ENTREVISTA

"Não desisti do Brasil", diz Matarazzo, que concorre ao Senado da Itália

Em entrevista ao Correio, o empresário Andrea Matarazzo falou sobre as eleições italianas. "As eleições na Itália são mais complexas que no Brasil", afirmou

Vicente Nunes
postado em 15/08/2022 20:10 / atualizado em 15/08/2022 20:10
 (crédito: Reprodução/Instagram/@andreamatarazzo)
(crédito: Reprodução/Instagram/@andreamatarazzo)

Correspondente em Lisboa — Herdeiro de uma das famílias mais tradicionais do país, o empresário Andrea Matarazzo, 65 anos, ex-embaixador do Brasil na Itália e ex-ministro das Comunicações, disputará uma vaga no Senado italiano nas eleições marcadas para 25 de setembro. Ele concorrerá pelo Partido Socialista (PSI), que integra a coligação com o Partido Democrático, de centro-esquerda, simpático ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não por acaso, vem sendo atacado nas redes sociais. “Os bolsominions estão me massacrando”, diz, em tom de ironia.

Com longa carreira política em São Paulo, tucano histórico, mas que acabou migrando para o PSD, de Gilberto Kassab, ele assegura que não desistiu do Brasil. Para Matarazzo, a briga por uma vaga no Parlamento italiano é uma forma de se desintoxicar do pessimismo que impera no país e também um sim à convocação feita pela comunidade italiana no Brasil. “Todos queriam um candidato com chances de vitória”, assinala ele, que concorrerá com o ex-piloto de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi. “Sou mais forte”, acredita.

Nas últimas eleições, as vagas da América do Sul para o Senado e para a Câmara da Itália sempre ficaram com cidadãos italianos da Argentina, que tem o dobro de votantes do Brasil. Desta vez, Matarazzo acredita que será diferente, sobretudo depois de um senador eleito pelo país vizinho ter fraudado o pleito, realizado por meio de votos impressos. Caso saia vencedor, investirá na simplificação das leis a fim de incrementar os negócios entre os dois países, em especial de micro e pequenas empresas.

Matarazzo minimiza o fato de o país europeu estar caminhando para a extrema direita. A coligação liderada pelo partido Irmãos da Itália está à frente de todas as pesquisas. Se esse quadro se concretizar, a primeira-ministra será Giorgia Meloni, cujo lema de campanha é “Deus, pátria e família”. Simpática a Bolsonaro, ela tem como uma de suas referências o ditador Benito Mussolini. O plano de governo desse grupo, que inclui o notório Silvio Berlusconi, prevê repressão à imigração para o país e redução dos programas sociais. Veja os principais trechos da entrevista de Andrea Matarazzo ao Correio.

Por que se candidatar a uma vaga de senador na Itália? O senhor desistiu do Brasil?

Não. Eu não vou desistir nunca do Brasil, mas a gente precisa dar um tempo até para desintoxicar e não entrar na onda do pessimismo. Eu sou muito pragmático no sentido de que não vai dar certo o Brasil agora. Vamos ter um futuro de curto prazo muito difícil. Mas estou longe de desistir. Neste momento, um discurso como o meu, ninguém ouve, porque é o da conciliação. E ninguém quer ouvir isso neste momento. Olhando o debate político neste momento, me desanimo muito. Parece que estamos na década de 80, discutindo o passado. Essa pauta de costumes até antiga, as palavras são mofadas. E quanto à economia? Ninguém está discutindo o Brasil. Até parece que o país está com 100% de saneamento básico, inflação sob controle, renda bem distribuída, salários em ordem, a indústria vicejando. Mas o país está caindo aos pedaços, saindo de uma pandemia, até menos do que poderia ter sido, mas tem tanta coisa para pensar, para resolver.

A Itália vive um momento de radicalização, caminhando para a extrema direita, com uma forte candidata a primeira-ministra, Giorgia Meloni. Como vê isso?

Pois é. Não diria que está indo. O que se vê na Itália é um equilíbrio grande do centro de direito e do centro de esquerda, com o Partido Democrático (PD) no comando do governo nos últimos tempos. Meloni é de direita. Não é anti-Europa, é eurocética. À direita de (Silvio) Berlusconi (que foi primeiro-ministro). É diferente de (Jair) Bolsonaro, até por questão cultural.

A legenda pela qual o senhor concorrerá, o Partido Socialista Italiano (PSI), faz parte da coligação do PD, que é simpático a Lula? Isso o incomoda?

Estou no PSI, que é o partido mais antigo da Itália, está à direita do PD, social-democrata. Isso está fazendo a festa dos bolsominions no Brasil para me massacrarem. Falam: Matarazzo comunista. Meu bisavô está rolando no túmulo. Agora, tinha que fazer coligação com um partido com estrutura, mas também coerente com a minha história política. Quase a minha vida toda estive no PSDB e, nos últimos anos, filiado ao PSD, que é uma social-democracia mais à direita. Estou no mesmo lugar que sempre estive, no centro. Me senti confortável com essa coligação.

As eleições na Itália são comparáveis às do Brasil?

As eleições na Itália são mais complexas que no Brasil. É diferente, um desafio para mim. Mas o importante é que a comunidade italiana no país insistiu muito. No ano passado, um senador eleito pela Argentina deu vexame, se envolveu em fraudes, foi cassado. Imprimiram votos lá. Imagina. É interessante que os italianos têm coisas surpreendentes. A Itália, numa votação do próprio Congresso, reduziu pela metade o Senado e a Câmara. Eram 400 senadores, hoje são 200. Antes, para a América do Sul, eram dois senadores e quatro deputados. Agora, são um senador e dois deputados.

Historicamente, a Argentina sempre venceu, por ter um número maior de eleitores. Vai ser diferente desta vez?

A Argentina tem o dobro de eleitores italianos quando comparada ao Brasil. Lá são cerca de 800 mil e, no Brasil, 430 mil. Sempre foram chapas que ficavam muito divididas aqui no Brasil. Por isso, insistiram tanto comigo para ter um nome forte e, pela primeira vez, deu para unir, por exemplo, o meu nome ao do Fábio Porta (candidato a deputado). Porque a coligação feita é ampla, de centro-esquerda, que abrange o PD, partido que tem uma infraestrutura política em vários países da América do Sul. É um dos únicos. Vamos tentar compensar a diferença do número de eleitores da Argentina. Meu nome não será o único no Brasil para o Senado italiano (o ex-piloto de Fórmula 1, Emerson Fittipaldi também concorrerá), mas é o mais forte. E lá não é pelo número de votos. É número de votos mais a legenda, que puxa.

Qual será seu papel, se eleito senador na Itália?

Eu me sinto muito à vontade, por exemplo, pois me parece como se a eleição fosse aqui, no sentido de me sentir em casa, em função das pessoas, das discussões. Como fui embaixador do Brasil na Itália, fui ministro no Brasil, a gente conhece por dentro, o que funciona e o que não funciona, quais são os canais que devem ser acionados. Então, vejo que, aqui no Brasil, a Itália é um país extraordinário, com uma cultura, mas os italianos não têm a mais vaga ideia do que seja o Brasil, a não ser futebol, música e prostituição. Há muito por ser feito no sentido de incrementar os negócios entre os dois países, facilitar a vida das micro e pequenas empresas tanto brasileiras e quanto italianas, estimular o trânsito de jovens italianos nascidos no Brasil para a terra de seus antepassados e de profissionais italianos mais experientes para o Brasil. Estando presente no Senado italiano será mais propor alterações nas leis, simplificá-las, permitir parcerias e intercâmbios na educação, além de apoio à cultura.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação