oriente médio

Mortes no Irã: diretor de ONG que denunciou execuções cobra reação internacional

Só ontem (18/5), 10 pessoas que estavam presas foram enforcadas, incluindo duas mulheres. Em entrevista exclusiva, Mahmood Amiry-Moghaddam alerta para a intensificação da pena no país e critica falta de transparência

Bandeira do Irã -  (crédito: Akbar Nemati/Unsplash)
Bandeira do Irã - (crédito: Akbar Nemati/Unsplash)

Marcando o momento em que a República Islâmica intensifica a aplicação da pena de morte com fins políticos, 10 pessoas, incluindo duas mulheres, foram enforcadas ontem, no Irã, conforme relato da ONG Iran Human Rights (IHR), sediada na Noruega. Parvin Musavi, de 53 anos, mãe de dois, foi executada na prisão de Urmia, no noroeste do país, junto a cinco homens, todos condenados por tráfico de drogas, segundo comunicado da IHR.

Em Nishapur, no leste, uma mulher de 27 anos, identificada como Fatemeh Abdulahi, foi enforcada por assassinar seu marido — que também era seu primo. A IHR informou que houve uma aceleração das mortes após o fim do ano-novo persa e do Ramadã, em abril. O número de execuções neste ano já chegou a 223, com pelo menos 50 ocorridas em maio. Em entrevista ao Correio, Mahmood Amiry-Moghaddam, 53 anos, diretor da ONG Iran Human Rights, falou sobre a atual situação no país e suas perspectivas em relação ao assunto.

Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da organização Iran Human Rights (IHR)
Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da organização Iran Human Rights (IHR), cobra reação internacional (foto: Arquivo pessoal )

Quantas execuções ocorreram pela República Islâmica neste mês e como o senhor vê essa onda de enforcamentos?

Somente neste sábado, confirmamos 10 execuções, inclusive de duas mulheres. Uma delas foi morta por acusações ligadas a drogas. Outra foi executada por ter cometido um assassinato. No último mês, desde 17 de abril, pelo menos 118 pessoas foram executadas. Mais de 70 delas por conta de acusações relacionadas a entorpecentes. O número de execuções tem sido alto ao longo do último ano até fevereiro de 2024, quando houve eleições parlamentares no Irã. Depois disso, tivemos os feriados de ano-novo iraniano e o mês sagrado do Ramadã, quando o número de mortes é costumeiramente baixo. Em um mês, as execuções começaram a aumentar rapidamente. Estamos muito preocupados com (a possibilidade) de mais pessoas serem executadas nas próximas semanas ou meses.

O mundo tem sido negligente ou omisso em não abordar essa questão de direitos humanos?

Apesar das execuções diárias, que chegam a três ou quatro todos os dias, ao longo do último mês, não temos visto nenhuma reação internacional forte, especialmente de países que respeitam os princípios dos direitos humanos e que mantêm relações diplomáticas com a República Islâmica. Temos visto alguma reação dos relatores especiais das Nações Unidas. Mas é muito importante que esses países se pronunciem. Infelizmente, não temos visto isso. Parece que toda a atenção tem sido voltada para o papel do Irã no Oriente Médio e sua tensão com Israel. No entanto, o que a República Islâmica tem feito com sua própria gente não tem recebido atenção.

Que ações são mais eficientes para atrair o foco sobre o país e combater esses abusos?

O maior perigo é o silêncio que testemunhamos agora. Declarações públicas simbólicas não podem ser eficientes. Qualquer coisa que aborde o custo político das execuções pode ajudar. Isso pode vir por meio de protestos verbais; declarações públicas; a convocação de embaixadores iranianos pelo Ministério das Relações Exteriores; a comunicação, por parte de países que tenham relações diplomáticas com o Irã, que não aceitarão um número tão alto de execuções. Precisamos de uma atenção permanente sobre o tema da pena de morte no Irã. Todas as execuções no Irã devem ter a atenção da comunidade internacional. As autoridades iranianas usam a pena de morte como instrumento para criar o medo. A execução de prisioneiros políticos tem um custo político mais alto. Por isso, a República Islâmica não executa muitos prisioneiros políticos. Todos sabemos deles. A execução de presos comuns, acusados por crimes ligados a drogas ou outros delitos, não tem nenhum custo político. O regime usa essas execuções para instilar medo. Toda execução no Irã é política. O que pode ser feito é que o Escritório da ONU para Drogas e Crimes, que coopera com a República Islâmica, pode protestar contra as execuções de infratores pegos com drogas. Todos os dias, uma ou duas pessoas são enforcadas no Irã por esses crimes. A ONU não tem mostrado nenhuma reação e ficado em completo silêncio. Isso não é aceitável. A ajuda que a ONU dá às autoridades, como equipamentos e treinamentos, os capacita a prenderem mais pessoas. E muitas delas são executadas. É preciso ter em mente que as pessoas presas após serem flagradas com drogas pertencem às camadas mais pobres e marginalizadas da sociedade. Não são líderes de cartéis de drogas.

A maior taxa de enforcamentos de mulheres entre os países ainda é no Irã?

O Irã tem a maior taxa de enforcamentos de mulheres entre os países. Até agora, as autoridades executaram cerca de 250 pessoas, e você pode encontrar essa informação no contador de execuções em nosso site. Aproximadamente 10 mulheres foram executadas. Claro, o Irã é o maior executor de mulheres no mundo, e tem sido assim nos últimos 10 a 15 anos. Em geral, o Irã também é o maior executor per capita do mundo, embora não saibamos o que acontece na China. Acredita-se que o número de execuções per capita seja maior no Irã.

Quais as implicações dessas penas para o movimento pelos direitos das mulheres iranianas?

Como eu disse, a pena de morte é o instrumento mais forte do regime para criar medo na sociedade. A mensagem que enviam para as mulheres é que "nós temos o poder de matar, estamos desejosos de matar e nós mataremos". No último mês, o número de mulheres executadas também aumentou. Seis mulheres foram executadas neste mês. Não me recordo de nenhum mês, nos últimos anos, em que seis mulheres foram mortas em um mês. Então, o objetivo é semear o medo entre as pessoas, impedindo-as de protestar.

Em 2023, o Irã realizou o maior número de enforcamentos desde 2015. Há transparência por parte do Judiciário?

As autoridades iranianas anunciaram apenas 10% a 15% de todas as execuções, sendo o restante confirmado por fontes independentes, como a Iran Human Rights. Portanto, o número real é, provavelmente, muito maior do que o publicado. Certamente, as autoridades iranianas divulgaram apenas uma pequena parte das execuções realizadas. No Judiciário iraniano, não há Estado de Direito nem responsabilidade, o que impede qualquer expectativa de completa transparência.

De que maneira cidadãos comuns de todo o mundo podem lutar contra essas violações dos direitos humanos?

Acho que cada cidadão, de qualquer lugar do planeta, pode levantar a voz contra essas execuções no Irã. Se você vive no Brasil, pode escrever sobre isso em suas redes sociais, pode condenar isso compartilhando as histórias dos executados. Também pode pedir ao seu governo para que reaja a essas execuções. O mesmo vale para todos os outros países. Nós, que vivemos em nações democráticas, podemos pedir às nossas autoridades e aos congressistas para levantarem suas vozes. Não podemos tolerar execuções de duas ou três pessoas todos os dias em um país-membro pleno da ONU. 

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postado em 19/05/2024 06:00
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