospital psiquiátrico para avaliação e liberado dias depois. Após a formatura, sumiu do radar.
Antes de viajar de Conklin até Buffalo, Payton divulgou um manifesto de 180 páginas na internet. O texto denunciava a Teoria da Grande Substituição — uma tese defendida por supremacistas que prevê a troca da população branca pelos negros e pelos imigrantes latinos. "Não nasci racista, nem cresci racista. Eu me tornei racista depois de aprender a verdade", escreveu. "Estamos amaldiçoados pelas baixas taxas de natalidade e pelos altos índices de imigração", acrescentou, ao acusar os negros de matarem a população branca. No manifesto, Payton citou Brenton Tarrant, o australiano de 28 anos que assassinou 51 muçulmanos em duas mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia, em 15 de março de 2019; e Anders Behring Breivik, o extremista de direita que matou 77 em Oslo e na Ilha de Utoya (Noruega).
Payton transmtiu o massacre ao vivo pela internet, por meio da plataforma de gamers Twitch, com uma câmera GoPro acoplada ao capacete. "Foi absolutamente horrível. Eu estava entrando no estacionamento com meus filhos para comprarmos sorvete, quando os tiros vieram", contou Dominique Calhoum, 37 anos, ao Correio. "Dei ré e entrei em um estacionamento do outro lado da rua. As pessoas fugiram do Tops, aos gritos. Algumas tentavam retornar para buscar seus entes queridos. Vi corpos no estacionamento. Eu me pergunto sobre como ele (Payton) foi capaz de ser preso sem ser baleado ou morto. Estou traumatizada."
A gerente de operações do Tops, Shonnell Harris, disse ter a certeza de que viu o atirador na véspera do crime. "Na sexta-feira, ele ficou o tempo todo do lado de fora da loja. À noite, eu o interpelei sobre o que fazia ali. Ele me dizia que tentava trocar dinheiro. Para mim, estudava o terreno. No sábado, quando tudo ocorreu, corri para procurar a minha filha e o vi disparar várias vezes contra um homem que não tinha morrido. Minha filha e o namorado se esconderam em um quintal."
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e a primeira-dama, Jill, visitarão a cidade de Buffalo amanhã. "Ainda estamos reunindo os fatos, mas o Departamento de Justiça declarou publicamente que está investigando o assunto como crime de ódio, ato racialmente motivado de supremacia branca e extremismo violento. Ódio que permanece uma mancha na alma da América", declarou o democrata.
Saiba Mais
- Mundo Como eleições aumentaram casos de infarto e AVC nos EUA: existe o mesmo risco no Brasil?
- Mundo Por que as mulheres jovens estão ganhando mais que os homens em muitas cidades dos EUA
- Mundo Parlamento cubano aprova Código Penal que pune subversão
- Mundo EUA homenageiam vítimas de ataque racista em supermercado
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Eu acho...
"Eu senti o cheiro da pólvora... Vi o assassino quando o trouxeram para fora do Tops.Eles passaram por cima dos corpos, enquanto o escoltavam calmamente para fora. O assassino se parecia com um jovem universitário. Não como alguém tendo um colapso mental. Ele estava muito calmo e senhor de si.Parecia saber exatamente o que estava fazendo. Parece que havia algum tipo de aviso sobre o que estava acontecendo. Não levaram isso a sério. Pensavem que fosse apenas uma ameaça geral. Ele tinha ameaçado a sua escola, no ano passado. Então,tenho certeza que ele estava em uma lista de observação."
Dominique Calhoun, 37 anos, moradora de Buffalo e testemunha do massacre