
As reuniões entre emissários da Ucrânia, da Rússia e dos Estados Unidos em Riad (Arábia Saudita) produziram os primeiros resultados promissores, depois de 1.125 dias de guerra no Leste Europeu. Kiev e Moscou acordaram "eliminar o uso da força" no Mar Negro, um importante corredor de exportação de grãos para o Mar Mediterrâneo, via Estreito de Bósforo. O compromisso de cessar-fogo marítimo é considerado o primeiro passo rumo a uma trégua abrangente.
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Por meio de duas declarações separadas, a Casa Branca confirmou que Rússia e Ucrânia concordaram em "garantir a segurança da navegação, eliminar o uso da força e prevenir o uso de navios comerciais para fins militares no Mar Negro". O governo do republicano Donald Trump, por sua vez, prometeu "apoiar os esforços (da Ucrânia) para a troca de prisioneiros, a libertação de civis e o retorno das crianças ucranianas deslocadas à força".
Apesar do avanço nas negociações, o governo do presidente russo, Vladimir Putin, informou que o acordo somente entrará em vigor quando as sanções ao comércio de grãos e fertilizantes da Rússia forem levantadas. O Kremlin anunciou que os EUA vão "contribuir" para "restabelecer o acesso das exportações russas de produtos agrícolas e fertilizantes ao mercado mundial, a reduzir o custo dos seguros marítimos".
Sanções
Moscou exige a suspensão das restrições impostas ao banco agrícola Rosselkhozbank, a produtores e exportadores de alimentos e fertilizantes, bem como a empresas que asseguram os carregamentos. O Kremlin também anunciou que respeitará uma trégua de 30 dias em relação à infraestrutura energética — refinarias, gasodutos e centrais elétricas da Ucrânia.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, considerou que o seu país deu o "passo certo". "É muito cedo para dizer se vai funcionar, mas essas foram as reuniões certas, as decisões certas, e (constituem) o passo certo. Ninguém pode acusar a Ucrânia de não avançar em direção à paz sustentável depois disso", declarou, em entrevista coletiva.
Mais tarde, ele tornou a comentar o acordo, em mensagem na rede social X. "O comportamento da Rússia nos próximos dias revelará muito — senão tudo. Se houver alertas de ataque aéreo novamente, se houver atividade militar renovada no Mar Negro, se as manipulações e ameaças da Rússia prosseguirem, então, novas medidas precisarão ser tomadas, especificamente contra Moscou. A diplomacia deve funcionar. Do lado ucraniano, estamos fazendo de tudo para que isso ocorra."
Zelensky foi incisivo ao citar a posição de Moscou. "Não confiamos neles (russos). Francamente, o mundo não confia na Rússia. Eles devem provar que estão verdadeiramente prontos para pôr fim à guerra — prontos para pararem de mentir ao mundo, a Donald Trump e aos Estados Unidos", concluiu.
Olexiy Haran, professor de política comparada da Universidade de Kyiv-Mohyla, explicou ao Correio que o cessar-fogo firmado na terça-feira (25/3) é válido apenas para a infraestrutura energética. "Isso significa que as forças russas continuarão a bombardear o território ucraniano e os civis. Foi o que fizeram na segunda-feira (24) em Sumi, quando um míssil feriu mais de 100 pessoas, incluindo crianças", afirmou.
De acordo com ele, o governo Zelensky uma trégua completa, que teria sido rejeitada por Moscou. "É claro que consideramos positivo que nossa infraestrutura de energia não seja atacada, mas precisamos entender que a situação não é tão grave como era no inverno. Enquanto a Ucrânia ataca alvos militares, a Rússia bombardeia infraestrutura civil."
O estudioso ucraniano sublinhou que o cessar-fogo no Mar Negro foi mais fácil de se alcançar. "Em 2023, a Rússia se retirou de um acordo firmado com a Ucrânia, o qual possibilitava a exportação de grãos pelo corredor marítimo", lembrou Haran. "As forças ucranianas conseguiram expulsar a frota russa de grande parte do Mar Negro. Os ataques de Kiev mostraram-se efetivos e restabeleceram a rota dos grãos. Com o novo acordo, a Rússia terá algumas das sanções comerciais levantadas."
Cautela
Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), afirmou não ver um acordo de cessar-fogo evidente. "Do lado da Rússia e dos EUA, as negociações terminaram quando Moscou demandou o alívio de todas as sanções. Com isso, os americanos ganharam tempo, a fim de avaliarem se as sanções poderiam ser suspensas — o que dependerá das negociações entre Kiev e Washington", explicou.
Burkovsky admitiu ao Correio que os EUA não poderão suavizar as sanções, caso Rússia e Ucrânia mantenham os ataques. "Isso significa que, se a Ucrânia prosseguir com os bombardeios, a Rússia não aceitará aderir à proposta americana." Ele considera que a responsabilidade pela falta de um acordo mais amplo é dos EUA. "Os americanos não estão prontos para colocar pressão sobre os russos a fim de que detenham as hostilidades. Depois dessa decepção para Trump, a Casa Branca precisa tomar uma decisão — quem é o verdadeiro inimigo? A Rússia ou a Ucrânia?"
EU ACHO...
"Mesmo que o cessar-fogo contra a infraestrutura energética e o Mar Negro vigorem, a Rússia continuará a atacar a nossa população civil. Por isso, não creio quie essa tenha sido a abordagem mais correta."
Olexiy Haran, professor de política comparada da Universidade de Kyiv-Mohyla
"Os Estados Unidos pediram à Ucrânia que pare de atacar alvos dentro do território russo. Ao mesmo tempo, a Ucrânia exigiu que a Rússia pare de destruir a infraestrutura energética e inicie uma troca de prisioneiros. Washington fez demandas para ambos os lados, mas terminou sem obter resultados concretos."
Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev)
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