França

Macron escolhe aliado centrista para tentar encerrar crise política na França

Presidente Emmanuel Macron escolhe o aliado centrista François Bayrou como o terceiro primeiro-ministro a assumir neste ano, em meio à grave turbulência política. Novo premiê reconhece que terá um "Himalaia" pela frente e prega reconciliação

François Bayrou é fotografado após a cerimônia de posse, no Hotel Matignon, em Paris:
François Bayrou é fotografado após a cerimônia de posse, no Hotel Matignon, em Paris: "Ninguém conhece melhor que eu a dificuldade da situação" - (crédito: Thomas Samson/AFP)

Emmanuel Macron decidiu jogar todas as fichas de sua sobrevivência no poder e do fim da crise política em um aliado de sete anos. Em viagem oficial à Polônia, onde foi recebido pelo presidente Andrzej Duda e pelo premiê Donald Tusk, o titular do Palácio do Eliseu nomeou o ex-deputado centrista François Bayrou, 74 anos, para o cargo de primeiro-ministro — o quarto desde o início do mandato de Macron, em 2017, e o terceiro apenas neste ano.

O último premiê, Michel Barnier, não resistiu a um voto de confiança e foi destituído pela Assembleia Nacional francesa, em 4 de dezembro, por 331 votos, 43 acima da maioria absoluta de 288. Bayrou chega ao governo de Macron em meio ao impasse sobre o orçamento para 2025, que também foi barrado pelo parlamento. "Ninguém conhece melhor do que eu a dificuldade da situação" política e orçamentária da França, declarou o novo primeiro-ministro, em seu primeiro discurso.

Bayrou, que tomou posse em uma cerimônia no Hotel Matignon, em Paris, precisará de habilidade para assegurar uma maioria na Assembleia Nacional capaz de garantir a governabilidade e de impedir sua queda. Ele comparou sua missão a um "Himalaia" e tratou de fazer um aceno às forças políticas do país, ao defender a "reconciliação" como instrumento para superar a instabilidade.  

A tarefa não será fácil. Presidente do Movimento Democrático (MoDem), ele enfrenta a resistência do partido de esquerda. Socialistas, comunistas e ecologistas, aliados do partido de esquerda radical A França Insubmissa (LFI) na Nova Frente Popular (NFP), se recusaram a entrar em um governo chefiado por Bayrou, apesar de terem aceitado discutir com a aliança de Macron e o partido de direita Os Republicanos (LR). O risco é de que eles imponham ao premiê escolhido o mesmo destino de Barnier. Os primeiros pediram, em vão, um primeiro-ministro de esquerda e uma mudança de rumo na política do governo, sobretudo após sua coalizão, que está à beira da ruptura, vencer as eleições legislativas.

"Ao nomear um de seus aliados (...), Macron se arrisca a agravar a crise política", alertaram os socialistas, pedindo que Bayrou se comprometa a não aprovar leis por decreto e a não depender da extrema direita, evitando, assim, a censura. Por sua vez, o partido LFI anunciou que apresentará uma moção de censura contra o novo premiê.

A extrema direita, que provocou a queda de seu antecessor, ao apoiar uma moção da NFP, disse que "a princípio" não o faria se ele acatasse suas demandas. Em setembro, o LR abandonou a oposição e, agora, condicionou a permanência no governo ao "projeto" de Bayrou. Na noite de ontem, o novo premiê convocou o ministro do Interior, o polêmico Bruno Retailleau, para abordar as prioridades do partido conservador. A composição do governo nos próximos dias e sua linha política serão estratégicas para sua sobrevivência. Por enquanto, o Executivo anterior apresentou uma "lei especial" para prorrogar o orçamento de 2024 e poder cobrar impostos.

Embora a Presidência francesa tenha defendido Bayrou como o "candidato mais consensual" para "dialogar" com os demais partidos com vistas a uma "estabilidade" — exceto a extrema direita e a esquerda radical  —, sua nomeação ficou no limbo horas antes. De acordo com a agência France-Presse, o presidente, de centro direita, tinha a intenção de indicar o ministro da Defesa, Sébastien Lecornu. No entanto, durante uma reunião de quase duas horas, Bayrou ameaçou uma ruptura com a coalizão governista. 

"Na longa história da Quinta República (iniciada em 1968), esta pode ter sido a primeira vez em que um primeiro-ministro elege a si próprio", afirmou Mutjaba Rahman, analista do Eurasia Group, para quem o novo premiê deverá se aproximar da esquerda para aprovar o orçamento.

Risco

Um novo fracasso poderia agravar a crise política desatada por Macron em junho, com a antecipação inesperada das eleições legislativas de 2027, das quais saiu uma Assembleia Nacional  em maioria clara e dividida em três blocos: esquerda, centro direita e extrema direita. Mas a pressão, agora, é maior. A segunda economia da União Europeia conta com altos níveis de deficit e de dívida públicos para a zona do euro, e os orçamentos frustrados de Barnier previam uma forte diminuição dos gastos públicos para acalmar os mercados.

Embora Macron possa convocar novas legislativas a partir de julho, todos os partidos pensam nas eleições nacionais de 2027, nas quais o presidente não poderá se candidatar. As  legendas buscam evitar se associar ao projeto de um chefe de Estado impopular, mas sem parecer responsáveis pela instabilidade política.

 


Veterano no governo

Fundador e presidente do centrista Movimento Democrático (MoDem), François Bayrou, 73 anos, também é prefeito da cidade de Pau, no sudoeste da França, e líder do Partido Democrático Europeu. Proveniente de uma família de ricos fazendeiros da cidade de Borderes, perto dos Pireneus, foi professor de latino e de grego, antes de iniciar a carreia políica, nos anos 1980. A estreia na carreira política veio em 1986, quando venceu as eleições para a Assembleia Nacional (Parlamento). Sete anos depois, foi escolhido para o cargo de ministro da Educação dos premiês Edouard Balladur e Alain Juppé.

Em 2006, foi nomeado para a disputa presidencial pela União pela Democracia Francesa, uma coalizão extinta da centro-direita, contra Nicolás Sarkozy e Ségolène Royal. Terminou a corrida ao Palácio do Eliseu na terceira posição. Voltou a concorrer em 2012 e amargou nova derrota. Nas eleições de 2017, Bayrou desistiu da disputa para apoiar Macron, em uma manobra que foi considerada surpreendente. No mesmo ano, renunciou como ministro da Justiça, após permanecer apenas 34 dias no cargo, depois de uma investigação judicial sobre a contratação fraudulenta de assessores no Parlamento europeu.

Em fevereiro deste ano, a Justiça condenou seu partido, MoDem, mas absolveu seu fundador, em nome do "benefício da dúvida". Embora o Ministério Público tenha recorrido da sentença, isto não impediu sua nomeação.

Correio Braziliense
postado em 14/12/2024 08:00 / atualizado em 14/12/2024 08:42
x