Sono

Microssonecas: o efeito sobre o corpo dos cochilos que podem durar segundos

Diversos estudos vêm aumentando cada vez mais nosso conhecimento sobre os efeitos das microssonecas sobre a vida diária, desde a sua influência nas tarefas comuns do dia a dia até situações de risco de vida, como os cochilos na direção.

As microssonecas de alguns segundos podem sinalizar dificuldades de sono mais profundas -  (crédito: Getty Images)
As microssonecas de alguns segundos podem sinalizar dificuldades de sono mais profundas - (crédito: Getty Images)
BBC
Claudia Hammond - Da BBC Future
postado em 15/02/2024 08:47 / atualizado em 15/02/2024 09:26

Quando falamos em microssonecas, não nos referimos aos nossos cochilos de cinco minutos no sofá, bebendo e assistindo a um filme.

Este tempo de sono é muito longo. No mundo das microssonecas, a duração dos cochilos é medida em segundos.

Não existe uma definição científica, mas muitos estudos se concentram no fechar dos olhos por um a 15 segundos por vez.

Diversos estudos vêm aumentando cada vez mais nosso conhecimento sobre os efeitos das microssonecas sobre a vida diária, desde a sua influência nas tarefas comuns do dia a dia até situações de risco de vida, como os cochilos na direção.

E estamos também chegando mais perto de compreender os motivos que nos levam a tirar essas microssonecas.

Pesquisas recentes concluíram que os verdadeiros especialistas nesse sono minúsculo são os pinguins-de-barbicha.

Enquanto seus parceiros estão no mar em busca de alimento, os inúmeros pinguins que ficam nos ninhos precisam ficar em estado de alerta para proteger seus ovos dos predadores, como os mandriões-antárticos, além das agressões de outros pinguins.

O ecofisiologista do sono Paul-Antoine Libourel, do Centro de Pesquisa de Neurociências de Lyon, na França, avaliou a atividade cerebral e os padrões de sono de 14 pinguins na ilha do Rei George, na Antártida.

Ao longo de um período de 10 dias, os pinguins não dormiram por mais de 34 segundos por vez. Na verdade, eles tiveram mais de 10 mil microssonecas de menos de quatro segundos – às vezes, em apenas uma metade do cérebro de cada vez.

Quatro segundos pode parecer um tempo curto demais para causar qualquer função reparadora. Mas o tempo somado indica que cada pinguim tinha impressionantes 11 horas de sono a cada 24 horas.

Este sistema parece funcionar bem para os pinguins. Mas, para o ser humano moderno, as microssonecas são menos benéficas.

Para nós, as situações de vida ou morte que nos exigem ficar em alerta são diferentes das enfrentadas pelos pinguins. Conduzir uma grande caixa de metal ao longo de uma estrada em alta velocidade pode ser uma dessas situações, não evitar um predador.

E, infelizmente, dirigir veículos é uma tarefa que pode ser monótona, mas exige constante atenção.

Este é o tipo de situação que os experimentos tentaram reproduzir em laboratório (eliminando os riscos envolvidos), para pesquisar a natureza das microssonecas.

Em 2014, foi publicado o primeiro estudo sobre o tema utilizando scanners cerebrais, gravações de vídeo dos olhos das pessoas e equipamento de eletroencefalografia para medir as ondas cerebrais.

A equipe de pesquisa criou uma tarefa muito monótona para os participantes. Deitados no scanner, eles tinham uma tela à sua frente e um joystick em uma das mãos. Seu trabalho era usar o joystick para garantir que um disco na tela acompanhasse constantemente um alvo em movimento.

A tarefa era tão maçante que as pessoas tinham dificuldade para ficar acordadas – e 70% delas tiveram pelo menos 36 microssonecas durante a sessão de 50 minutos. Os cientistas da cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, esperavam que ocorressem alguns cochilos, mas não tantos assim.

É verdade que as pessoas haviam acabado de almoçar e estavam deitadas, mas, ainda assim, elas não estavam privadas de sono – e qualquer pessoa que já esteve em um aparelho de ressonância magnética sabe que ele gera um estrondo constante como ruído de fundo. Não parece o lugar ideal para uma soneca.

Não surpreende que as microssonecas sejam ainda mais comuns em pessoas com narcolepsia. Mas as pesquisas indicam que a maioria de nós tem esses cochilos curtíssimos.

Outros pesquisadores da Universidade de Canterbury, em Christchurch, ofereceram aos participantes um volante de direção falso e uma pista para trafegar. Eles observaram que as pessoas ficavam sonolentas com a monotonia.

Os participantes do teste demonstraram aquele comportamento familiar que verificamos quando tentamos ficar acordados durante uma palestra em uma sala quente. As pálpebras se fecham por um momento, a cabeça se inclina um pouco e se movimenta subitamente quando acordamos novamente.

Riscos à segurança no trânsito

Quanto mais fatigados estivermos, mais propensos estamos a ter microssonecas.

A pesquisadora do sono Yvonne Harrison, da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, descobriu que essas sonecas são mais comuns à tarde e à noite. Elas costumam preceder um período de sono mais longo.

O professor de psiquiatria David Dinges, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, mantém pessoas acordadas toda a noite para observar com que frequência elas adormecem no dia seguinte.

Como se pode esperar, os lapsos de atenção (que muitos cientistas consideram como microssonecas) se tornam muito mais frequentes depois de perder uma noite de sono.

Mas Dinges chegou a uma conclusão alarmante, em termos de segurança nas estradas. Ele descobriu que, quando as pessoas conseguem ter seis horas de sono por noite em 14 dias seguidos, elas têm a mesma quantidade de microssonecas que as pessoas que perderam uma noite de sono inteira.

E, ao contrário das que passaram a noite acordadas, as pessoas que conseguiram seis horas de sono por noite não perceberam que estavam tão fatigadas. Elas simplesmente se acostumaram com aquilo.

E nós nem mesmo ficamos sabendo quando tiramos uma microssoneca.

Em outro estudo, as pessoas foram convidadas a tirar sonecas diurnas deliberadamente no laboratório e depois acordadas em seguida pelos pesquisadores após um, cinco, 10 ou 20 minutos.

Elas foram então questionadas se haviam dormido ou não. E, se fossem mantidas dormindo por apenas 60 segundos, apenas 15% delas percebiam que haviam tirado um cochilo. Mesmo depois de um período de sono de 10 minutos, apenas a metade reconheceu que havia adormecido.

Esta descoberta pode explicar por que as pessoas negam categoricamente que cochilaram em frente à TV, mesmo quando você as observa claramente adormecendo.

Em relação ao que acontece no cérebro, as microssonecas são caracterizadas, em grande parte, por uma mudança de ondas alfa para teta – o tipo de ondas observado no primeiro estágio do sono.

Até aqui, tudo é muito parecido com o sono normal. Mas outro fato curioso pode estar acontecendo. O experimento da Nova Zelândia, que fez as pessoas seguirem um alvo com um joystick, revelou uma descoberta fascinante que surpreendeu os pesquisadores.

Em vez de uma redução sistemática da atividade cerebral à medida que as pessoas adormeciam, os pesquisadores observaram algo diferente. Embora algumas áreas do cérebro realmente ficassem menos ativas conforme o esperado, houve um aumento da atividade do lobo frontal e parietal (as áreas do cérebro atrás da nossa testa).

Eles especulam que esta pode ser uma reação inconsciente ao adormecimento, uma tentativa de não dormir e ficar acordado.

Este fenômeno não é observado em sonecas mais longas, o que indica que as microssonecas são diferentes do sono normal – não apenas mais curtas.

Analisando os dados desse experimento com mais detalhes nove anos depois, a equipe descobriu que não havia redução, mas um aumento das ondas delta, beta e gama durante a microssoneca. Esta descoberta sustenta a noção de que, quando adormecemos em momentos nos quais deveríamos permanecer concentrados, nosso cérebro percebe a situação e inicia um processo para nos fazer acordar novamente.

Quando você não está dirigindo, esse sono pode não importar tanto. Talvez você esteja apenas se arriscando a perder alguns segundos de um filme ou peça ou, no pior dos constrangimentos, pode ser flagrado com os olhos fechados por um momento enquanto alguém fala com você.

Naturalmente, o problema é que, com os rápidos veículos modernos, um sono de dois segundos é suficiente para que um carro ou caminhão se desvie para a pista ao lado, o que pode ser fatal. Por isso, não podemos correr o risco de tirar sonecas inesperadas enquanto estamos dirigindo, não importa o quanto elas possam ser curtas.

Pesquisas recentes realizadas em uma única companhia de transporte no Japão, que emprega quase 15 mil motoristas, podem nos ensinar algumas coisas.

Os cientistas analisaram as imagens das câmeras de painel de 52 dos seus motoristas profissionais que se envolveram em colisões depois de adormecer.

Os vídeos revelaram que três quartos deles exibiram sinais de microssonecas antes da colisão.

A sequência de eventos de um dos motoristas foi a seguinte: um minuto antes do acidente, ele começou a piscar rapidamente; seu corpo parou de se mover 38 segundos antes da colisão, o que foi seguido por algumas piscadas lentas; até que, quatro segundos antes do acidente, seus olhos se fecharam por apenas dois segundos.

Os olhos do motorista se abriram novamente um segundo antes da colisão, mas era tarde demais para que ele fizesse qualquer coisa e o caminhão saiu da rodovia.

A partir desses vídeos, os pesquisadores identificaram formas de prever acidentes iminentes, o que pode ser usado para alertar o motorista.

Quando se sentem cansados, os motoristas tentam ficar acordados tocando seu rosto ou o corpo (eles não fornecem detalhes, mas imagino que isso signifique algo similar a dar tapas no nosso próprio rosto para tentar nos acordar). Eles podem então se movimentar ou se estirar antes que ocorra a microssoneca.

Os pesquisadores indicam que qualquer sistema automático para detectar se um motorista está a ponto de cochilar inclui muito mais do que observar apenas se os seus olhos se fecham. É preciso procurar movimentos do corpo de forma mais ampla.

Paralelamente, nós, enquanto motoristas, precisamos ter consciência de que estamos sentindo sono, o que é mais difícil do que parece, considerando que nem sempre percebemos que cochilamos por um segundo. E, quando sabemos que estamos exaustos, simplesmente tentar nos concentrar nem sempre é suficiente.

Este ponto foi comprovado pelas mortes entre os pilotos que voltavam para a Inglaterra após os bombardeios da Segunda Guerra Mundial, segundo o pesquisador do sono Jim Horne no seu livro Sleepfaring: a Journey Through the Science of Sleep ("Viagem pelo sono: uma jornada através da ciência do sono", em tradução livre).

Durante os combates, o medo, a concentração, os esforços para atingir a vitória e a adrenalina mantinham os pilotos acordados, por mais cansados que eles estivessem. Mas, depois que não havia mais distrações no caminho para casa, alguns pilotos eram vencidos pelo sono e, com isso, acabavam se acidentando.

A força de vontade não é suficiente para manter uma pessoa acordada, nem mesmo quando ela sabe que é uma questão de vida ou morte. Durante uma longa viagem, precisamos seguir o conselho de parar em um lugar seguro assim que nos sentirmos cansados, tomar café, tirar um cochilo e esperar até que estejamos totalmente acordados antes de voltar a dirigir.

Ao contrário dos pinguins-de-barbicha, os seres humanos não conseguem substituir uma boa noite de sono pelas microssonecas. Se os cochilos forem muito frequentes, pode ser um sinal de que não estamos dormindo o suficiente.

Mas, quando não estamos dirigindo nem nos dedicando a outra atividade em que a nossa concentração é vital, talvez não precisemos nos preocupar com alguns segundos de olhos fechados aqui e ali.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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