SOCIEDADE

Saiba quem é a herdeira que rejeitou fortuna e luta pela taxação de ricos

Para Marlene Engelhorn, a rejeição do montante é uma "questão de justiça", já que ela afirma não ter feito "nada por este legado"

Talita de Souza
postado em 09/08/2022 20:14
A herdeira afirma que, assim que conseguir destinar a riqueza dela de maneira satisfatória, e conseguir resultados na Europa com uma lei de taxação de ricos, voltará ao trabalho regular -  (crédito: Heribert Corn)
A herdeira afirma que, assim que conseguir destinar a riqueza dela de maneira satisfatória, e conseguir resultados na Europa com uma lei de taxação de ricos, voltará ao trabalho regular - (crédito: Heribert Corn)

Assim que soube dos planos da avó, Traudl Engelhorn-Vechiatto, de 94 anos, de direcionar parte da herança de quase US$ 4,2 bilhões para ela, Marlene Engelhorn, de 29 anos, declarou à matriarca da família que não pretende ficar com os dígitos bilionários. A vienense chamou atenção da imprensa internacional ao declarar, ao jornal austríaco Der Standard, que irá doar 90% do montante que receberá da família.

Para Marlene, a rejeição do montante é uma “questão de justiça”, já que ela afirma não ter feito “nada por este legado”. A fortuna da avó de Marlene se originou, na verdade, da herança do marido, Peter Engelhorn, bisneto do fundador da Basf, considerada a maior indústria química do mundo. Ele era sócio do grupo alemão Boehringer-Mannheim, que foi vendido para a farmacêutica suíça Hoffmann-La Roche em 1977.

“Isso é pura sorte na loteria do nascimento e pura coincidência. As pessoas que fizeram essa fortuna provavelmente não tiraram muito proveito disso. Então, na verdade, é um dinheiro que vem da sociedade e é pra lá que deve voltar”, declarou ao jornal.

Por isso, a estudante disse que não poderia ser feliz com a herança. “Quando veio o anúncio, percebi que não poderia estar realmente feliz e pensei comigo mesmo: algo está errado, algo tem que acontecer!”, contou Marlene. “Não trabalhei um dia pelo dinheiro e não pago um centavo de imposto para receber isto. Isso não pode acontecer”, acrescentou.

A partir de então, Marcele, que estuda alemão e literatura na Universidade de Viena, tem se empenhado em atuar em movimentos sociais que exigem a instituição de uma taxação de fortunas a nível mundial.

Ela também passou a integrar os Milionários pela humanidade, que buscam redistribuir renda das fortunas, e também do Guerrilla Foundation, que busca promover mudanças sociais sistêmicas na Europa.

“Bertolt Brecht sempre vem à mente:’se eu não fosse pobre, você não seria rico’. Comecei a levar isso a sério. Apenas 1% das famílias mais ricas da Áustria possui 40% do valor do país. Nas nossas sociedades, a riqueza individual está estruturalmente ligada à pobreza coletiva”, afirmou a ativista.

Marlene exemplifica com a herança não faz parte do merecimento individual do avô dela ou do bisavô, o fundador da Basf. Ela diz que, desde sempre, a divisão de trabalho de maneira hierárquica faz com que uns ganhem mais do que outros, mesmo que o nível de empenho do trabalho for igual ou maior do que a pessoa que está na liderança. A partir disso, é apenas multiplicar a riqueza a partir de investimentos.

Além disso, a estudante aponta a falta de uma taxa de imposto maior para ricos, um dos motivos para que as fortunas permaneçam crescendo, em detrimento do encolhimento do capital coletivo. “Enquanto a população tem que pagar 20% de impostos se receber lucro líquido de 11 mil euros por ano, eu tenho uma fortuna de vários milhões e não tenho que pagar nada por isso. E eu não fiz nada para merecer. Isso deveria ser certo?”, questiona.

Ao perceber o cenário de injustiça social, Marlene afirma que entendeu ter “responsabilidade de devolver algo à sociedade”. “Se o status quo diz que você pode fazer o que quiser com suas propriedades, eu posso fazer isso também”, declarou. A avó de Marlene, atual detentora da herança, apoia a neta a distribuir a renda como desejar e também a publicizar o assunto.

Atualmente, Marlene afirma que o maior objetivo dela é promover o debate de taxação de impostos para os mais ricos, inclusive nos casos de recebimento de herança. “Me taxe! Se não houver imposto sobre herança ou riqueza até eu receber o valor (quando a avó falecer), eu mesma farei um”, conta.

“É importante para mim poder discutir o tema com um exemplo e meu exemplo é esse: se os ricos sempre permanecem escondidos, então a injustiça ultrajante também permanece abstrata”, afirma.

A herdeira também afirma que, assim que conseguir destinar a riqueza dela de maneira satisfatória, e conseguir resultados na Europa com uma lei de taxação de ricos, voltará ao trabalho regular. “É importante para mim que eu ganhe meu dinheiro como todo mundo”, compartilha.

Filantropia é perigosa e não é alternativa para taxação de grandes fortunas, diz Marlene

Questionada se a filantropia — caminho escolhido por milionários para fundar organizações privadas que apoiam causas sociais — seria um modelo para ela seguir, Marlene é enfática e diz que “absolutamente não”. “Eu realmente quero me distanciar disso (riqueza extrema). Quando indivíduos privados reúnem tanto poder geopolítico, é altamente problemático, antidemocrático e extremamente perigoso”, declarou.

Ela deu o exemplo de MacKenzie Scott, fundadora da Amazon, que, apesar de dar bilhões de reais para filantropia, lidera uma empresa que “como sabemos, explora sistematicamente as pessoas e o clima”.

“Isso é totalmente desonesto. Você não pode, primeiro, economizar impostos e depois se tornar caridoso e doar uma fração de sua riqueza. Muitas vezes, esses dotes nada mais são do que uma maneira de disfarçar a riqueza. Isso é capitalismo filantrópico, não é certo dependermos da boa vontade dos super-ricos”, pontua Marlene.

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