Em outubro de 2022, enquanto a invasão à Ucrânia se arrastava por quase dez meses, a organização Centro pelas Liberdades Civis, em Kiev, fundada e dirigida pela ativista ucraniana Oleksandra Matviichuk, recebia o Nobel da Paz — uma das mais altas honrarias concedidas a pessoas que contribuem com o bem da humanidade. Na ocasião, ela dividiu o prêmio com a organização russa Memorial e com o ativista de Belarus e preso político Ales Bialiatski. Em entrevista exclusiva ao Correio, durante viagem a Oslo, nesta terça-feira (23/5), Oleksandra advertiu que a paz não combina com a ocupação militar. Ela cobrou "honestidade e solidariedade" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao citar crimes de guerra documentados por sua ONG, ela lembrou que, ante tantas barbaridades, "políticos de outros países e as próprias nações não podem ficar neutros". "Não se trata de neutralidade, mas de indiferença", advertiu.
Os presidentes Lula e Zelensky não se encontraram em Hiroshima, durante a cúpula do G7. O brasileiro defende uma abordagem focada na paz e critica a prioridade às armas. Como a senhora vê isso?
Os ucranianos precisam da paz muito mais do que qualquer outro. Mas a paz não combina com um invasor em combate. Isso não seria paz. Seria ocupação. A ocupação é algo horrível, é apenas mais uma força da guerra. Sei do que estou falando, pois tenho documentado crimes de guerra por nove anos (desde a anexação da Península da Crimeia). Pessoas que vivem em territórios ocupados estão em uma zona cinza. Elas não têm ferramentas para defender as próprias vidas, suas liberdades, seus bens e seus entes queridos.
Que tipo de comportamento a senhora espera de Lula e do Brasil em relação à Ucrânia?
Nós esperamos honestidade e solidariedade. O que os russos fazem na Ucrânia é desumano. Vai além de todas as normas de humanidade. Não há propósito militar em forças as pessoas a descerem até os porões, em obrigar civis a se voluntariarem para matá-los. Não existe propósito em assassinar pessoas sobre bicicletas, cujos corpos permanecem jogados nas ruas até o dia da liberação. Nenhum propósito em invadir casas, matar o proprietário e estuprar sua esposa, diante dos olhos do filho de 9 anos. Nenhum propósito em atirar em um garoto de 14 anos à queima-roupa que foi buscar a bola no jardim. Em tais situações, políticos de outros países e as próprias nações não podem ficar neutros. Não se trata de neutralidade, mas de indiferença.
A paz somente será alcançada com mais armas?
Não. Não podemos alcançar a paz apenas usando as armas. O problema está no fato de que a Rússia é um império. Em seu cerne, um império não tem fronteiras. Se um império tem energia, ele se ampliará. Se um império não tem energia, espera o momento de tê-la. Nós podemos nos defender da agressão da Rússia, mas somente quando os russos refletirem sobre sua cultura imperialista e entenderem que não é normal, no século XXI, invadir países vizinhos e matar pessoas que não concordam com a sua ocupação. Isso seria uma paz insustentável.
Que tipo de acordo de paz seria significativo para a Ucrânia neste momento?
Uma paz que seja alinhada com as normas do direito humanitário internacional. Isso significa a restauração da ordem internacional e da integridade territorial da Ucrânia, além do fim da ocupação da Crimeia e de outras regiões ucranianas. Uma paz que forneça justiça para as pessoas afetadas por essa guerra da Rússia contra a Ucrânia.
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