Peru

Crise se agrava, pressão política aumenta e Peru se torna país em ebulição

Cresce pressão política para a renúncia da presidente Dina Boluarte, no poder desde o autogolpe fracassado de Castillo. Governadores andinos pedem fim do governo. Embaixador em Brasília defende diálogo, no marco do Estado de Direito

Rodrigo Craveiro
postado em 14/01/2023 06:00
 (crédito: Diego Ramos/AFP)
(crédito: Diego Ramos/AFP)

Sem sinais de arrefecimento, a crise peruana intensificou a pressão pela saída da presidente Dina Boluarte, que assumiu depois que o esquerdista Pedro Castillo tentou um autogolpe e foi preso. A congressista Kelly Portalatino apresentou uma denúncia constitucional contra todo o gabinete ministerial de Boluarte pelos crimes de homicídio e lesões graves contra cidadãos da região de Puno. De acordo com o jornal La Republica, o documento se baseia no artigo 1º da Constituição, o qual estabelece "a defesa da pessoa humana e o respeito à sua dignidade, que são o fim supremo da sociedade e do Estado".

No 10º dia consecutivo de protestos, Arequipa — a segunda maior cidade — está praticamente isolada das vizinhas Cusco e Puno. No fim da tarde, 85 pontos de bloqueio afetavam nove áreas do país. Ao todo, 16 rodovias nacionais estavam paralisadas. A maior concentração de piquetes era na região andina, ao sul.

Em pouco mais de um mês, 42 peruanos foram mortos durante choques entre manifestantes e forças de segurança — incluindo um policial que foi queimado vivo. Os confrontos deixaram também 531 feridos, sendo 355 civis e 176 policiais. Além da denúncia constitucional feita por Portalatino, governadores das regiões mais atingidas pela convulsão social e várias associações profissionais aderiram aos clamores pela renúncia de Boluarte.

"Quantos mortos mais vão custar a permanência de Boluarte na presidência? Devemos nos perguntar isso, todos os peruanos, de esquerda ou direita. Nenhum cargo pode estar acima da vida humana", desabafou Richard Hancco, governador de Puno. O Ministério Público investiga se Boluarte cometeu crime de genocídio.

Ao Correio, Rómulo Acurio, embaixador do Peru no Brasil (leia Três perguntas para), lembrou que, por iniciativa do governo, o Congresso aprovou, em primeira votação, a redução do mandato presidencial e a antecipação das eleições para abril de 2024. "Consequentemente, o governo de Boluarte tem caráter transitório até a eleição de novo parlamento e do presidente."

Processo constitucional

O diplomata destacou que, no Peru, a liberdade de expressão é respeitada. "A população quer tranquilidade e governabilidade. Isso não pode ser alcançado com propostas fora de um processo constitucional prévio, como a dissolução do Congresso ou a instalação rápida de uma Constituinte. O que precisamos é de diálogo, dentro do Estado de Direito", acrescentou Acurio, que chefia a embaixada em Brasília desde 1º de janeiro de 2022.

Professor de ciência política da Universidade Católica del Perú (UCP), Fernando Tuesta admitiu ao Correio que não existem soluções fáceis para a crise no país. "A verdade é que Dina Boluarte não tem uma varinha mágica para solucioná-la. Isso porque os atores dessa crise cruzam uma série de dinâmicas que têm raízes diversas. As manifestações não são organizadas por um único grupo, partido ou líder. Em cada lugar, há uma canalização de protestos derivados de demandas específicas. Talvez todos eles peçam a antecipação das eleições, alguns, a renúncia de Boluarte. No entanto, as eleições são o canal institucional para sair da crise", comentou. "No Peru, a situação é muito grave."

Por sua vez, Oscar Vidarte Arévalos — professor de relações internacionais da Pontifícia Universidad Católica del Perú — concorda que as manifestações que se espalharam pelo Peru fazem parte de um fenômeno "muito mais complexo do que se acredita". "Não se trata de um protesto sindical, com demandas claras e específicas. Elas são distintas e se moldam com o tempo. Estão vinculadas a um mal-estar claramente presente em um setor da população peruana, que há muito vinha buscando mudanças e criando expectativas que não foram cumpridas: os setores mais pobres e mais humildes da região sul andina", disse à reportagem.

Arévalos adverte que a crise não pode ser solucionada apenas com a antecipação das eleições. "A questão é a perda de legitimidade do Congresso e de todos os estratos políticos, após um ano e meio de promessas não cumpridas. O establishment político de Lima deu as costas ao país", alertou. "A solução tende a ser muito mais complexa. Temos um Congresso republicano dominado pela extrema-direita e pela extrema-esquerda. A primeira é completamente intolerante e antidemocrática. A segunda tampouco ajuda."

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