Oriente Médio

Cessar-fogo em Gaza: segunda fase do acordo deve ocorrer nesta semana

Primeira etapa da trégua de seis semanas prevê a entrega de 33 reféns a Israel em troca de 1.900 palestinos. A quinta libertação foi efetivada ontem, e novas tratativas devem ocorrer após anúncio de Netanyahu sobre envio de delegação a Doha

A forma como os reféns foram entregues gerou revolta em Israel -  (crédito:  AFP)
A forma como os reféns foram entregues gerou revolta em Israel - (crédito: AFP)

A quinta libertação de reféns israelenses em troca de prisioneiros palestinos ocorreu ontem, aproximadamente, na metade da primeira fase de seis semanas do acordo de cessar-fogo. A trégua, em vigor desde 19 de janeiro, foi negociada indiretamente com a ajuda de Catar, Egito e Estados Unidos, encerrando mais de 15 meses de guerra, desencadeada por um ataque do Hamas no sul de Israel em 7 de outubro de 2023.

Na troca deste sábado, Israel soltou 183 prisioneiros palestinos. Desses, 18 estavam cumprindo prisão perpétua, enquanto 54 tinham penas menores e 111 foram detidos em Gaza depois de 7 de outubro, segundo o Hamas. As acusações contra os outros 111 não foram esclarecidas. Além disso, sete deles tiveram de ser internados no hospital, incluindo Jamal al-Tawil, um líder político do Hamas na Cisjordânia.

Enquanto isso, o Hamas libertou três reféns israelenses que foram recebidos em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Gaza, após serem mantidos em cativeiro por 16 meses. O trio — formado por Or Levy, 34 anos; Eli Sharabi, 52 anos, e o israelense-alemão Ohad Ben Ami, de 56 — foi exibido em um palco durante cerimônia organizada pelo Hamas. Imagens dos três homens extremamente magros sendo interrogados no palanque por militantes encapuzados do Hamas causaram indignação em Israel.

Os 491 dias em Gaza deixaram a saúde de Or Levy (esquerda) e Eli Sharabi (centro) em um estado ruim; e Ohad Ben Ami (direita) foi diagnosticado com um quadro nutricional grave
Os 491 dias em Gaza deixaram a saúde de Or Levy (esquerda) e Eli Sharabi (centro) em um estado ruim; e Ohad Ben Ami (direita) foi diagnosticado com um quadro nutricional grave (foto: AFP)

O presidente israelense, Isaac Herzog, denunciou "um espetáculo cínico e cruel" que ilustra "um crime contra a humanidade". O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, juntou-se às críticas, dizendo que as imagens deste sábado "não ficarão sem respostas". A cena também foi denunciada pelo Fórum das Famílias de Reféns israelenses, que classificou as imagens como "chocantes".

Por outro lado, o movimento islamista palestino fez críticas à "política de assassinato lento", em sua opinião, aplicada por Israel, e a ONG Clube dos Prisioneiros Palestinos denunciou a "brutalidade" e os maus-tratos nas prisões. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que recebeu os reféns e os levou para Israel, pediu que quaisquer futuras libertações sejam "dignas" e realizadas "em privado".

Segunda fase

Ainda ontem, um alto funcionário do Hamas afirmou que o movimento palestino não quer retomar a guerra com Israel. "Certamente, não é nosso desejo nem nossa decisão. Mas se uma das partes decidir retornar à guerra, nosso povo palestino, que suportou por 15 meses e carrega a resistência em seus corações, sem dúvida, estará preparado para responder adequadamente", disse Basem Naim em entrevista à AFP.

Membro do comitê político do movimento, Naim afirmou que o "atraso e a falta de comprometimento" de Israel em implementar a primeira fase da trégua, assim como "a tentativa de criar um ambiente político, internacional, diplomático e midiático para pressionar os negociadores palestinos a entrar na segunda fase" colocam o acordo "em perigo". No entanto, ressaltou que o movimento islamista palestino continua disposto a retomar as negociações para a implementação da segunda etapa, que deveriam ter começado na última segunda (3).

Ainda ontem, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou o envio de uma delegação a Doha, capital do Catar, para continuar as tratativas. De acordo com um comunicado emitido pelo gabinete de Netanyahu, o premiê "ordenou o envio de uma delegação" ao Catar e planeja organizar "uma reunião do gabinete de segurança" após seu retorno dos Estados Unidos.

Ameaça dos EUA

Conforme Filipe Queiroz, doutor em história das relações internacionais e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Donald Trump afirmou, na presença de Netanyahu, ser contra os palestinos retornarem para seus lares com o cessar-fogo "e que os EUA poderiam ocupar Gaza e 'desenvolver a região". A afirmação, na última quinta (6), assustou a comunidade internacional e o próprio primeiro-ministro israelense pareceu surpreso", comenta.

Segundo Queiroz, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, repudiou a fala por representar um "atentado contra o direito internacional" e a própria Arábia Saudita anunciou que descontinuaria seu processo de aproximação com Israel, caso os EUA tomassem Gaza. Reforçando os posicionamentos, Basem Naim defende que forçar uma população de 2 milhões de pessoas a deixar sua terra natal por qualquer motivo é um "crime contra a humanidade" e uma "limpeza étnica".

"Essa proposta está, portanto, rejeitada. Todos os países árabes, sem exceção, os países islâmicos e muitos países ao redor do mundo adotaram uma posição clara de rejeição (...) porque o povo palestino se recusará a sair. E não há Estado pronto ou preparado para recebê-los". O representante do Hamas também pediu aos países árabes que evitem "normalizar suas relações" com Israel, "que representa uma ameaça para toda a região, não apenas para os palestinos."

Palavra de especialista

Professor Filipe Queiroz, doutor em história pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF): "É nesse cenário que Trump se consolida como uma das figuras centrais da extrema-direita global"
Professor Filipe Queiroz, doutor em história pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF): "É nesse cenário que Trump se consolida como uma das figuras centrais da extrema-direita global" (foto: Arquivo pessoal)

"Donald Trump sabe capturar os holofotes com falas explosivas, garantindo ampla repercussão. Quando ele recua, o impacto já foi alcançado. Com esse método, constrói sua imagem de líder forte, impondo sua narrativa e magnetizando o público. Enquanto isso, a oposição tem se mostrado incapaz de apresentar uma estratégia envolvente, falhando em mobilizar sua base.  Nesse cenário, Trump se consolida como uma das figuras centrais da extrema-direita global, utilizando discursos violentos e polarizadores para manter seu domínio sobre a atenção pública. A questão do Oriente Médio torna-se central como plataforma dessa economia da atenção, uma estratégia que tem se tornado cada vez mais eficiente para Trump e seus apoiadores."

Marina Rodrigues
Isabella Almeida
postado em 09/02/2025 06:00 / atualizado em 09/02/2025 15:56
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