Diplomacia

Embaixador da Turquia sobre golpe: "Ninguém se atreva a atentar contra nós"

Em 15 de julho de 2016, Recep Tayyip Erdogan sofreu uma tentativa de golpe. Levante terminou com 251 mortos e 2 mil feridos. Embaixador turco no Brasil fala sobre o sétimo aniversário da tentativa de golpe

Rodrigo Craveiro
postado em 14/07/2023 15:37 / atualizado em 17/07/2023 15:30
Halil Ibrahm Akça, embaixador da Turquia em Brasília  -  (crédito: Rodrigo Craveiro/Especial/CB/D.A Press)
Halil Ibrahm Akça, embaixador da Turquia em Brasília - (crédito: Rodrigo Craveiro/Especial/CB/D.A Press)

Em 15 de julho de 2016, uma tentativa de golpe na Turquia deixou 251 mortos e 2 mil feridos. Caças bombardearam o prédio do Parlamento, enquanto tanques foram usados para combater o próprio Exército. Sete anos depois, o embaixador da Turquia em Brasília, Halil Ibrahim Akça, disse esperar que "ninguém se atreva, nem tenha a coragem" de atentar contra a ordem institucional e democrática do país. O governo do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, acusou a Hizmet, organização do clérigo e teólogo turco Fethullah Gülen — denominada de Fetö pelas autoridades turcas.

"Eles bombardearam os prédios do governo, inclusive o Complexo Presidencial, a sede da Inteligência Nacional e a sede do Estado-Maior. Até tentaram assassinar o primeiro presidente eleito diretamente. A organização atacou os civis que saíram às ruas para proteger seu governo legítimo com armamento pesado, incluindo jatos de combate, helicópteros e tanques", disse Akça. Naquela noite, o próprio Erdogan convocou o povo, por meio de seu telefone celular, para sair e defender a democracia. "Gulen, um pregador religioso, e seus seguidores se disfarçaram como um movimento educacional benigno quando iniciaram uma campanha de criação de escolas na Turquia e, posteriormente, em todo o mundo. No auge de seu poder, eles controlavam mil escolas na Turquia e mais de 800 institutos educacionais privados em todo o mundo", afirmou o diplomata. Para o embaixador, essa foi a primeira fase de uma campanha de infiltração, em que crianças e pais se transformaram em "soldados de inflexão do movimento de Gülen".

O embaixador afirmou que o governo Erdogan pediu aos Estados Unidos a extradição de Fethullah Gülen, que hoje vive com seguidores no estado da Pensilvânia. A solicitação, no entanto, foi negada por Washington. "Isso criou uma tensão nas relações entre Turquia e EUA", admitiu. Além da tentativa de golpe, o diplomata falou sobre outros assuntos.

Gustavo Zortea, defensor público federal, afirmou que a versão sobre o envolvimento da organização Fetö foi fabricada pela Turquia. "Nós atuamos em alguns processos de extradição en que a Turquia pedia ao Brasil a extradição de membros do Hizmet e, no fim, as decisões do Supremos Tribunal Federal foram todas favoráveis às pessoas turcas que aqui estavam, reconhecendo que lá eles seriam submetidos a um tribunal de exceção, e a Turquia não teria condição alguma de garantir o devido processo legal", explicou. "Isso é um reconhecimento, de fato, que a Turquia promove uma perseguição a essas pessoas. O modo como a Turquia impõe essa perseguição aos membros do Hizmet é, muitas vezes, por meio da imputação de crimes de terrorismo." Ainda de acordo com ele, o Fetö é uma denominação fabricada e pejorativa do movimento, atribuindo ao mesmo um caráter terrorista, que, segundo relatórios internacionais, não corresponde à realidade.

Turismo

De acordo com o embaixador Halil Ibrahim Akça, são esperados cerca de 100 mil turistas brasileiros na Turquia neste ano. Ele apontou que Istambul, Capadócia e locais de interesse do cristianismo — como a casa onde morou a Virgem Maria, em Izmir — são os pontos turísticos mais procurados pelos brasileiros. A Turkish Airlines mantém 11 voos diretos, semanalmente, de São Paulo a Istambul. 

Relação entre Turquia e Brasil

Akça admitiu que as relações entre a Turquia e o Brasil são "muito boas". "Não temos conflitos com o Brasil. Na maior parte dos assuntos internacionais, nossos países estão do mesmo lado. Eu citaria a guerra da Rússia, as mudanças climáticas, o conflito no Oriente Médio e a questão da África. Nossos posicionamentos e estratégias são muito similares", observou. O diplomata lembrou que a Turquia tem trabalhado em cooperação com o Brasil no apoio humanitário na Síria. 

Segundo o representante máximo do governo turco no Brasil, o comércio bilateral entre Turquia e Brasil movimenta, anualmente, cerca de US$ 6 bilhões. "Nós importamos do Brasil, principalmente, soja, algodão, aço e ferro, além de gado. Por sua vez, a Turquia exporta peças de automóveis e, por incrível que pareça, produtos agrícolas."

Guerra na Ucrânia

O embaixador Halil Ibrahim Akça declarou que existem várias tentativas para mediação de uma solução para a guerra entre Ucrânia e Rússia, incluindo iniciativas da China, de países da África, da própria Ucrânia, do Brasil e da Turquia. Ele acrescentou que a participação mais efetiva da Turquia nesse processo dependerá da evolução no próprio terreno, no front de batalha. "Nos primeiros dias de conflito, a Turquia tentou encontrar uma solução como mediadora, mas a situação mudou desde então", observou. 

Ele explicou que, depois da visita do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à Turquia, a possibilidade do envolvimento mais direto de Erdogan como mediador ficou mais evidente. "Na recente cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Vlinius (capital da Lituânia), a Rússia acompanhou esse processo de perto. Existe uma expectativa grande para a retomada de negociações, mas não tenho novas informações. O principal assunto sobre a mesa é a extensão do acordo sobre o escoamento de grãos da Ucrânia", afirmou. 

Adesão da Suécia à Otan

Durante a mesma cúpula, a Turquia concordou com a adesão da Suécia à aliança militar ocidental. De acordo com Akça, a resistência turca se devia por conta da questão do terrorismo. "O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e o Fetö atuavam na Suécia, e o governo de Estocolmo não fazia o bastante para combater esses grupos. A Suécia chegou a mudar a sua Constituição em relação ao terrorismo, mas nós dissemos a eles que isso não era suficiente. Na última cúpula da Otan, cobramos mais passos da Suécia".

Porta-voz do Movimento Hizmet no Brasil nega acusações

"Na noite do 15 de julho de 2016, aconteceu uma tentativa de golpe na Turquia, nas cidades de Istambul e Ancara. Apesar de não parecer ser um golpe militar comum, por causa de muitas estranhezas, eu e todas as instituições inspiradas no Hizmet condenamos o golpe imediatamente e declaramos nossa posição em favor da democracia. No entanto, essa tentativa de golpe foi considerada como uma 'bênção de Deus' pelo presidente Erdogan, que anunciou — ainda durante a tentrativa— um nome criado com muito profissionalismo para acusar como organizador de golpe: Fetö.

Algumas horas depois dessa declaração ficou claro o motivo disso, pois começou um expurgo generalizado no país. Poucas horas após a tentativa de golpe, as listas com nomes de milhares de pessoas começaram a ser divulgadas como 'organizadores de golpe'. Tudo indica que, tanto o golpe estranho quanto o fichamento de milhares de pessoas, há muito tempo tinham sido planejados e preparados. Nas listas divulgadas, havia pessoas falecidas e outras residentes no exterior há décadas.

Desde que as investigações de corrupção vieram a público, em 17 e em 25 de dezembro de 2013, Erdogan culpa o Movimento Hizmet por todos os problemas na Turquia. No caso dessa tentativa de golpe, não foi diferente. Fizeram declarações sem fundamentos e difamatórias acusando o Hizmet por essa tentativa de golpe. Começando com Fethullah Gülen, o inspirador do Hizmet, todos os membros e simpatizantes do Movimento condenaram o golpe e declararam defender democracia, como há décadas fazem nas suas conversas e práticas.

Em nenhum sistema democrático com um judiciário independente, seria possível explicar o expurgo que vem acontecendo desde 2016 na Turquia, com a destituição, afastamento, demissão, expulsão e até prisão de milhares de professores, acadêmicos, empresários, policiais, funcionários públicos, juízes, governadores e jornalistas; e fechamento de hospitais, escolas, creches, universidades, fundações de ajuda humanitária, associações empresariais, jornais, revistas, sites, televisões, rádios. Após o decreto do estado de emergência por mais de dois anos e a suspensâo da Convenção Europeia de Direitos Humanos, as pessoas foram e estão sendo detidas. Instituições são fechadas sem sequer abertura de processo legal, sem um julgamento justo e sem direito a defesa.

A perseguição não é limitado ao território da Turquia. O Brasil recebeu dois pedidos de extradição de membros do Hizmet, Ali Sipahi (em 2019) e Yakup Sagar (em 2021). Ambos os pedidos foram recusados pelas duas turmas do STF com votação unânime. Todos os países com democracia e direitos fundamentais garantidos ignoram estes pedidos de extradição por serem de perseguição política.

Além do STF, várias instituições brasileiras — como OAB, DPU, Cáritas, Conectas, Assosicação de Juizes e Promotores, associações de imprensa etc. — e muitas órgãos internacionais, incluindo ONU, EU, Human Rights Watch, Anistia Internaiconal, publicaram relatórios sobre a violação de direitos humanos e prisões arbitrárias na Turquia. Todos esses relatórios são do conhecimento dos órgãos públicos no Brasil, como Polícia Federal, Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores.

Eu repudio, como um membro do Hizmet no Brasil, as declarações infundadas do Embaixador da Turquia. Se houve um golpe, foi do próprio Presidente Erdogan, contra a democracia na Turquia."

Mustafa Goktepe, presidente do Instituto Pelo Diálogo (antigo Centro Cultural Brasil – Turquia), organização não governamental brasileira, inspirada no Movimento Hizmet. Porta-voz do Movimento Hizmet no Brasil. Casado, brasileiro naturalizado, empresário, professor visitante na USP e tradutor de turco.

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