Ucrânia

Rússia garante ter esmagado sabotadores que invadiram a fronteira

Ministério da Defesa da Rússia anuncia que aviões e artilharia derrotaram os grupos que atacaram o território de Belgorod. Pelo menos 70 combatentes teriam sido mortos

Rodrigo Craveiro
postado em 24/05/2023 06:00
 (crédito: AFP)
(crédito: AFP)

Foi por meio de uma nota que Moscou assegurou ter usado bombardeio aéreo e fogo de artilharia para "bloquear" e "esmagar" as "formações nacionalistas (ucranianas)" envolvidas em um ataque sem precedentes no território russo reivindicado por mercenários da própria Rússia baseados na Ucrânia. "Os nacionalistas restantes foram repelidos para o território da Ucrânia, onde os bombardeios [...] continuaram até sua eliminação total", anunciou o Ministério da Defesa, segundo o qual "mais de 70 terroristas ucranianos" foram mortos.

Os grupos Legião Liberdade para a Rússia e Corpo de Voluntários Russos invadiram a região de Belgorod, do outro lado da fronteira, na segunda-feira (22/5). No mesmo dia, os combatentes usaram drones para explodir alvos e dispararam tiros de artilharia, forçando a fuga de moradores de nove cidades do distrito de Graivoron, em Belgorod.

Para Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, mesmo que os invasores de Belgorod fossem russos étnicos, serão tratados por Moscou como "militantes ucranianos". Ao anunciar a captura de um blindado de fabricação americana projetado para resistir a minas terrestres usadas no ataque, o assessor de Putin disse que isso "mais uma vez confirma que os militantes ucranianos continuam suas atividades contra nosso país".

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, visitou tropas perto das cidades de Vuhledar e Maryinka, na região de Donetsk, 373km a sudeste de Belgorod. No marco do Dia do Marine Ucraniano, ele concedeu honrarias aos soldados e criou o primeiro Corpo de Fuzileiros. Por volta da zero hora desta quarta-feira (18h de terça, 23/5, em Brasília), divulgou um vídeo com um discurso à nação."Essa viagem ao front foi o componente final depois de vários encontros e negociações com parceiros. (...) Todos devem entender isso: a tarefa-chave de nosso país e o propósito de cada contato internacional é fortalecer a nossa defesa e aumentar as capacidades de nossos guerreiros. (...) Cada visita ao exterior e quase toda negociação permitirá à Ucrânia ficar mais forte. Nós venceremos juntos!", declarou. Zelensky não mencionou os incidentes em Belgorod.

"Guerra em casa"

"A guerra da Rússia está indo para casa", ironizou o ucraniano Oleksandr Khará, ex-diplomata com formação em segurança nacional e especialista do Centro para Estratégias de Defesa (em Kiev). "Há russos que não estão apenas falando sobre oposição à tirania de Putin, mas se mostram prontos para lutar por sua liberdade. A luta deles é a única maneira de mudar a Rússia de uma ameaça ao mundo para um país democrático, que se preocupa com o seu povo e vive em paz com os vizinhos."

Para Khará, os "lutadores pela liberdade" humilharam Putin. "Eles evidenciaram a incapacidade das estruturas de poder que dominam a Rússia, desde o poderoso Serviço Federal de Segurança (antiga KGB) até os militares, em lidarem com a ameaça. Do ponto de vista militar, Moscou precisará dispersar seus escassos recursos para evitar incidentes similares no futuro", comentou.

Ele admitiu que a incursão pode ajudar nos planos da contraofensiva de Zelensky. Khará vê como "altamente improvável" que os russos sejam capazes de prevenir ofensivas. "Muitos russos creem que a Rússia seja uma grande potência, enquanto a Ucrânia seria um Estado inexistente. Essa crença amplifica o dano do que vemos em Belgorod."

O ex-diplomata também coloca em xeque a versão russa sobre a derrota dos grupos de sabotadores. "Não acho que as forças do governo tenham eliminado todos os combatentes ou os empurrado de volta para a Ucrânia. Vamos esperar evidências em fotos e em vídeos que possam ser verificadas pelos organismos de inteligência de ucranianos."

Expansão

O cientista político Artem Oliinyk, diretor do Instituto para Relações de Governo (em Kiev), considera que as ações do Corpo de Voluntários da Rússia podem se expandir para todas as áreas fronteiriças. A consequência dessas operações, segundo ele, está no fato de a sociedade russa enxergar a impossibilidade do governo russo de proteger a própria população. "Nos últimos meses, houve informações de que os chefes locais equiparam as regiões de fronteira com muralhas e estruturas de proteção. Putin terá que retirar tropas do Donbass (leste), do sul da Ucrânia e da Península da Crimeia para defender a fronteira com a Rússia", advertiu à reportagem.

De acordo com Oliinyk, os desdobramentos em Belgorod são "muito importantes" se analisados no contexto de que a contraofensiva ucraniana mudará significativamente a proporção de forças, o que poderá levar à liberação do maior número de territórios da Ucrânia. "O levante civil na Rússia continuará.Mesmo agora você pode ver a impossibilidade de eliminar as tropas anti-Putin em território russo", observou.

Mykola Volkivskyi — ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia — classificou os incidentes em Belgorod como "interessantes". "Russos relataram explosões, tiros e voluntários dispostos a se alistarem na Legião Liberdade para a Rússia." Ele ressaltou que o Corpo de Voluntários Russos é uma unidade das forças da Ucrânia, formada por russos étnicos. "A operação militar em Belgorod visa criar uma 'faixa de segurança' para proteger os civis ucranianos."

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Oleksandr Khará, ex-diplomata com formação em segurança nacional e especialista do Centro pra Estratégias de Defesa (em Kiev)
Oleksandr Khará, ex-diplomata com formação em segurança nacional e especialista do Centro pra Estratégias de Defesa (em Kiev) (foto: Arquivo pessoal )

"Por várias vezes, funcionários do governo russo provaram sua falta de credibilidade. Putin é um gênio em criar uma realidade virtual para esses temas. O controle absoluto das narrativas e de seus canais o ajudaram a transformaros russos em uma massa subjugada pronta para cumprir qualquer ordem. Nós vivemos na era da internet e das redes sociais. Não é difícil descobrir quem está mentindo. Tenho certeza de que os combatentes ainda se encontram na Rússia."

Oleksandr Khará, ex-diplomata com formação em segurança nacional e especialista do Centro pra Estratégias de Defesa (em Kiev)

Mykola Volkivskyi, 27 anos, ex-assessor do presidente do Parlamento (2014-2021) e cientista político, morador de Kiev
Mykola Volkivskyi, 27 anos, ex-assessor do presidente do Parlamento (2014-2021) e cientista político, morador de Kiev (foto: Arquivo pessoal )


"As autoridades russas implementaram planos de emergência em Belgorod. Também anunciaram uma reunião urgente de todos os policiais da região. O pânico dos russos aumentou e uma 'operação antiterrorista' foi deflagrada. Creio que essas são apenas as primeiras ações do Corpo de Voluntários da Rússia na região. A situação pode mudar e está claro que o Kremlin vê os sabotadores como uma ameaça."

Mykola Volkivskyi, ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia

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