A invasão da polícia equatoriana ao prédio da Embaixada do México, em Quito, na noite de sexta-feira passada, provocou o isolamento internacional do Equador e abriu um precedente perigoso, que contribui para a desordem internacional, alimenta a animosidade entre países e prejudica a integração regional. A opinião é de Guillaume Long, 47 anos, ministro das Relações Exteriores do Equador entre março de 2016 e maio de 2017, durante o governo do presidente Rafael Correa e do vice, Jorge Glas. Em entrevista ao Correio, por telefone, Long — analista sênior do Center for Economic and Policy Research (em Washington) e doutor em relações internacionais pela Universidade de Londres (2011) — condenou a ação policial que levou à prisão de Glas e não descartou uma tentativa do atual presidente Daniel Noboa de usar o evento para influenciar o referendo constitucional de 21 de abril. O ex-chanceler, ex-ministro de Cultura e Patrimônio, e do Conhecimento e Talento Humano do Equador também disse acreditar que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidirá em favor do México e aplicará sanções contra Quito. E fez um alerta: "Amanhã, qualquer ditadura poderá copiar o exemplo do Equador ou usar o precedente do ataque equatoriano para se proteger, atacar uma embaixada e prender qualquer requerente de asilo que tenha buscado a proteção da missão".
Como o senhor avalia a decisão de Noboa de invadir a embaixada do México?
É uma gravíssima violação do direito internacional; não de qualquer aspecto do direito internacional, mas da base sobre a qual são construídas as relações entre os países: a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. O artigo 22 afirma que "o local da missão é inviolável". "Os agentes do Estado receptor não poderão entrar nele sem o consentimento do chefe da missão", sustenta. A gravidade do incidente nunca pode ser suficientemente sublinhada. É sabido que entrar à força em uma embaixada é um tabu absoluto. Na verdade, é difícil compreender essa decisão do governo Noboa. O Equador realizará um referendo constitucional em 21 de abril. As perguntas da consulta popular tratam do grave problema de insegurança: o endurecimento das penas, a militarização do combate aos narcotraficantes, a extradição de equatorianos. O governo também inseriu questões de natureza mais econômica para anular a proibição que existe na atual Constituição sobre arbitragens internacionais entre investidores e Estado.
Mas qual seria a ligação entre o referendo e o ataque à embaixada?
Nos últimos dias, várias pesquisas deram a Noboa a vitória confortável que ele esperava, especialmente nas questões econômicas. Pode-se especular, e é o que fazem muitos analistas no Equador, que a decisão de entrar violentamente na embaixada responde, então, a uma lógica eleitoral: Noboa buscou ser visto como um homem forte e destemido. Resta saber se essa aposta funciona, porque muitos dos aliados do governo têm criticado o ataque à embaixada mexicana. E não sabemos que leitura o povo equatoriano terá. Na realidade, seria muito irresponsável que as eleições tivessem motivado tal ação. Também é possível levantar a hipótese de que Noboa tomou essa decisão por profunda ignorância. É um governo muito inexperiente, com funcionários que não têm uma boa compreensão dos assuntos.
Que tipo de resposta o senhor espera da Corte Internacional de Justiça?
Não há dúvida de que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidirá em favor da reivindicação do México. Não é um caso difícil para o tribunal. Não contém qualquer tipo de ambiguidade, uma vez que não há causa no direito internacional para a entrada forçada e não autorizada numa missão diplomática. A questão é que tipo de sanção o Tribunal decide aplicar. Não há muitos precedentes. Houve o caso da invasão à Embaixada dos EUA, no Irã, em 1979. O Tribunal considerou o Irã culpado e multou o país pelos danos causados aos bens e ao pessoal da embaixada. Poderia, ainda, ordenar o retorno ao status quo anterior e devolver o estatuto de asilo a Jorge Glas, exigindo que o Equador o entregasse ao México. Medidas provisórias também poderiam ser emitidas. Ou seja, é muito difícil estabelecer com certeza quais serão as sanções impostas. Antes da decisão da CIJ, haverá diversas reuniões em nível multilateral, no Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), onde certamente haverá resoluções condenando o Equador. Talvez também na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) ou na própria ONU. Em nenhum desses espaços, o Equador vai se sair bem.
Quais riscos a ação do Equador representa para outras democracias da América Latina?
Há um custo muito alto para o Equador, evidentemente, e para o prestígio do país e de sua diplomacia. Mas, também, é um ataque brutal ao direito internacional e às relações pacíficas entre Estados. Hoje, é o Equador; amanhã, quem será? As regras mais básicas de convivência entre os Estados não mais importam? Nesse sentido, a medida contribui para a desordem internacional; causa animosidade e desconfiança entre os Estados; prejudica a tão necessária integração regional; mas, acima de tudo, semeia um precedente desastroso no que diz respeito à imunidade das sedes diplomáticas e ao direito de asilo. Amanhã, qualquer ditadura poderá copiar o exemplo do Equador ou usar o precedente do ataque equatoriano para se proteger, atacar uma embaixada e prender qualquer requerente de asilo que tenha buscado a proteção da missão. Nesse sentido, é óbvio que se trata de um golpe para a democracia na região e no mundo. Além disso, a América Latina tem sido pioneira no direito ao asilo, principalmente por meio da Convenção de Caracas de 2014. O documento estabelece claramente, no seu artigo 4º, que "cabe ao Estado de asilo classificar a natureza do crime ou os motivos da perseguição" e que "uma vez concedido o asilo, o Estado territorial é obrigado a conceder imediatamente o salvo-conduto correspondente". Ao desrespeitar a convenção, o Equador desferiu um duro golpe no direito ao asilo.
As reações dos líderes da América Latina foram satisfatórias?
Na América do Sul e no mundo, a reação foi inequívoca e unânime. Cada um dos países se pronunciou condenando o ocorrido e defendendo a validade do direito internacional. Alguns foram muito duros ou até chamaram o seu embaixador para consultas. Ouso dizer que até o governo de Javier Milei, na Argentina, aderiu à condenação. Não há um único país no mundo que tenha saído em defesa da ação do Equador. Neste momento, o Equador está isolado. É uma pena que, por ignorância, provavelmente por elementos que dizem respeito à personalidade (e à autoconfiança inflada) do presidente equatoriano, bem como por pequenos cálculos eleitorais, o país tenha sido tão desacreditado. Além disso, o México foi verdadeiramente atacado. Até os seus diplomatas foram maltratados. Portanto, a solidariedade de toda a região com o México é muito importante. As reações de rejeição são importantes e devem continuar, sem hesitação. Tenho pena do Equador, mas deixá-lo escapar impune nesse caso seria desferir um golpe mortal no direito internacional, no direito ao asilo e na coexistência pacífica entre os Estados.
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