Em uma demonstração de que a diplomacia caminha ao lado das bombas, o governo de Israel estaria discutindo um plano no qual o Estado judeu ofereceria a partilha da supervisão da Faixa de Gaza a uma coalizão de países árabes, entre eles Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Os Estados Unidos também se envolveriam nesse processo. A informação, divulgada pelo jornal norte-americano The New York Times, fornece o primeiro vislumbre sobre o futuro do território palestino depois que os bombardeios cessarem.
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O principal obstáculo está na resistência de políticos da extrema direita israelense e, principalmente, na provável oposição de facções palestinas à participação direta de Israel no pós-guerra. O gabinete de Benjamin Netanyahu espera utilizar o plano para barganhar a normalização das relações diplomáticas com a Arábia Saudita.
A proposta de Israel é recebida com ceticismo por especialistas em Oriente Médio — uma das críticas é o fato de ela não contemplar um caminho para a criação do Estado palestino. Em entrevista concedida ao Correio, em 8 de abril, Basem Naim, chefe do Departamento Político do movimento fundamentalista Hamas na Faixa de Gaza, advertiu que "o dia seguinte à guerra tem que ser um dia dos palestinos". "O povo palestino é maduro o bastante para decidir por si mesmo, para escolher sua liderança e sua agenda política. O Hamas é parte do tecido social e político palestino", sublinhou o líder do Hamas.
O plano israelense prevê que a coalizão entre países árabes, o Estado judeu e os Estados Unidos apontariam lideranças de Gaza para recuperar o território devastado e preservar a ordem. Em um prazo de sete e 10 anos, os palestinos teriam a permissão para decidirem, por meio de referendo, se aceitam um governo unificado para Gaza e Cisjordânia. Enquanto isso não ocorrer, as Forças de Defesa de Israel (IDF) seguiriam operando dentro de Gaza.
Para David Simon, diretor do Programa de Estudos do Genocídio da Universidade Yale, em New Haven (Connecticut), a participação de países árabes na reconstrução da Faixa de Gaza será inevitável. Ele alertou que os palestinos não confiarão em Israel para controlar o território, assim como o governo de Netanyahu não acreditará nos palestinos. "É necessário algum tipo de força externa, e certos Estados árabes podem ser os únicos intervenientes possíveis com credibilidade suficiente. Não sei se os palestinos aceitariam tal proposta", afirmou ao Correio, por e-mail.
O especialista de Yale admite que a eventual supervisão compartilhada de Gaza é "um dos poucos caminhos plausíveis a seguir". "O Irã, no entanto, continuaria a desempenhar um papel de 'estraga-prazeres', a não ser que receba algum tipo de concessão", previu.
Ceticismo
Professor aposentado de história da Universidade Libanesa Americana, Habib Malik disse à reportagem que a opção de partilha de responsabilidades sobre Gaza não é levada a sério por Netanyahu. "O premiê deixou claro que Israel será a única autoridade no comando de Gaza depois de o Hamas ser desalojado do poder. Talvez essa opção de divisão de comando possa ser considerada no futuro, não agora", observou. Malik ressaltou que a "supervisão" poderia guardar um arranjo no qual Israel permaneceria como a principal autoridade em Gaza, enquanto as nações árabes teriam participação limitada. "A ideia parece muito nebulosa e embrionária."
Para Kenneth Roth, ex-diretor-executivo da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), a proposta israelense é um "cálice de veneno" que provavelmente não será aceito. "A oferta vem no momento em que Netanyahu se recusa a considerar ou começar a negociar a criação de um Estado palestino. Em outras palavras, ele visualiza uma ocupação sem fim e um governo sob o regime do apartheid e pretende que os países árabes assumam o papel de coocupantes. Isso somente disseminará o ódio do povo palestino", afirmou, por e-mail.
Richard Falk, professor de direito internacional da Universidade de Princeton, denuncia que Israel deseja uma salvaguarda para prosseguir com a governança de Gaza. Ele lembrou que Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos mais se opõem ao Hamas e ao Irã do que a Israel. "Eles temem pela própria estabilidade em relação a atores islamitas populistas. Essa realidade é reforçada pelo fato de a maioria das populações árabes apoiar fortemente a luta dos palestinos por direitos básicos. Esses países também se opõem às táticas genocidas empregadas em Gaza", explicou ao Correio o relator especial da ONU para a Palestina Ocupada entre 2008 e 2014.
Em paralelo aos planos sobre o futuro de Gaza, uma notícia divulgada pelo jornal The Times of Israel sinalizou como uma perspectiva de paz parece distante. Os EUA rejeitaram um plano que buscaria viabilizar a criação de um Estado palestino. A proposta, elaborada em conjunto pela AP, Catar, Arábia Saudita, Jordânia e Emirados Árabes Unidos, incluía o reconhecimento imediato da ONU e da comunidade internacional de um Estado palestino; a retirada das forças israelenses de Gaza em até três semanas; a transferência do governo do território para a AP; e a conclusão de uma negociação, em até 180 dias, para a libertação de todos os presos palestinos.
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