Afeganistão

Talibã ordena que mulheres jornalistas cubram o rosto

A ordem partiu do Ministério da Virtude e da Prevenção do Vício, uma área do governo comandada pela milícia fundamentalista islâmica Talibã

Rodrigo Craveiro
postado em 20/05/2022 06:00
 (crédito: Instagram/Reprodução)
(crédito: Instagram/Reprodução)

A partir de amanhã, todas as jornalistas afegãs estarão obrigadas a cobrirem o rosto ao aparecerem na televisão. A ordem partiu do Ministério da Virtude e da Prevenção do Vício, uma área do governo comandada pela milícia fundamentalista islâmica Talibã que substituiu o Ministério das Mulheres em setembro passado. "Ontem (quarta-feira), nos reunimos com autoridades da mídia. Eles aceitaram o nosso conselho com muita satisfação", declarou Akif Mahajar, porta-voz da pasta, cuja missão é exigir a estrita obediência ao Corão, o livro sagrado do islã. "O prazo para a cobertura do rosto das apresentadoras de tevê é 21 de maio", acrescentou. Ainda segundo Mahajar, a decisão é "final e inegociável".

A medida é um passo a mais na segregação religiosa imposta pelo Talibã desde a tomada de Cabul e a ascensão ao poder, em 14 de agosto do ano passado. Yalda Ali, âncora da emissora afegã Tolo, protestou contra a decisão do Talibã publicando vídeos em seu perfil no Instagram. Em um deles, a jornalista aparece de batom, no estúdio, antes de colocar uma máscara, ao som de um piano. "Uma mulher sendo apagada, sob as ordens do Ministério da Virtude e da Prevenção do Vício", escreveu. Em outro vídeo, Yalda aparece diante do espelho, colocando um hijab (véu islâmico) antes de apresentar o telejornal. Ao lado da gravação, ela deixou a seguinte mensagem: "Estou me preparando para o programa de hoje. As mulheres de hoje serão lembradas amanhã".

Caso as jornalistas não queiram utilizar o hijab completo, que cubra a boca, deverão usar uma máscara cirúrgica. Ao Correio, a jornalista afegã Zahra Joya — uma das 12 mulheres do ano da revista Time e fundadora da Rukhshana Media (a primeira agência de notícias feminista do Afeganistão) — explicou que, nos últimos nove meses, o Talibã impôs severas restrições aos jornalistas e à mídia. "Muitos jornalistas têm enfrentado mais desafios em meu país natal. O Talibã tem buscado remover jornalistas mulheres do cenário midiático do Afeganistão", denunciou Zahra, 30 anos, que deixou Cabul pouco depois da queda da capital e precisou se disfarçar de menino, quando criança, para ter acesso à escola. "Se o mundo não levar a sério a situação do Afeganistão, não terei esperança alguma no futuro."

A também jornalista afegã Marjan Sadat admitiu que o Talibã pretende eliminar as mulheres. "Eles usam todos os meios para tornar o Afeganistão 'a maior prisão de mulheres no mundo'", desabafou à reportagem. "As mulheres afegãs estão indefesas. Ou elas se ajustam ao domínio do Talibã ou fogem do país, caso consigam." De acordo com Sadat, as jornalistas nada podem fazer contra um "regime brutal, que conhece apenas a linguagem das  armas".

Há 12 dias, o Talibã ordenou o retorno do uso do hijab que cubra o rosto das afegãs, independentemente da profissão. Em recente entrevista ao Correio, Mohammad Suhail Shaheen, atual chefe do Escritório Político do Talibã em Doha (Catar) e ex-porta-voz do grupo, afirmou que as mulheres afegãs têm utilizado o hijab voluntariamente. "Estamos comprometidos com todos os direitos sagrados das mulheres, incluindo o acesso à educação." 

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Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

"A mídia livre e a liberdade de expressão estão sob ataque no Afeganistão. O Talibã tem várias restrições em relação à mídia e a jornalistas, principalmente mulheres. As profissionais que estão em território afegão não terão escolha, a não ser cobrir o rosto. O Talibã as forçará a fazerem isso. Elas foram instadas pela lei do Talibã a esconderem a face."

Zahra Joya, jornalista afegã refugiada em Londres, fundadora da agência de notícias feminista Rukhshana Media

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