CONFLITO

Plano de Trump de controlar Gaza é repudiado pela comunidade internacional

Ao criticar o plano, agora relativizado pela Casa Branca, Lula diz que o norte-americano "vive de bravata"

Num território devastado pela guerra, dezenas de milhares de pessoas retornam ao norte de Gaza, após o cessar-fogo entre Israel e Hamas -  (crédito:  AFP)
Num território devastado pela guerra, dezenas de milhares de pessoas retornam ao norte de Gaza, após o cessar-fogo entre Israel e Hamas - (crédito: AFP)

“Sou de Gaza, meu pai e meu avô são daqui. Só temos uma opção: morrer ou viver aqui”, reagiu o palestino Ahmed Halasa, 41 anos, à ideia lançada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de assumir o enclave e realocar a população para outros países. Anunciado na noite de terça-feira, durante encontro do republicano com o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, o plano foi rechaçado pela comunidade internacional. “Receita para a instabilidade”, classificou a Liga Árabe.

União Europeia, ONU, líderes do Oriente Médio, além, claro, dos palestinos rejeitaram de maneira categórica a proposta, que, ontem, foi relativizada pela Casa Branca. “Quem tem que cuidar de Gaza são os palestinos. O que eles precisam é de uma reparação de tudo aquilo que foi destruído”, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista a rádios mineiras. “Você tem o tipo de político que vive de bravata”, acrescentou em outro momento da conversa.

Sem informar datas ou detalhes de como seria o controle do território ou a transferência de seus mais de 2 milhões de habitantes, Trump se mostrou animado ao dizer que transformaria o enclave na “Riviera do Oriente Médio”. Alheio às críticas, o presidente dos EUA insistiu, ontem de manhã, que “todos adoraram” sua proposta — bem recebida em Israel.

Contradições

Horas depois, no entanto, coube a Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, anunciar um recuo no projeto, classificado pela Liga Árabe como uma “receita para a instabilidade” no Oriente Médio. Segundo Leavitt, o chefe queria que os palestinos fossem “realocados temporariamente” fora de Gaza ao invés de serem reassentados permanentemente.

“O presidente não se comprometeu a enviar tropas para o terreno em Gaza”, disse ainda a porta-voz, acrescentando que os EUA “não vão financiar a reconstrução de Gaza”. O secretário norte-americano de Estado, Marco Rubio, assegurou que Trump quer que os palestinos saiam “temporariamente” da Faixa de Gaza para reconstruí-la, sendo uma proposta “generosa” e não “hostil”.

O Hamas, que governa Gaza desde 2007, chamou a proposta de “racista” e “alinhada com a da extrema-direita israelense”. O grupo palestino também afirmou que o plano é “agressivo” e “não servirá para a estabilidade na região e apenas jogará mais lenha na fogueira”.

Também o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, rejeitou “vigorosamente” o plano de Trump. “Não permitiremos que os direitos do nosso povo sejam violados”, declarou Abbas, ao desembarcar na Jordânia para uma reunião com o rei Abdullah II. O monarca reiterou sua oposição a “qualquer tentativa” de deslocamento da população palestina. Egito e Catar — países mediadores da trégua em Gaza — também se mostraram contrários.

Já Netanyahu disse que a proposta de Trump poderia “mudar a história” e que vale a pena “prestar atenção”. O governante israelense conta, entre seus aliados, com forças políticas que sonham em reinstaurar colônias judaicas na Faixa de Gaza, de onde Israel se retirou unilateralmente em 2005 por decisão do então primeiro-ministro Ariel Sharon.

O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, do Partido Sionista Religioso (extremadireita), prometeu nesta quarta fazer de tudo para “enterrar definitivamente” a ideia de um Estado palestino.

Após uma guerra de 15 meses desencadeada pelo ataque do Hamas em outubro de 2023 em território israelense, grande parte da Faixa de Gaza está devastada. Um cessar-fogo, que entrou em vigor no mês passado, permitiu a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos.

A trégua, que se revela cada vez mais frágil, permitiu que dezenas de milhares de palestinos retornassem ao norte do enclave. Para eles, qualquer tentativa de obrigá-los a sair de Gaza evoca o trauma da Nakba (“catástrofe” em árabe), o deslocamento em massa e a expulsão de suas casas durante a criação do Estado de Israel, em 1948.

Críticas a ONU

O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Saar, anunciou, ontem, que o país vai boicotar o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o qual acusou de “propagar o antissemitismo”. “Esse órgão tem-se concentrado a atacar um país democrático e a propagar o antissemitismo, em vez de promover os direitos humanos”, declarou o chanceler na rede social X. “A discriminação contra nós é evidente: no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC), Israel é o único país com um item de agenda dedicado exclusivamente a ele”, apontou. Na véspera, os EUA deixaram o conselho. Segundo o chanceler, o órgão tem se “empenhado em demonizar de forma obsessiva a única democracia do Oriente Médio, Israel.”

Limpeza étnica

O porta-voz de António Guterres, secretário-geral da ONU, pronunciou-se contra qualquer tentativa de “limpeza étnica” em Gaza. “É crucial permanecer fiel aos fundamentos do direito internacional”, declarou Stéphane Dujarric, a jornalistas. “Qualquer transferência ou deportação forçada de pessoas de um território ocupado é estritamente proibida”, frisou o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado.

A China também criticou a possível “transferência forçada” da população, assim como França, Espanha e Alemanha. A União Europeia afirmou que Gaza é uma“parte integral” de um futuro Estado palestino.

A guerra em Gaza teve início com o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023,que deixou 1.210 mortos, a maioria civis. No mês passado, foi acertado um cessar-fogo para libertação de reféns israelenses e presos palestinos. A controversa proposta de Trump surge no momento em que se começa a negociar a segunda fase da trégua, agora ameaçada.

Correio Braziliense
postado em 06/02/2025 06:00
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