Direitos humanos

Venezuela: Regime de Nicolás Maduro declara guerra às Nações Unidas

Presidente suspende as atividades do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Caracas e dá 72 horas para funcionários abandonarem o país, depois de acusá-los de "terroristas" e "golpistas"

Manifestantes da oposição seguram cartazes que formam a frase
Manifestantes da oposição seguram cartazes que formam a frase "A Venezuela exige direitos humanos", durante visita da então Alta Comissária da ONU, Michelle Bachelet, em 2019 - (crédito: Cristian Hernandez/AFP)
postado em 16/02/2024 06:00

As organizações não governamentais ainda pressionavam o Palácio de Miraflores ante a prisão da ativista Rocío San Miguel, 57 anos, quando o regime do presidente Nicolás Maduro anunciou a suspensão das atividades do Escritório Técnico de Assessoria do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e a expulsão dos seus funcionários da Venezuela em 72 horas.

"Essa decisão é tomada devido ao papel impróprio que esta instituição desempenhou, que, longe de mostrá-la como uma entidade imparcial, a levou a se tornar o escritório particular do grupo de golpistas e terroristas que conspiram permanentemente contra o país", declarou o ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yvan Gil. 

O chanceler assegurou que a punição permanecerá "até que se retratem publicamente perante a comunidade internacional de sua atitude colonialista, abusiva e violadora da Carta das Nações Unidas". Na véspera, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos tinha expressado sua "preocupação" com a prisão de Rocío San Miguel, chefe da ONG Controle Cidadão. Ela foi detida em 9 de fevereiro, na área de imigração do Aeroporto Internacional de Caracas.

O ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yvan Gil, anuncia decisão, ao acusar a ONU de "papel inapropriado"
O ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yvan Gil, anuncia decisão, ao acusar a ONU de "papel inapropriado" (foto: Federico Parra/AFP)

Nesta quinta-feira (15/2), o Alto Comissariado lamentou a decisão do regime de Maduro e afirmou que avalia os passos seguintes. "Continuamos a conversar com as autoridades e outros atores. Nossos princípios orientadores foram e continuarão a ser a promoção e proteção dos direitos humanos dos venezuelanos", reagiu a porta-voz, Ravina Shamdasani.

Por telefone, Antonio Ledezma — um dos líderes da oposição, ex-prefeito de Caracas e preso político exilado em Madri — disse ao Correio que Maduro está "mais desesperado do que nunca". "Nunca vi os líderes do regime tão desesperados, dando cabeçadas e cometendo uma série de equívocos. Isso aconteceu quando tentaram boicotar as primárias da oposição e não conseguiram. Também quando ameaçaram os membros da Comissão Nacional Eleitoral (CNE)", afirmou. "Agora, voltam a se equivocar, com Maduro consolidando o seu isolamento no mundo."

Ledezma destaca que Maduro e seus asseclas podem viver com as sanções impostas pela comunidade internacional. "Eles formam parte da ínfima porcentagem de venezuelano, que têm dólares, carros blindados e todos os serviços controlados, como eletricidade e água. Nesta semana de flexibilização de sanções, Maduro acumulou uma massa monetária de pelo menos US$ 4 bilhões. Precisamos perguntar à população se esse dinheiro foi transformado em salário ou se foi usado no reparo de termelétricas, hospitais, escolas e universidades. Não, esse dinheiro foi para a corrupção e para melhorar as condições dos grupos responsáveis pela perseguição política", denunciou.  

Críticas

Ex-embaixador da Venezuela nas Nações Unidas e ex-presidente do Conselho de Segurança, Diego Enrique Arria explicou ao Correio que o regime de Maduro tem sido bastante criticado pelas missões enviadas pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU a Caracas. Segundo ele, o último informe do Escritório Técnico de Assessoria do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apontou a existência de tortura e de milhares de pessoas presas de forma irregular. Também denunciou que o Palácio de Miraflores pratica a perseguição como uma política de Estado. "Como resultado disso, a Venezuela acordou receber uma missão permanente do Conselho de Direitos Humano, a fim de avaliar a situação. Ontem (quarta-feira), o representante do escritório do Alto Comissariado anunciou que tentou, sem sucesso, visitar os centros de detenção onde estão confinados os presos políticos", lembrou. 

De acordo com Arria, após essas declarações, o governo venezuelano tomou uma ação "típica de uma ditadura", ao ordenar a expulsão, em 72 horas, dos funcionários. "Isso não é um ato terrível somente contra eles, mas contra o Conselho de Direitos Humanos e a própria ONU. Trata-se de um gesto absolutamente condenável e vergonhoso", disse Arria, que também foi governador de Caracas e candidato a presidente da Venezuela. 

Para José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV), Maduro busca transparecer que despreza o acordo assinado com a oposição em Barbados. "Ele toma medidas extremas para forçar os Estados Unidos a manterem a suspensão das sanções e desviar o foco do caso envolvendo Rocío San Miguel, que tem causado muita preocupação dentro do país, particularmente entre organizações não governamentais. O que Maduro faz é um pouco de terrorismo de Estado", comentou. Aumaitre acredita que o regime tenta semear o medo entre os venezuelanos. 

EU ACHO... 

Diego Arría, ex-embaixador da Venezuela na ONU e ex-presidente do Conselho de Segurança
Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU e ex-presidente do Conselho de Segurança (foto: Wikipedia)

"A ativista Rocío San Miguel não foi presa, mas sequestrada. O marido dela, a filha e a irmã tinham sido também. Isso segue uma prática comum na Alemanha nazista, de aprisionar os membros da família para impor mais pressão sobre a pessoa que tratavam de perseguir. Ao mesmo tempo, é uma mensagem direcionada à população venezuelana de que a família inteira poderia ser sequestrada. Para mim, isso são sintomas de um regime muito débil, que está cada vez mais isolado no mundo, e é investigado pela Corte Penal Internacional e pela Comissão de Direitos Humanos da ONU."

Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU e ex-presidente do Conselho de Segurança

José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV)
José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV) (foto: Arquivo pessoal )

"Com a expulsão da Venezuela do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Maduro provoca mais medo entre a população. Semear medo é o motivo principal dessa decisão. Ele busca paralisar os seus contendores e fazê-los sentir que criticar o governo tem um custo enorme. O medo funcionou antes e, por isso, estão o utilizando novamente. Eu tenho escrito que Maduro entrou na fase de terrorismo de Estado. Ele utiliza o terror para se manter no poder."

José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV)

Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas
Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas (foto: Wikipedia)

"Não há dúvida em nenhuma parte do mundo de que o regime de Maduro representa a essência de um Estado falido, onde não há instituições autônomas e onde se fecham as vias para uma solução pacífica e negociada. Ao mesmo tempo, um Estado foragido, por atuar como os próprios delinquentes. Não se trata nem mesmo de uma ditadura convencional, mas um regime de força, que atua como uma corporação criminosa."

Antonio Ledezma, um dos líderes da oposição, ex-prefeito de Caracas e preso político exilado em Madri

  • O ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yvan Gil, anuncia decisão, ao acusar a ONU de
    O ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yvan Gil, anuncia decisão, ao acusar a ONU de "papel inapropriado" Foto: Federico Parra/AFP
  • Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU e ex-presidente do Conselho de Segurança
    Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU e ex-presidente do Conselho de Segurança Foto: Wikipedia
  • José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV)
    José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV) Foto: Arquivo pessoal
  • Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas
    Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas Foto: Wikipedia
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