Estados Unidos

Crianças que sobreviveram ao tiroteio em escola discursam no Capitólio

Menina de 11 anos relata como se fingiu de morta para sobreviver ao massacre em uma escola no Texas, enquanto, do lado de fora do Congresso, manifestantes intensificavam a pressão pela adoção de medidas para conter a violência armada no país

Correio Braziliense
postado em 09/06/2022 06:00
 (crédito: Getty Images via AFP)
(crédito: Getty Images via AFP)

Passaram-se 16 dias, e o ataque à Escola Fundamental Robb em Uvalde, no estado americano do Texas, está vivo na memória da menina Miah Cerrillo, de 11 anos. A estudante comoveu parlamentares e ativistas pelo desarmamento, ontem, durante depoimento exibido no Congresso dos Estados Unidos. Aluna da quarta série, ela relatou sua terrível experiência quando 19 de seus colegas e duas professoras foram mortos em 24 de maio na sala de aula por um rapaz de 18 anos, que portava um fuzil e uma pistola. "Não quero que isso aconteça de novo", implorou a garota, que contou como se fez de morta para sobreviver ao atentado.

Em um relato rico em detalhes, Miah contou que a turma assistia a um filme quando Salvador Ramos chegou à sala. Ela e os colegas tentaram se proteger atrás da mesa da professora e de suas mochilas. "Ele disse 'boa noite' para minha professora e logo atirou na sua cabeça. Depois, disparou contra alguns de meus colegas de classe e o quadro", relatou.

"Quando fui até as mochilas, ele atirou na minha amiga que estava ao meu lado e pensei que ele ia voltar para a sala de aula, então peguei um pouco de sangue e espalhei por todo o meu corpo", continuou.

O testemunho de Miah foi pré-gravado — ela não compareceu no Capitólio. Coube ao pai representar a criança. Em determinado momento da audiência, Miguel Cerrillo chorou no Comitê de Reforma e Supervisão da Câmara dos Representantes. Duas semanas após o massacre, a menina tem pesadelos frequentes. Ainda se recupera de fragmentos de balas nas costas.

No vídeo, Miah contou que se manteve por um tempo em completo silêncio, antes de pegar o celular de sua professora e discar o número de emergências 911. "Eu disse a eles que precisávamos de ajuda, e ver a policia em nossa sala", destacou. A polícia de Uvalde foi muito criticada após reconhecer que mais de uma dúzia de oficiais esperavam do lado de fora do prédio e nada fizeram enquanto crianças morriam. Na gravação, ao ser perguntada sobre o que queria em sua escola, respondeu: "Ter segurança".

Mobilização

Enquanto a audiência se desenrolava, do lado de fora do Capitólio manifestantes reforçavam a pressão por uma legislação adicional de segurança para combater a crescente violência armada em todo o país, especialmente em forma de tiroteios em massa — incidentes com pelo menos quatro mortos ou feridos, sem incluir o atacante.

Em menos de 30 dias, três episódios ganharam destaque. Dez dias antes do massacre em Uvalde, um atirador matou 10 afro-descendentes num supermercado em Buffalo, no estado de Nova York. O ataque teve motivação racista. O agressor, um supremacista branco, redigiu um manifesto antes da ação.

Além do relato de Miah, o comitê da Câmara também ouviu familiares de vítimas de outros atentados ocorridos este ano. "Meu filho Zaire tem um buraco no lado direito do pescoço, dois nas costas e um na perna esquerda, causados por uma bala explosiva de um rifle AR-15", assinalou Zeneta Everhart, mãe de um sobrevivente da ação em Buffalo.

"Enquanto trato suas feridas, posso sentir os pedaços dessa bala em sua coluna. Os estilhaços permanecerão dentro de seu corpo pelo resto de sua vida. Agora, quero que imaginem essa mesma situação para um de seus filhos", disse aos parlamentares.

O pediatra Roy Guerrero, que atendeu várias vítimas em Uvalde, contou ter visto cenas de horror. "Dois meninos cujos corpos foram pulverizados pelas balas, decapitados, cuja carne foi dilacerada", citou.

Projeto

Um grupo de senadores democratas e republicanos prepara uma legislação que, embora limitada, poderia se tornar a primeira tentativa de reformar a regulamentação de armas em décadas. O pacote aumentaria o financiamento para cuidados de saúde mental e segurança escolar, ampliaria um pouco as verificações de antecedentes dos compradores de armas e incentivaria os estados a instituir as chamadas "leis de bandeira vermelha", que permitem que as autoridades confisquem armas de pessoas consideradas uma ameaça.

Entretanto, não inclui uma proibição de armas de assalto ou verificações universais de antecedentes. Dessa forma, não cumpre as expectativas do presidente Joe Biden, dos democratas progressistas e dos ativistas contra a violência armada.

Ainda que se chegue a um acordo, o projeto terá que enfrentar um Senado dividido e contar com o apoio de, pelo menos, 10 republicanos, que relutam em fazer uma reforma regulatória significativa. "Esperam que continuemos perdoando e esquecendo várias vezes? O que estão fazendo? Foram eleitos para nos proteger e proteger nossa forma de vida", afirmou, no Capitólio, Garnell Whitfield Jr, ao testemunhar sobre a morte da mãe, Ruth Whitfield, 86 anos, durante o massacre de Buffalo. 

 


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Preso acusado de tentar matar juiz da Suprema Corte

 (crédito:  AFP)
crédito: AFP

Policiais de Washington prenderam, ontem, um homem de 26 anos, acusado formalmente, horas depois, de tentar assassinar o juiz conservador Brett Kavanaugh, um dos nove integrantes da Suprema Corte dos Estados Unidos. Segundo documentos apresentados em um tribunal federal, o californiano Nicholas John Roske portava uma arma semiautomática Glock 17, uma faca e um colete tático, ao ser capturado por volta 1h50 em frente à casa de Kavanaugh, em Chevy Chase, Maryland, arredores da capital americana.

Segundo o FBI, que assumiu a ocorrência, o californiano disse que estava incomodado com os tiroteios em massa nos Estados Unidos e irritado com o vazamento de um projeto de decisão recente da Suprema Corte sobre o direito ao aborto. Roske foi visto por dois policiais do lado de fora da casa de Kavanaugh. Ao perceber que estava sendo observado, afastou-se e telefonou para o serviço de emergência dizendo que se sentia um suicida e que havia viajado desde a Califórnia para matar Kavanaugh. Ao ser abordado, não resistiu à prisão.

"Roske indicou que achava que o juiz que pretendia matar ficaria do lado das decisões da Segunda Emenda, que relaxariam as leis de controle de armas", assinalou a polícia federal americana. O presidente Joe Biden condenou a ameaça a Kavanaugh "nos termos mais fortes", divulgou a Casa Branca.

A prisão de Nicholas Roske ocorre no momento em que a Suprema Corte se prepara para emitir decisões potencialmente históricas, provavelmente no fim do mês, sobre dois casos de grande peso político, sobre o aborto e o direito ao porte de armas. Segundo o rascunho divulgado no começo de maio, o tribunal pode estar prestes a derrubar as proteções federais ao direito à interrupção da gravidez, abrindo caminho para muitos estados proibirem completamente o procedimento.

Proteção reforçada

Depois que o rascunho, escrito pelo juiz conservador Samuel Alito, vazou para a imprensa, manifestantes pelo direito ao aborto protestaram do lado de fora das casas de vários juízes, incluindo Kavanaugh. "As ameaças de violência e a violência real contra os juízes, é claro, atacam o coração da nossa democracia", declarou o procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland. "Por isso, acelerei no mês passado a proteção de todas as residências dos juízes 24 horas por dia."

A decisão final do tribunal será publicado no fim de junho, e ainda não se sabe se anulará ou não o processo Roe v. Wade, que há cinco décadas consagrou o direito constitucional ao aborto em todo o país.

Nicholas Rosek também se irritou com a recente onda de tiroteios em massa, disseram os investigadores ao jornal Washington Post. Espera-se que a mais alta instância judiciária americana também se pronuncie antes de 30 de junho sobre um caso de armas de fogo em Nova York que poderia flexibilizar as leis de controle de armas.

Brett Kavanaugh é um dos três magistrados da ala conservadora da Suprema Corte indicados pelo ex-presidente republicano Donald Trump. Confirmado em 2018 após um acirrado debate envolvendo acusações de agressão sexual desde sua juventude, o juiz representa para muitos progressistas americanos a face da mudança do tribunal superior para a direita.

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